
Personagens Principais Frodo Baggins – portador do Anel Gandalf – mago, lidera a Sociedade do Anel e, depois, os exércitos do Oeste Aragorn – herdeiro dos tronos de Arnor e Gondor Legolas – príncipe elf Gimli – anão Boromir – herdeiro do trono de Denethor Sam Gamgee – jardineiro e amigo de Frodo Merry Bradybuck – primo e amigo de Frodo Pippin Took – primo e amigo de Frodo Personagens Secundárias Sauron – anjo caído, senhor das trevas Saruman – mago corrompido, deseja o Anel para si Gollum (Sméagol) – hobbit obcecado pelo Anel Bilbo Baggins – tio de Frodo Arwen Undómiel – elf romanticamente ligada a Aragon
Interpretação “Um Anel para a todos governar, um Anel para encontrá-los, um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los.” – inscrição no Anel A interpretação de O Senhor dos Anéis pressupõe dois fatos: (1) Tolkien era profundamente cristão e, conforme ele mesmo revela em suas cartas, refletiu sua religiosidade nesta obra, e (2) ele é um grande erudito, tendo criado a mitologia do livro aproveitando elementos já existentes. Um exemplo claro disto é a divisão daquela sociedade em quatro eras – a ideia de dividir a existência em quatro eras não é incomum, pois é assim que as tradições místicas dividem o mundo: os quatro Yugas do hinduísmo, as quatro eras da religião greco-romana (ouro, prata, bronze e ferro).
Tendo isso em conta, a chave interpretativa do Senhor dos Anéis estaria em desvendar o significado simbólico da Terra Média, do Anel e do casamento de Aragorn e Arwen, articulando estes três elementos num conjunto harmonioso.
O que está em disputa no Senhor dos Anéis é a Terra Média (Middle Earth), cuja melhor tradução teria sido Terra do Meio, pois ela simboliza algo que está entre dois polos. Esta Middle Earth representa o nosso próprio Eu que flutua entre o plano divino da existência e o plano humano, material. Tolkien reflete aqui os mesmos polos expressos na cosmovisão grega descrita por Hesíodo na Teogonia:
"Terra primeiro pariu igual a si mesma Céu constelado, para cerca-la toda ao redor e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre.”
Polos estes ainda melhor explícitos logo na primeira frase do livro do Gênesis, no Antigo Testamento:
“No princípio criou Deus o céu e a terra.”
Uma vez que o plano divino da existência é o logos ou fonte da ordem deste mundo, a retirada do Eu, constituído por esta força ordenadora, provoca um recuo da razão na existência. A perda da transcendência ou negação desta tensão (entre aqueles dois polos) é um abandono da real natureza humana. E neste estado de alienação o homem buscará uma justificativa para sua presença no mundo. É quando ele cai na armadilha das ideologias.
E aí entra em cena o Anel. O anel precisa ser destruído para salvar a Terra Média, para salvar todos aqueles povos. O que é o anel? É um círculo perfeito, porém pequeno. O anel simboliza as ideologias, reducionistas por natureza. As ideologias tentam explicar o mundo, incluindo aí os grandes mistérios que nos transcendem, dentro do seu fechado conjunto de conhecimento. Nossa natureza humana é a abertura para as todas as possibilidades, convivendo com os mistérios. O ser humano nasce para colocar-se no mundo, para colocar sua cabeça no mundo e não reduzir o mundo para caber na sua cabeça, limitar o mundo para caber dentro do “anel”, aprisionando-o dentro de uma posição fechada e reduzida. Toda a essência, toda a trama, todo o coração do Senhor dos Anéis está na destruição do Anel. Destruir a ideologia redutora que aprisiona o homem, que o afasta da sua condição tensional entre o Céu e a Terra, que o reduz ontologicamente.
Logo no começo do livro Gandalf assim descreve Sméagol para Frodo:
"O elemento mais curioso e mais ávido de conhecimento dessa família se chamava
Sméagol. Ele se interessava por raízes e origens; mergulhava em lagos fundo, fazia escavações embaixo de árvores e plantas novas, abria túneis em colinas verdes; com o tempo deixou de olhar o topo das colinas, as folhas nas árvores e as flores se abrindo no ar: sua cabeça e olhos só se dirigiam para baixo.”
