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Luchino Visconti (1906–1976)

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura
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"When I'm directing an opera, I dream about a film, when I'm working on a film, I dream about an opera, and when I'm doing a play, I'm dreaming about music. Working in another field is a change, a rest. You must always work with pleasure. The work is bad if you do not do it with pleasure." – Luchino Visconti


Seguramente o mais superestimados direto italiano, Visconti realizou apenas 16 longas para o cinema, a maioria trivial e de cunho panfletário. Aristocrata, homossexual e marxista, Visconti foi uma incongruência ambulante que chegou a enviar dinheiro ao Brasil para Marighela assassinar inocentes.


Mas foi esta militância que lhe garantiu a simpatia da intelligentzia, gerando críticas tão favoráveis quanto imerecidas. Suas qualidades técnicas restringiam-se ao refinamento visual, e uso expressivo do espaço e da música – qualidades que ele demonstrou em apenas alguns de seus filmes.


Realizou seu melhor trabalho apenas quando se afastou da ideologia, i.e. Il gattopardo onde até a contradizia. De resto são melodramas pretensiosos e limitados a temática da decadência.


Seguem comentários sobre seus filmes mais famosos:


Ossessione (1943): Gino, um vagabundo, começa um caso com a dona da pousada Giovanna, e ambos planejam se livrar do marido mais velho dela. Sem pagar pelos direitos autorais, Visconti fez uma adaptação do romance The Postman Always Rings Twice (1934) de James M. Caine – a imoral desconsideração marxista pela propriedade alheia já se manifestava na confusa mente do diretor logo em sua primeira direção cinematográfica. Pode-se considerar que o filme inaugura o politicamente motivado neorrealismo italiano. Visconti quer, em vão, nos fazer acreditar que a conduta imoral do casal protagonista seja causada por injustiças materiais. A “realidade” alcançada foi de representar cinematograficamente as facetas mais deprimentes da alma humana com um olhar benevolente – o crime seria algo inevitável, fruto de um hipotético desespero existencial. Tamanha aberração levou a alguns padres a corretamente exorcizarem cinemas que exibiam o filme.


La terra trema (1948): Na Sicília dos pós-guerra uma família de pescadores arrisca tudo para comprar o seu próprio barco e operar independente dos atacadistas. Adaptação do romance I Malavoglia (1881) de Giovanni Verga. Inspirado por Antonio Gramsci (foco no âmbito rural ao invés do industrial) e encomendado pelo Partido Comunista Italiano, o resultado é panfletário, repleto de clichês políticos e apelos emocionais forçados – em vez de um drama vemos um falso quadro sociológico que tenta parece um documentário. Um filme taciturno e previsível como quase a maioria das produções do neorrealismo italiano – agitprop disfarçado de realismo. No Brasil, Glauber Rocha recebeu instruções do PCB para realizar Barravento (1962), adaptando o panfleto de Visconti para o litoral baiano.


Senso (1954): Condessa italiana é aliada dos nacionalistas durante a guerra de unificação ítalo-austríaca (Risorgimento). No entanto, ela trair a causa quando se apaixona por um tenente austríaco. Com Senso, Visconti alcançou a maturidade de estilo que caracterizaria seu trabalho subsequente. Com movimentos de câmera abrangentes – como o plano de abertura, que se move do palco de uma casa de ópera através do público, abrangendo cada nível de assentos até onde o protesto contra os austríacos eclode – e com uma representação melodramática do fato histórico, Visconti começa a misturar realismo cinematográfico com elegância composicional e romantismo luxuoso. Senso é exuberante, melodramático e lindamente fotografado, capturando a rica atmosfera veneziana. Incapaz de resistir ao seu apetite sexual, a personagem da condessa é abjeta, sendo alegoria da traição das elites aos ideais do Risorgimento na interpretação gramsciana dos fatos – Visconti seguia submisso ao PCI.


