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Ilíada de Homero



Personagens Principais Aquiles – herói grego, rei dos Mirmidões Heitor – herói troiano, príncipe de Troia Agamémnone – líder do exército grego Odisseu – o mais esperto e eloquente dos gregos Príamo – rei de Troia Pátroclo – amigo de Aquiles

Personagens Secundárias Briseide – prenda de guerra de Aquiles Andrômaca – mulher de Heitor Helena – mulher de Menelau, seduzida por Paris Páris – irmão de Heitor, príncipe de Troia Ajaz, o Grande – maior guerreiro grego após Aquiles Enéas – primo de Heitor e seu principal tenente Hécuba – mulher de Príamo Cassandra – filha de Príamo e Hécuba, vidente

Interpretação História centrada no entendimento da condição humana, principalmente a mortalidade. Aquiles é confrontado com a possibilidade de viver sem glória ou morrer gloriosamente. A glória é obtida pela maneira como você é lembrado após sua morte, por como você vive sua existência. No canto IX ele questiona a busca de timê (honra) e kleos (glória), ele questiona a essência do guerreiro da época. Mais que isto, ele questiona a condição humana, a essência de ser humano.


A trivialidade dos deuses realça a condição humana. Um ente que não pode morrer é incapaz de mostrar a mesma coragem e sacrifício que um homem, especialmente em uma situação de guerra como neste épico. Assim Homero reforça nossa atenção na essência da condição humana. Nossa própria mortalidade nos dá condições de mostrar valores heroicos e justificar nossa existência. Os deuses são imortais e os animais são inconscientes da própria mortalidade, apenas os homens têm esta possibilidade e consciência, permitindo-lhes atos de coragem, de sacrifício e viver nobremente. Este privilégio é uma das, senão a única, vantagem de ser um homem.


Os gregos usavam a palavra areté para expressar a essência virtuosa de algo. Assim a areté de uma faca é cortar bem, de um olho é ver bem, do ouvido é ouvir bem, enfim executar sua atividade peculiar e distintiva com excelência. Qual seria a areté do homem? Para os filósofos gregos o homem é virtuoso quando exerce a razão, adquire sabedoria e amplia seu horizonte de consciência. Mas a Ilíada começou a ser cantada mais de cinco séculos antes de Sócrates, e na Grécia arcaica de Homero o ideal humano era o heroísmo.


 

No retorno de Aquiles aos combates parece haver uma suspensão da morte (não executa o funeral de Pátroclo) e da vida (ele não bebe, não come ou faz sexo). Como se ele rejeita-se a condição humana. Heitor é representado em toda sua humanidade, com família, papel na comunidade e aspectos todos mortais, contrastando com Aquiles em sua ira. Apenas o pedido de Príamo pelo corpo de Heitor reintegrará Aquiles a sociedade, ele aceita a mortalidade e reassume sua humanidade. Aquiles diz a Príamo que os homens vivem para o sofrimento. Os afortunados têm uma mistura de benções e desgraças e os demais apenas desgraças.


A Ilíada nos mostra que nossas vidas são resultado de uma tensão insolúvel entre nossos desejos, nossas iniciativas e as forças externas do destino. A vida é trágica, pois podemos fazer tudo certo, de forma correta e justa, e mesmo assim sofrermos as maiores infelicidades. Isso é demonstrado em como gregos e troianos são apenas marionetes nas mãos dos deuses, seres que representam aspectos da vida humana cuja ação está acima de nós, fora do alcance da nossa vontade.


Como resolvemos esta tensão? Aquiles e Heitor sabiam que não sairiam vivos daquela guerra. Como eles encararam este destino? Ambos aceitaram suas responsabilidades e fizeram o melhor que podiam, e assim imortalizaram-se. O ser humano aproxima-se dos deuses quando é capaz de aceitar resignadamente seu destino e fazer o melhor possível. Encarar a vida com heroísmo, ser capaz de fazer o certo apesar do mal que te ameaça, é o único processo civilizatório possível. Nada poderia ser mais distante do homem pós-moderno e sua doentia vitimização, sempre procurando um culpado por suas mazelas.