Sméagol é o homem moderno que quer tudo explicar (ávido de conhecimento), recusando aquilo que não pode ser medido e pesado, recusando os grandes mistérios, negando e afastando-se daquilo que o transcende. Com isso ele perde o contato com o plano divino (deixou de olhar o topo das colinas), perde a força tensional ordenadora do seu próprio Eu, fixando-se no limitado conhecimento daquilo que ele consegue explicar no plano material (sua cabeça e olhos só se dirigiam para baixo). O homem moderno (Sméagol) tenta reduzir o mundo (caber no “anel”) para poder explicá-lo e se perde (transforma-se em Gollum).
Esta vida tensional (entre o Céu e a Terra) é característica da miséria humana. Vivemos num mundo cheio de mistérios fundamentais e insolúveis, mas só conseguimos viver efetivamente na medida em que encontramos algumas certezas. Há aí uma contradição, um problema inerente a nossa condição humana.
A ideia de que o “anel” é a solução para o mundo (todo mundo querer possuir o Anel), é uma tentativa de resolver este problema. Mas essa tentativa não funciona porque utilizar o “anel” como solução para o mundo é criar uma via teoricamente perfeita, mas muito pequena. É fechar o sistema e não abri-lo.
O que se contrapõe ao “anel” não é o “não-anel”, mas sim a Cruz – a cruz no sentido simbólico. A cruz é uma forma geométrica que tem possibilidades para todos os lados. O anel e a cruz estão em oposição.
O “anel” é um sistema em que não há nenhuma possibilidade de sair daquela circularidade fechada e restrita. A cruz, ao contrário, aponta as possibilidades para todos os lados.
O “anel” corresponde à aceitação da explicação lógica como sendo a única possível. A cruz corresponde à possibilidade de conviver com o mistério.
O “anel” representa a atitude humana de tentar enfiar o mundo na cabeça. Você pega uma teoria qualquer para a explicação do mundo, seja qual for, e tenta explicar o resto do mundo inteiro em torno dela, nos padrões dessa teoria. O que acontece quando você destrói o “anel” é que você está livre para colocar sua cabeça no mundo.
A existência do “anel” é a impossibilidade do conhecimento humano verdadeiro porque ele é uma espécie de prisão numa ideia única. É o aprisionamento do homem numa proposição fechada, como se nós tivéssemos a possibilidade de explicar os mistérios do mundo numa fórmula qualquer. É isso que deve ser destruído, caso contrário, a Terra Média não tem futuro. A humanidade não tem futuro.
Gilbert Keith Chesterton, escritor inglês falecido em 1936, dizia que a única proposição de vida que funciona é aquela em que você tem, em relação ao mundo, uma sensação de espanto associada a uma sensação de acolhimento. Chesterton acreditava ser essa é a essência do cristianismo. A vida que vai dar certo é aquela que ao mesmo tempo em que se tem espanto com relação a tudo que está em volta, tem-se uma sensação de acolhimento nesse mundo de coisas espantosas, nesse mundo de mistérios. Toda a vez que você abdica de considerar o mistério, o mágico, o místico, ou seja, toda vez que você acha, por exemplo, que os milagres podem ser explicados pelas leis da física, você acabou de jogar fora a possibilidade de compreender o mundo.
O século XX passou todo o tempo criando teorias reducionistas nas quais você tenta enfiar o mundo na sua cabeça. O marxismo explica o amor entre os casais, explica o amor de pais e filhos, a religião, qualquer coisa. É só pegar o autor certo e você explica qualquer coisa pelo marxismo, através da luta de classes. O freudismo explicará todas as relações humanas, todas as relações econômicas, todas as relações sociais por meio de explicações ligadas à repressão dos sentimentos, ligadas ao desejo. São “anelizações” do mundo que deveriam ser jogadas na Montanha da Perdição. Não há vida saudável assim. A humanidade não funciona assim.
Tolkien faz uma mitologia que nos ajuda entender simbolicamente que não é possível seguir construindo o mundo com uma atitude positivista e preso a ideologias. Que coisa mais poderosa e atrativa alguém ter o domínio do Anel para que todos se curvem à sua autoridade. Que maravilha não seria para o ser humano dominar todas as possibilidades da vida com suas próprias mãos. Por isso que todos resistem a entregar o Anel. Até Frodo, no último minuto, resolve não jogar o Anel, depois de tudo que passou para lá chegar.
