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As Artes do Belo de Carlos Nougué

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 25 de ago.
  • 7 min de leitura
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O mundo moderno perdeu a noção mais precisa do que é o belo. Deixou-se invadir pelo feio, desde seus trajes aos edifícios que constrói. E com isto abala os fundamentos sobre o qual se erguem a alma e a inteligência – crianças criadas distantes do belo tendem a afastarem-se do bom e do verdadeiro. Sem uma verdadeira arte do belo a sociedade rui.


O belo exige três condições: (a) integridade (não lhe falte partes essenciais), (b) harmonia (proporcionalidade entre as partes do todo), e (c) claridade (sem obscuridade).

 

O homem é um animal de contemplação, de ação e de produção. Das obras que produz, umas são para uso ou benefício do corpo – são as artes chamadas servis –, enquanto outras são para uso ou benefício de seu espírito – são as artes ditas liberais. Entre estas, há aquelas que, mediante o belo, visam a fazer o homem propender ao bom e ao verdadeiro, e, mediante o horrendo, visam a fazê-lo afastar-se do mau e do falso: são as Artes do Belo, ou seja, a Literatura, o Teatro, o Cinema, a Música, a Dança (e.g. Balé), a Pintura, a Escultura e, por certo ângulo, a Arquitetura.


É inegável a importância das artes do belo para a constituição de uma personalidade sã e para a formação da civilização. Vemos o Gênesis referir a invenção da arte da cítara e da flauta. Vemos as epopeias homéricas contribuírem para a educação ético-política de gerações na Grécia antiga. Vemos a arte de Virgílio servir de alicerce para o Império Romano. Vemos os templos cristãos como “museus” de todas as artes em ordem à salvação das almas. E também vemos Platão, Aristóteles, Agostinho, Boécio, Tomás de Aquino estudá-las filosoficamente, com o que fundam uma ciência que se pode chamar poética e que se subordina à lógica, à política, e à teologia.


A perversão das artes do belo tampouco está presente ao longo da história, e a vemos particularmente presente nos momentos de decadência civilizacional ou de revolução. Pode dar-se ou mediante o uso das melhores técnicas artísticas para um fim indevido – fazer propender ao mau e ao falso – ou mediante a feiura pura e simples. Ambas as coisas já se vêm dando, no Ocidente, desde há alguns séculos, mas a partir do início do século XX as artes do belo foram como que ocupadas por um feio que se quer vender como belo. É o que o historiador italiano da filosofia Giovanni Reale (1931-2014) chama tão propriamente “a diluição das formas”: a cacofonia sonora quer passar-se por música; angulosas contorções corpóreas, por dança; rabiscos ou olhos postos nos pés, por pintura; o esdrúxulo arquitetônico, por templos; e assim sucessivamente.


Insista-se, porém: assim como as artes do belo são fundamentais para a formação da personalidade e da civilização, assim também suas perversões são a base para sua destruição. Acrescente-se que tais perversões não raro, especialmente a partir do século XX, se acompanham de doutrinas que as querem justificar, e ter-se-á uma das razões do atual estado de coisas no mundo. Para agravar o quadro, ademais, temos até filósofos tomistas que acabam por contribuir para essa situação dramática ao aderir à doutrina segundo a qual as artes do belo visam senão fazer obras belas. Mas também a joalheria ou a costura podem produzir obras belas, e nem por isso se dizem artes do belo, além de que negar que o fim último destas artes seja fazer propender ao bom e ao verdadeiro é negar o dito pelos maiores filósofos de todos os tempos e pelos maiores artistas de todos os tempos.


As artes do belo ou são produtoras de formas mimético (imitam caracteres, paixões e ações), significantes e belas cujo fim último é o dito acima, ou simplesmente não o são: porque, se o são, são virtudes, e, se não o são, são vícios, e nenhum vício pode constituir propriamente arte alguma. Artes do belo são aquelas que fazem formas miméticas (imitam caracteres, paixões e ações) significativas e belas para que o homem propenda para o bom e verdadeiro e afaste-se do que é mau e falso.


Para Antonin-Gilbert Sertillanges (1863-1948) educação é o desdobramento da alma, atualizar as potências do ser humano – ver estas potencialidades realizadas nos melhores exemplos humanos. Lendo a Ilíada a criança vai desejar o heroísmo de Aquiles e Heitor – a arte não existe para ela mesma (a arte pela arte).


Literatura

A grande literatura ocidental começa com a Ilíada e Odisseia e sua capacidade de educar fazendo propender ao bom e verdadeiro. Segundo Tomás de Aquino (1225-1274) a arte é uma virtude, algo que tem por fim o mal é vício, logo nunca arte, mesmo que bem construída tecnicamente.


Exemplos de literatura: Eneida de Virgílio, Dom Quixote de Cervantes, Saga do Padre Brown de Chesterton, e Os Lusíadas de Camões.


Teatro

Os gregos fundam o teatro ocidental. Para Aristóteles o teatro incutia no espectador compaixão e terror mediante a catarse – purificação das emoções, que assim deixam de obstaculizar a nossa inteligência a nos aproxima do bom e do verdadeiro.


Exemplos de teatro: O cristianismo introduz o Auto – O Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente (1465-1536), paradigma do grande teatro. Henrique V de Shakespeare, outro paradigma de grande arte, representa “não a nós senhor a glória, glória tão somente a seu nome”. Esther e Athalie de Jean Racine (1639-1699) também são grandes.


