
"I don't understand why we have to experiment with film. I think everything should be done on paper. A musician has to do it, a composer. He puts a lot of dots down and beautiful music comes out. And I think that students should be taught to visualize. That's the one thing missing in all this. The one thing that the student has got to do is to learn that there is a rectangle up there - a white rectangle in a theatre – and it has to be filled." – Alfred Hitchcock (Directing the Film, 1976)
A maioria dos críticos de cinema, em seu costumeiro distanciamento do público e da realidade, acusa Hitchcoock de falta de seriedade ou interesse em temas sociais (i.e. fazer propaganda esquerdista em seus filmes), concedendo-lhe no máximo o título de “mestre do suspense”. Mas, como François Truffaut apontou (Hitchcoock/Truffaut, 1967), Hitchcoock é um dos maiores artesões do cinema, tendo influenciado incontáveis diretores com sua rara habilidade em visualmente narrar histórias explorando a psique do espectador.
Seus filmes também são uma antítese da lorota humanista de que o homem é bom e o sistema mau os estraga, como se os próprios sistemas não fossem funções da experiência humana – violamos os Mandamentos por nossa conta e risco, e devemos pagar o preço da culpa no final.
Segue lista dos mais proeminentes entre seus 53 filmes realizados, com destaque para Vertigo, Psycho, Rear Window, North by Northwest, The Birds e Marnie.
The 39 Steps (1935): Este é 28º filme de Hitchcoock e reúne todos os ingredientes que farão o sucesso do diretor: o inocente metido em problemas, as ações judiciais, pistas relevantes, pretextos sem importância, a loira aparentemente fria, as insinuações e piscadelas, câmera e edição impecáveis, equilíbrio entre momentos alegres e tensões constantes… um diretor em plena posse de seus meios.
The Lady Vanishes (1938): Um lento início até que subitamente se mergulha num mistério em ritmo alucinante. Um deleite.
Foreign Correspondent (1940): O único filme do diretor com mensagem política, um apelo para que os Estados Unidos entrassem na guerra.
Rebecca (1940): Com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos papéis principais não havia como dar errada esta adaptação do famoso romance de Daphne Du Maurier (1907-1989). Mas são outras duas personagens que roubam a cena: a governanta enlouquecida (Mrs. Danvers – Judith Anderson) e o patife (Jack Favell – George Sanders), verdadeiros protótipos para tais papéis.
Suspicion (1941): Mesmo com um roteiro básico, desprovido de grandes exaltações, Hitchcock não só mantém o suspense como faz o espectador aprazer-se da dúvida (queremos que o marido seja um assassino ou não?). A cena com Cary Grant subindo a escada levando o copo de leite é a marca do filme: simples mas impactante.
Shadow of a Doubt (1943): A natureza diabólica da personagem Charles Oakley é escancarada pela fumaça negra produzida pelo trem que o leva para Santa Rosa. Um dos filmes favoritos do diretor.
Spellbound (1945): Talvez o primeiro filme a explorar a psicanálise em sua crescente popularidade ao redor do mundo após a IIGG. Mas não era para levar o tema muito a sério, o próprio Hitchcock definiu o filme como "just another manhunt wrapped up in pseudo-psychoanalysis." Destaque para a sequência de sonhos desenhada por Salvador Dali e a personagem coadjuvante do Dr. Alexander Brulov (Michael Chekhov).
Notorious (1946): Não dá para perder Ingrid Bergman espionando nazistas no Rio de Janeiro do pós-guerra. Observar as sutilezas e insinuações sobre os arranjos sexuais que não deixam dúvidas no entendimento da narrativa enquanto cumprem fielmente os códigos morais de produção da Hollywood da época. A necessidade de explicitação hodierna apenas atesta nossa presente condição de putrefação moral.
Rope (1948): Dois sodomitas encarnam o horror nietzschiano.
Strangers on a train (1951): Nunca fique de conversa fiada com estranhos.
Dial M for Murder (1954): Aula de como filmar um roteiro baseado numa peça de teatro. Hitchcock já demonstra total domínio das cores (e.g. Grace Kelly veste branco no café da manhã com o marido, e, na sequência, vermelho com o amante). A Warner Bros. demandou o filme em 3D (daí as cenas com objetos entre as personagens e os espectadores), mas o filme funciona perfeitamente em 2D.
Rear Window (1954): Roteiro brilhante adaptado de um conto de William Irish. Hitchcock faz os espectadores enxergarem através dos olhos do herói – um filme que trata da arte do cinema.
To Catch a Thief (1955): Um filme sem a perversidade que se observa na obra do diretor. Hitchcock fez o filme porque queria gozar um tempo no sul da França.
The Trouble with Harry (1955): Hitchcock testa a reação do público a um filme sem grandes estrelas, e dos americanos ao sutil humor negro inglês – o filme fez sucesso na Europa mas, inicialmente, foi mal nos EUA. Apenas para fãs de humor negro.
The Man Who Knew Too Much (1956): Remake do mesmo roteiro realizado pelo diretor em 1934. A sequência do assassinato no Albert Hall vale o filme.
The Wrong Man (1956): Baseado em um caso real – usa nomes reais e foi filmado em locais onde os eventos ocorreram. Diverge da obra de Hitchcock, mas funciona como exemplo do risco de desequilíbrio entre o indivíduo e o Estado.
Vertigo (1958): As implausibilidades do roteiro desaparecem diante do mistério em clima onírico, da beleza dos cenários, do impacto da música, das atuações impecáveis, das inovações técnicas (e.g. a combinação de zoom e movimento de câmara para simular a vertigem do herói). Fala da mentira, da falta de identidade, da luxúria, e, principalmente de como a presença divina ao final imporá a verdade – um dos grandes filmes da história do cinema. Serve também para desfrutar a beleza da cidade de San Francisco antes de ser destruída pela ideologia revolucionária.
North by Northwest (1959): Hitchcock atinge neste filme o ápice de qualidade da sua fórmula favorita: um homem comum que inadvertidamente embarca em uma aventura acima de sua capacidade. O suspense, humor refinado e o inusitado das cenas de ação fazem crer que os filmes de James Bond se inspiraram aqui.
Psycho (1960): Clássico exemplo de como surpreender o público (surpreendente morte da heroína no meio do filme), e de como Hitchcock apresenta facetas simpáticas do assassino e desagradável de suas vítimas, evitando personagens rasas.
The Birds (1963): Os ataques das aves, envoltos em mistério e terror, são o pano de fundo do processo de amadurecimento da fútil Melanie entre personagens complexas. Por que o pássaros atacam? O filme funciona justamente por não haver uma resposta. Mas alerta ao fato de que há muita complacência na sociedade, ignorante da fragilidade civilizacional e dos perigos que nos rondam.
Marnie (1964): Excelente apesar do mambo-jambo psicológico.
Frenzy (1972): Aos 73 anos de idade e 50 anos após a estreia de seu primeiro filme, Hitchcock apresenta seu canto do cisnei.