Por isso Gandalf diz que o Anel não pode existir. Não é que o Anel deve estar nas mãos do bem, ele precisa ser destruído. Vez ou outra alguém aparece sugerindo usar o Anel para o bem, mas o Anel não pode ser usado para o bem porque ele é essencialmente mau. O “anel” é uma redução ilegítima das possibilidades humanas.
Uma vez destruída a ameaça do Anel é preciso restabelecer a ordem no mundo através do casamento entre o Céu e a Terra – o casamento de Argorn e Arwen. O sentido é que a possibilidade de vida humana na terra só funciona quando você faz o casamento do Céu com a Terra. Arwen representa o céu, por ser do grupo celeste que se retira e deixa a terra para os homens. O que significa o casamento do Céu com a Terra? É o casamento do espírito com a matéria, do espírito com as coisas humanas materiais. É a garantia de que o anel não será reforjado. Esse é o sentido simbólico do casamento dos dois no final. E aqui também Tolkien resgatou símbolos clássicos como o retorno de Ulisses a Ítaca e o casamente de Ferdinando e Miranda em A Tempestade, para não nos deixar esquecer que o casamento do Céu com a Terra é o que nos torna capazes de produzir uma vida humana.
A fé cristã de Tolkien também permeia seu épico através das personagens, e isso é melhor visto em Frodo, Gandalf e Aragorn. Cada uma dessas figuras centrais incorpora diferentes aspectos da personalidade de Cristo e, juntas, trazem a dimensão espiritual da obra de Tolkien para o primeiro plano da história:
Frodo Baggins (o servo sofredor): A jornada de Frodo para destruir o Anel reflete a jornada sacrificial de Cristo. Frodo carrega o imenso fardo do Anel (que simboliza, entre outras coisas, o pecado e a corrupção), assim como Cristo suportou o peso dos pecados da humanidade. O sofrimento e a perseverança de Frodo durante a jornada para a Montanha da Perdição refletem claramente a Paixão de Cristo, e sua eventual partida para as Terras Imortais é paralela ao triunfo de Cristo sobre a morte e sua ascensão ao céu.
Gandalf (profeta e guia): A sabedoria e orientação de Gandalf assemelham-se ao papel de Cristo como professor e profeta. Sua luta com o Balrog, incluindo sua subsequente morte e ressurreição, é um substituto para a morte de Cristo, a descida ao inferno (a “Angustiante do Inferno” na teologia cristã) e o retorno dos mortos. O reaparecimento de Gandalf como Gandalf, o Branco, traz esperança e renovação à Irmandade, o que indiretamente ecoa o poder transformador da ressurreição de Cristo.
Aragorn (messias e rei): A jornada de Aragorn de Ranger ao rei de Gondor reflete a lenta revelação de Cristo como Messias e Rei. Sua capacidade de curar, especialmente com athelas (uma erva curativa da Terra Média também conhecida como kingsfoil), é paralela aos milagres de cura de Cristo. As profecias em torno de Aragorn finalmente se concretizaram quando ele foi coroado Rei de Gondor, e seu reinado relembra a segunda vinda de Cristo e o início da era messiânica.
Notas
John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), inglês nascido em Bloemfontein na África do Sul (então Orange Free State, república independente Boer).
Convertido ao catolicismo, Tolkien influenciará C. S. Lewis no mesmo sentido.
O Senhor dos Anéis é composto de três volumes: A Sociedade do Anel, As Duas Torres e O Retorno do Rei, publicados entre 1954 e 1955.
A narrativa passa-se na terceira era da ficcional Terra Média. Tolkien criou todo um mundo ficcional aproveitando elementos mitológicos nórdicos, ingleses e galeses, assim como o idioma celta do qual era especialista (era filólogo).
Popularizada no então crescente movimento de contracultura americano, a obra é adota pelos hippies para grande desgosto de Tolkien.
A queda de Gandalf nas profundezas lembra o mesmo processo iniciático de purificação de Ulisses na Odisseia, Dante na Divina Comédia e Jesus Cristo antes de subir aos céus.
Gandalf coroa Aragon – o poder espiritual coroa o poder temporal.
Intelectuais não detêm o poder e sim a autoridade moral, mas decadentes buscam o “anel” ambicionando o poder.
A mente (racionalidade) é que produz a mentira (a palavra mentira vem de mente). Intuição versus raciocínio, neste último habita o engano.
Além de figuras semelhantes a Cristo, Tolkien também tece o simbolismo mariano em seu trabalho através dos personagens de Arwen, Éowyn e Galadriel.