Na guerra, como na paz, o homem exerce poder sobre seus semelhantes. O uso deste poder o define diante dos deuses. Gregos e troianos exacerbaram neste poder e pagaram o preço com suas vidas (com exceção de Odisseu – que se regenera ao adquirir sabedoria ao longo da Odisseia – todos os heróis gregos terão um destino trágico). A soberba (hybris) diante dos deuses e semelhantes era o maior pecado para os gregos, punido pela implacável vingança celeste (Némesis).


 

A Ilíada, assim como a Odisseia, foi adotada como ferramenta educacional nas cidades gregas, provia exemplos de comportamento e estabelecia o quadro de referência moral. As crianças gregas eram educadas a ser o melhor possível, copiar os melhores modelos, serem como Aquiles e Heitor, ou seja, entenderem o caráter trágico da vida e enfrentá-lo heroicamente. Os gregos, assim educados, foram dotados de tal força espiritual que os afastava do autoengano, propiciando as condições para as conquistas intelectuais que fundaram a civilização ocidental.


Homero nos fala de deuses e destino, e através destes sobre o significado da vida humana. Os deuses controlam o destino, mas nós tomamos decisões conscientes sobre o certo e o errado, sobre o bem e o mal. E os deuses nos recompensarão ou punirão por isso. Os mortais tem dificuldade de enxergar o certo e errado até ser muito tarde. Temer os deuses é a primeira etapa para adquirir sabedoria (gnothi seauton – “conheça a si mesmo”).


Vemos a educação de Aquiles. Ele elegeu honra e glória para sua vida, mesmo à custa de uma morte precoce. Busca construir sua reputação mantendo sua palavra, vingando os seus, e defendendo a si e aos mais fracos. Ele ainda vai adquirir temperança ao entender que não se pode ir longe demais, mesmo em sua honra (meden agan – “nada em excesso”).


Todos nós morreremos, como vivemos é o que conta.


 

Notas

  • A Ilíada e a Odisseia são atribuídas a Homero (aproximadamente séculos IX ou VIII a.C.) que teria nascido em Jônia (atualmente Turquia – sete cidades disputam o local do seu nascimento).

  • Ilíada significa a “história de Ilium” (nome arcaico da cidade que conhecemos como Troia).

  • São os primeiros textos da tradição literária europeia. Primeiros épicos, que para o grego definia um longo poema na forma rítmica do hexâmetro datílico.

  • Troia foi saqueada em 1184 a.C., e a Ilíada e a Odisseia foram copiladas provavelmente entre 850 a.C. e 750 a.C. (o alfabeto fenício foi adotado nas cidade gregas por volta de 900 a.C.). Ambas nasceram de tradição oral.

  • in media res = no meio das coisas. Os épicos começam assim, pois se assume que o contexto da história é conhecido dos ouvintes ou leitores.

  • Guerreiros gregos lutam por honra (timê) e glória (kleos). Honra no aspecto tangível dos espólios de guerra (um jogo de conta zero). Glória no sentido de fama, o que os outros falam de você – a única imortalidade possível para um humano. Daí não ser pequena a querela entre Aquiles e Agamémnone sobre Briseide. Os troianos também lutam pela sobrevivência de sua cidade.

  • O fato de Helena não mais querer Paris estressa a futilidade daquela guerra.

  • Troianos falam grego e veneram os mesmos deuses. Não são bárbaros no conceito dos gregos.

  • A natureza caprichosa do destino humano representada na Roda da Fortuna nivela a todos. Apesar de grego, Homero trata seus conterrâneos e troianos igualmente.

  • A troca de armaduras entre o troiano Glauco e o grego Diomedes no livro IV ilustra a desproporcionalidade da guerra. A armadura de ouro do troiano vale dez vezes mais do que a de bronze do grego. Troia está dando muito (sua existência) em troca de muito pouco (Helena).

  • Kleos aphthiton = glória imortal. Paradoxalmente tal glória só pode ser obtida através da morte (matando ou morrendo, ou ambos).

  • Moira = o que em retrospectiva deveria ter mesmo acontecido (destino).

  • Ilíada é a fonte da Tragédia.

  • O escudo de Aquiles (descrito em detalhes no livro XVIII) representa a vida humana, mesmo tema da Ilíada.


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