Rocco e i suoi fratelli (1960): Recém-migrados em Milano, Rocco (interpretado por Alain Delon) e seus quatro irmãos procuram ganhar a vida quando uma prostituta se coloca entre Rocco e seu irmão Simone. Partindo da coletânea de contos Il Ponte della Ghisolfa (1958) de Giovanni Testori, Visconti imagina o que teria acontecido com a família de pescadores de La Terra Trema caso tivesse migrado para o industrializado norte da Itália. O filme é memorável em grande parte por causa da performance impressionante de Annie Girardot como uma prostituta; seu papel sugere o da grande heroína de Dostoiévski em O Idiota, enquanto sua cena final remete a Woyzeck. As cenas do assassinato da prostituta, intercaladas com cenas da luta de box, também merecem algum destaque. Visconti começava a deixar de destilar marxismo bundalelê em sua obra, com Rocco e i suoi fratelli trazendo uma história ainda centrada em homens comuns, mas agora explorando as relações interpessoais em vez da dita luta de classes, tanto que é a paixão sexual de Simone que destrói a família, e não os supostos horrores da existência urbana provocada pelo capitalismo. Mas para satisfazer a intelligentzia, o diretor inseriu ao final o forçado discurso de Ciro para o irmão menor, Luca, recitando o ideal unificador de Antonio Gramsci. Mesmo assim, reduzindo a panfletagem ao mínimo, Visconti fazia seu melhor filme até então, alcançando seu primeiro sucesso de público.


Il gattopardo (1963): Ambientado na Sicília durante a unificação da Itália no século XIX, vemos a substituição da aristocracia católica tradicional pela nova burguesia. Visconti traduz o romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa de 1958 – uma das maiores obras da literatura italiana – em poesia visual. O romance é inspirado na vida real do bisavô do autor, príncipe de Lampedusa. O príncipe Don Fabrizio (interpretado por Burt Lancaster) vê que as mudanças políticas são inexoráveis e tenta ajustar-se a nova situação: “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude” diz o oportunista Tancredi (sobrinho de Fabrizio). Ao princípio da narrativa Don Fabrizio comporta-se indignamente (tem uma amante e demonstra pouco respeito à religião), mas ao longo do filme percebe não apenas a decadência de sua classe, mas principalmente os horrores da modernidade. E ao final, vislumbrando sua mortalidade, ajoelha-se diante do padre que passa diante de si, olha para o céu e busca a fiel estrela (Vênus) – reencontra Deus e revaloriza sua herança familiar. A frase lapidar da narrativa proferida por Don Fabrizio é “Noi fummo i Gattopardi, i Leoni; quelli che ci sostituiranno saranno gli sciacalletti, le iene; e tutti quanti, gattopardi, sciacalli e pecore, continueremo a crederci il sale della terra.” – o ciclo civilizacional é de decadência, e a imutável e falha natureza humana assegura que sempre será assim no devir. Mas Don Fabrizio entende que algo nos transcende, e é perene e superior. Se há uma década Visconti enxovalhava a aristocracia em Senso, agora ele demonstra carinho pelas tradições que ele ajudou a destruir. E assim realizou seu melhor filme.


Vaghe stelle dell’Orsa (1965): Sandra (interpretada por Claudia Cardinale) retorna à aldeia de sua infância para cuidar dos negócios da família, mas suas memórias e segredos de infância logo afloram. Visconti remove a crítica à família do plano social e tenta migrar para o psicanalítico. O resultado é tão pretensioso quando insípido. Misturando mambo jambo freudiano e Electra de Sófocles, Visconti insinua incesto entre Sandra e seu irmão, mas ao final revela que o amor de Sandra pelo irmão seguem sua solidariedade racial com seu pai e sua raça, ao passo que o amor do irmão seria fundamentado em um desejo por sua mãe, transferido para Sandra. Seria melhor trabalhado se a ausência do pai representasse a ausência do Espírito, mas seria pedir de mais do diretor de La terra trema. Inexplicavemente o filme ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza.


La caduta degli dei (1969): O dramático colapso de uma rica família industrial durante o reinado do Terceiro Reich. Viscoti realiza está patética paródia de Macbeth na tentativa de de associar burguesia e capitalismo com o nazismo, como se uma classe social e um sistema econômico definissem a política. É bem provável que ele não soubesse que a mesma classe e os mesmos capitalistas financiaram os bolchevistas, afinal conhecimento e sabedoria não combinam com marxismo. O filme exagera em tudo, as personagens carecem de credibilidade, o mau gosto impera, tudo feito para chocar segundo o próprio Visconti. Um desastre que até a vanguardista audiência de Cannes vaiou.


Morte a Venezia (1974): Enquanto se recuperava em Veneza, o doente compositor Gustav von Aschenbach fica obcecado pelo adolescente Tadzio. Adaptação da novela homônima de Thomas Mann. Mas Visconti trocou o escritor de Mann por um compositor, e optou por abandonar as sutilezas do romance, apresentando-nos uma história direta de desejo homossexual, perdendo toda a grandeza da novela. A única qualidade do filme reside na fotografia e restituição da primeira metade do século XX em Veneza.



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