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Beowulf

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 3 de ago.
  • 7 min de leitura
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Let whoever can / win glory before death.” – Beowulf sobre a perenidade da fama diante a inevitabilidade da morte

It is always better to avenge dear ones than to indulge in mourning. – Beowulf reflete os valores de lealdade e justiça retributiva



Personagens Principais Beowulf – herói do poema, guerreiro e, depois, rei dos gautas Hrothgar – rei dos daneses Grendel – monstro que terroriza Heorot Mãe de Grendel e Dragão – outros dois monstros


Personagens Secundárias Scyld Sceafing – mitológico fundador da casa real dos daneses Wealththeow – esposa de Hrothgar Wiglaf – ajuda Beowulf contra o Dragão, futuro rei dos gautas


Interpretação É a história de um poderoso guerreiro que vai em busca de aventura e fama, enfrentando monstros que simbolizam a eterna luta do bem contra o mal. Todos os humanos devem morrer, este é o nosso destino. Beowulf aceita seu destino e, em guerra e sacrifício, ele encontra a recompensa na fama e glória duradouras, literariamente ascendendo a um lugar ao lado de Aquiles e Gilgamesh como paradigma do herói épico.

O poema começa e termina com as mortes e funerais de poderosos guerreiros. O funeral do rei Scyld Scefing abre o poema (os escombros de navio descoberto em 1939 no Sutton Hoo, na Inglaterra, fornece evidência da veracidade dos costumes funerários descritos em Beowulf), com seu reinado sendo transferido para o capaz e bravo Hrothgar que governou os danases do grande salão Heorot.


Como o mundo de Gilgamesh e o mundo homérico, o mundo de Beowulf está cheio de monstros. Esses seres, meio humanos e meio bestas, têm grandes poderes e são cruéis. O mundo de Beowulf é maléfico, onde o mal é uma força tangível que vem do nada e traz destruição. O reino de Hrothgar é invadido por Grendel, um monstro maligno que come 30 homens todas as noites em Heorot. Em uma digressão, o poeta explica que Grendel, como todos os monstros, é um descendente de Caim, que matou Abel.


Com o envelhecimento e crescente debilidade de Hrothgar uma escuridão melancólica se instala sobre a terra. Mas num combate corpo-a-corpo Beowulf, um jovem e notável guerreiro da tribo dos gautas, fere mortalmente Grendel. A mãe de Grendel vinga-se causando graves estragos em Heorot, mas Beowulf a persegue até o lago escuro, onde ela reside, e a mata.


Assim Beowulf alcança fama e fortuna, retorna à terra dos gautas e se torna rei. Ele governa em paz e prosperidade por muitos anos. Quando já idoso, um dragão, despertado pela pilhagem do tesouro sob sua guarda, aterroriza o reino dos gautas. Beowulf, com um único súdito fiel, Wiglaf, confronta e mata o dragão, porém sendo mortalmente ferido nesta luta.

Beowulf sabe que sua fama sobreviverá sua morte. O poema termina com o funeral de Beowulf, a celebração de sua grandeza e a ameaça de desastre para seu povo agora que o poderoso guerreiro está morto.


Em vida Beowulf nunca deixou de enfrentar o mal, sempre defendendo o que era bom e verdadeiro, e deu sua vida em defesa disso. Esses eram valores da era heroica transmitida em Beowulf. A Pedra de Sueno, datada de cerca de 750, na Escócia, comemora um poderoso guerreiro que era semelhante a Beowulf. Esses eram homens de verdade em um mundo real, onde honra, coragem e glória importavam.



Há inúmeras digressões ao longo do épico lidando com temas de perigo, morte e infortúnios mas, em sua essência, a narrativa de Beowulf é sobre três batalhas. A primeira é contra Grendel, a segunda contra a mãe de Grendel e a terceira contra o dragão. Essas batalhas são metáforas para os conflitos que todos enfrentamos na vida.


Grendel representa ameaças externas, isto é, problemas que não desaparecem a menos que sejam confrontados. Sua mãe representa os perigos de vingança e emoção sem controle. E o dragão, entre outras coisas, representa o próprio tempo, o inimigo final que vem para todos nós.Beowulf não hesita em enfrentar nenhum desses monstros. Ele não procura uma saída fácil. Em vez disso, ele sabe que é seu dever lutar e defender seu povo, mesmo que ele não seja o responsável por incorrer na ira dos monstros. A história de


Beowulf é uma lição de coragem física e moral, bem como sobre as qualidades que definem um grande líder. Também é uma ótima recordação de que, se você esperar muito para agir, os monstros que você teme enfrentar só ficarão mais fortes.



Beowulf aborda o tema de lof, uma palavra quase intraduzível, que significa elogios e estima dos compatriotas e contemporâneos. Uma declaração disso aparece no início de Beowulf: “For among all peoples it is only through those actions which merit praise that a man may prosper.” A fama, afirma o poeta, é a mais permanente de todas as coisas em um mundo impermanente.