Hoje o teatro busca excitar as paixões e não provocar catarse. – promove vícios e paixões. O uso do nu estimula a concupiscência – pecam nos meios – distraction (separação, desunião, afastamento daquilo que seria o desejável).


Cinema

Cronologicamente a última das Artes do Belo. É uma arte cara, dependendo de uma indústria nem sempre escrupulosa com respeito aos princípios da arte do belo. O cinema sintetiza várias artes: declaração, música, pictórica.


Exemplos de cinema: The Searchers de John Ford de cenas pictóricas belíssimas, It is a Wondeful Life de Frank Capra, Vertigo de Alfred Hitchcook sobre queda e redenção, Angels of Sin e The Trial of Joana D’Arc de Robert Bresson. e Solaris de Andrei Tarkovsky paráfrase da parábola do filho pródigo. Deste mesmo último diretor temos Nostalghia com a cena da final da travessia das ternas secas (frequentadas por Santa Catharina de Sena) com uma vela acessa, refletindo a vida e sacrifício cristão. High and Low de Akira Kurosawa com sua cena final onde está presente todo o desfecho da vida humana, o selo da salvação ou da perdição eterna. Ran, também de Kurosawa, expõe verdadeiros quadros de grande beleza. O cinema do Yasujirô Ozu apresenta a monotonia da vida familiar de forma poética – um elogio da vida familiar (ver particularmente Late Spring – última cena o ir e vir das ondas do mar demonstra a sucessão das gerações (belíssimo apesar da melancolia pagã que não tem a perspectiva da felicidade última no céu)).


Porém o cinema é uma arte de assimilação fácil, não exige esforço do espectador como a literatura, e desta não deve nos afastar.


Música

Referências à música já aparecem no livro do Gênesis. Pitágoras descobre que a música é uma arte subordinada a matemática (conceito reforçado por Boécio). A música erudita é superior, fundada na matemática e na acústica. Também há boa música popular, e.g. Elomar.


A música começa a tomar forma no mundo ocidental com o cantochão. Música profana não é antirreligiosa, mas apenas não litúrgica. No século XVI a Igreja permite a música polifônica (Palestrina). Bach é o gênio máximo da música. O ciclo sinfônica de Anton Bruckner é o ápice da música instrumental (especialmente a 9ª Sinfonia Inacabada).


A música começa a cair com o romantismo, antessala da atonal, da cacofonia – a diluição das formas como ocorrido na pintura. No horror da música atual salvam-se, por exemplo, Philip Glass e Arvo Pärt.


Dança

É a mais efêmera das artes do belo. Dança é arte do belo (movimentos corporais ritmados) quando mimetiza ações, paixões e caracteres. A dança folclórica fica na fronteira da arte do belo, de difícil definição (e.g. os cossacos, folclore português, flamenco – ver Bodas de Sangue de Carlos Saura).


Arte subordinada inicialmente à tragédia grega, ao balé nas óperas (música), mas que no mundo moderno também decaiu.


Pintura

Das mais antigas das artes do belo. Diferença entre arte e experiência: somente sabendo o porquê de fazer de determinada forma temos arte. A pintura ou desenho deve ser mimética, como nas demais artes, mas não se desdobra no tempo como aquelas (teatro, cinema, música, dança), é congelada num instante. Na Idade Média a arte pictórica servia para ensinar a religião ao homem iletrado. Com o tempo foi se despegando do serviço religioso mais imediato, foi entrando nos castelos e casas.


Exemplos de grandes pintores: Fra Angelico, Rembrandt, Murilo, e Francisco de Zurbarán.


A decadência começa no começo do século XX. Deformando as figuras, diluindo a forma. Hoje se vendem quadros caríssimos feito por porcos e elefantes. Mas o Bem nunca poderá acabar, senão não poderia haver o Mal. E ainda há artistas como Ferrer Gumball de escola realista e os brasileiros Pedro Américo (ver quadro Batalha do Avaí) e Almeida Júnior (Saudade)


Escultura

Também uma arte que reflete um momento, não se desdobra no tempo.

Na Grécia buscavam a proporção perfeita do homem, o equilíbrio, harmonia, perfeição do corpo humano. Na arte gótica a escultura estava intrinsecamente ligada a arquitetura. As esculturas góticas eram esguias, alongadas para cima, como as igrejas e as figuras pintadas por Fra Angelico – tudo visava a ascensão do homem. Artes acessórias nas igrejas: pintura, escultura e música. Sinfonia de artes para expressar a regência do universo por Deus.


Exemplos de escultures: Michelangelo (Moises e Pietá) converteu-se completamente no final da vida (desce Cristo da cruz na Pietá florentina e confessa em poema arrependimento pelo paganismo, e.g. nu de Davi). E, no Brasil, o barroco Aleijadinho (Profetas).


Arquitetura

Uma arte tanto servil (servir ao corpo) quanto liberal (do belo – que serve à alma). A arquitetura gótica imita atos morais ao “elevar” (sentimento de elevar) o homem a Deus. A arquitetura pagã pode também expressar o Poder.


A arquitetura traz para seu âmbito as demais artes (música, pintura e escultura). As igrejas romanas eram adequadas para o canto gregoriano, já a imensidão das igrejas góticas exigia a polifonia.





Notas


  • Carlos Nougué (1952- ) nasceu no Rio de Janeiro.

  • Gramático, tradutor e professor de filosofia (tomista).

  • Anotações extraídas do documentário As Artes do Belo realizado por Viviane Princival e Jean Wichinoski.

  • O conteúdo do documentário cobre muito superficialmente o livro Da Arte do Belo escrito por Carlos Nougué.

©2019 by Cultura Animi

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