Esta visão de um universo transitório remete também ao conceito de wyrd (destino). O deus Wyrd está por trás do mundo das aparências que decreta as vicissitudes da vida de um homem, e contra quem o poder e o conhecimento do homem nada podem. O sermão de Hrothgar sobre o orgulho – o pecado do homem de repousar na ilusão do conhecimento ou na ilusão de seus próprios poderes – toca no que os gregos denominavam como hybris, um pecado não muito diferente do orgulho cristão, mas implicando também que o homem presumiu a vontade dos deuses. O orgulho, como ocorre em Beowulf, significa a arrogância da fé em si mesmo que pertence justamente a Wyrd ou Deus. Hrothgar comenta que para o homem orgulhoso "... the world turns at his will; he does not know better." O sermão de Hrothgar nos mostra também que, por mais que um homem conquiste riqueza ou poder, ele partirá deste mundo triste e desiludido, pois quem semeia o orgulho, colhe a ruína.


Mas, então, o que sustentaria o homem diante deste entendimento pessimista de sua impotência contra um destino cego e impessoal? Esta pergunta é feita muitas vezes pelo poeta de Beowulf, e é o próprio Beowulf quem fornece a resposta. Beowulf acredita que o homem detém uma pequena parcela de livre arbítrio, e deve fazer as escolhas certas quando tem a oportunidade, pois o destino tende a favorecer o corajoso – livre arbítrio colocado como coragem (o homem corajoso alcança loft, o único bem que vale a pena alcançar). A coragem de um homem seria sua capacidade de fazer as escolhas certas aos olhos do mundo.



Apesar dos elementos cristãos que irrompem ao longo da narrativa, Beowulf é um herói orgulhoso, conflitando com os heróis poderosos, mas humildes, da cultura ocidental. Apenas com a imigração dos cristãos às Ilhas Britânicas na Idade Média é que os heróis da literatura inglesa começaram a se formar nas almas humildes. A humildade é uma virtude cristã porque se acredita que Deus também participe do sucesso do indivíduo. Personagens como Beowulf se gabavam de seus trabalhos e sempre estavam com fome por mais glórias; tempos depois heróis como o Cavaleiro da Cruz Vermelha do poema épico alegórico A Rainha das Fadas (1590) escrito por Edmund Spenser, seriam mais motivados pela modéstia e pelo senso de honra cristão.


Na fé cristã, os sucessos do indivíduo vêm da graça de Deus tanto quanto como resultado de suas ações – humildade é reconhecer a ajuda de Deus em nossos sucessos. Deus é sempre uma parte central do relacionamento do cristão com o mundo e a vida. Uma vez que os missionários cristãos se mudaram para as Ilhas Britânicas, eles começaram lentamente a misturar suas crenças com aqueles que habitavam a terra. Como a cultura guerreira predominava junto aos povos germânicos, os cristãos começaram a descrever Jesus como um grande guerreiro que conquistou a morte – a Descida de Cristo aos Infernos descrevia Jesus como um grande guerreiro que desceu no Inferno, venceu o inimigo e saiu com os justos para ascender ao céu.


Histórias como Beowulf e A Rainha das Fadas ajudam a mostrar como o mundo era visto em seus respectivos tempos. As crenças pagãs que se fundem com as cristãs são vistas em Beowulf, enquanto a A Rainha das Fadas reflete como a Grã-Bretanha evoluiu como reino cristão, onde o agradecimento a Deus é priorizado. Estudar personagens como Beowulf e o Cavaleiro da Cruz Vermelha nos ajudam a entender como a cultura muda ao longo do tempo, a compreender como os povos eram, como são agora e como poderão ser no futuro.





Notas


  • Escrito em anglo-saxão (Old English) por volta do ano 800, o poema épico Beowulf é a primeira grande obra da literatura inglesa. Tem sua origem nas composições dos menestréis que entretinham os reis e suas cortes.

  • Criado por uma sociedade guerreira (vikings), Beowulf resume os valores heroicos do mundo anglo-saxão – uma época em que os principais valores eram bravura, coragem e honra.

  • A era dos vikings estende-se do final do século III até o século XI. No século VII, as principais tribos do norte da Alemanha e da Escandinávia – anglos, saxões e jutos – conquistaram a Roma Bretã empurrando seus antigos habitantes para o oeste, formando os galeses (welsh, designação saxã para “estrangeiro”).

  • A Bretanha tornava-se Inglaterra (England, terra dos anglos), e a língua imposta pelos anglos e saxões com o tempo derivou no idioma inglês (Modern English forma-se por volta de 1485). A Inglaterra foi dividida em reinos guerreiros, incluindo Nortúmbria e Mércia, que gradualmente adotaram o cristianismo, suavizando o código de guerra anglo-saxão.

  • O rei dos anglo-saxões era escolhido, principalmente, por suas habilidades bélicas – o primeiro entre iguais. Homens que juravam lutar ao seu lado cairiam em desgraça se o abandonassem no campo de batalha ou deixassem seu corpo cair em mãos inimigas, sendo grande honra morrer com uma espada em mão – essa era maneira de um guerreiro morrer.

  • O poema baseia-se em acontecimentos históricos: Beowulf, guerreiro da corte de Higelac, participou de um ataque na costa do norte da Alemanha em 521, sendo atacados pelos francos quando regressavam com seu saque. Higelac foi morto em batalha, e Beowulf regressou em segurança carregando sua insígnia.

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