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Raoul Walsh (1887-1980)

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 21 de set.
  • 5 min de leitura
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Make ’em laugh, make ’em cry, and get the hell out."

– Raoul Walsh



A extraordinária carreira de Raoul Walsh abrangeu a história da indústria cinematográfica americana desde seu surgimento (foi discípulo do mestre D.W. Griffith), passando pelos seus anos de glória nas décadas de 1930 e 1940 (década mais fecunda de Walsh), até a era da televisão – uma carreira de meio século dirigindo mais de uma centena de longas-metragens.


Um grande contador de histórias, Walsh realizou muitos filmes despretensiosos, ritmados e bem produzidos, imersos na tarefa de entreter a audiência. Seu forte era o filme de ação, impulsionado por uma energia escaldante e uma decência rude, na qual heróis intensos definiam seu próprio código moral em um universo indiferente a eles, servindo como veículo ideal para estrelas como James Cagney, Humphrey Bogart e Errol Flynn.


Ele tinha a habilidade de combinar movimentos arrebatadores com uma forte dose emocional. Não era um teórico ou estilista, mas deu a Hollywood algumas de suas imagens mais duradouras de ação, lealdade e tragédia. Seus filmes ainda encantam por serem naturais e falarem direto ao coração – praticamente ninguém mais faz filmes assim.


Seguem comentários sobre alguns dos melhores filmes legados pelo diretor:


The Thief of Bagdad (1924): Um ladrão recalcitrante (interpretado por Douglas Fairbanks) disputa com um perigoso governante mongol a mão de uma linda princesa. O roteiro é um pastiche de várias histórias de As Mil e Uma Noites, com a salutar mensagem “happiness must be earned”. A personagem principal passa do egotismo a devoção quando tocado pela pureza da princesa – a mesma matriz de transfonações espirituais em muitas outras histórias e mitos. Os cenários espetaculares são obra do pioneiro William Cameron Menzies. Oportunidade de ver Douglas Fairbanks ainda em forma aos 41 anos de idade, ele também escreveu e produziu o filme. Fairbanks foi uma das maiores estrelas do cinema mudo, conhecido também pelos epítetos The King of Hollywood e Everybody's Hero.


The Roaring Twenties (1939): Três homens veteranos da Primeira Guerra Mundial tentam ganhar a vida na América proibicionista. Tendo como pano de fundo as dificuldades dos recém-regressados da guerra, as consequências negativas da Lei Seca, e a Grande Depressão, a narrativa aborda a queda espiritual de Eddie (interpretado por James Cagney) provocada pela ganância – combinando drama pessoal com grandes eventos históricos. Walsh balanceia cenas de documentários e manchetes de jornal com uma cinematografia saturnina, dando ao filme um panorama histórico enquanto ressalta o dramático destino de Eddie: uma saga romântica em uma década eletrizante.


High Sierra (1941): Depois de ser libertado da prisão, o notório ladrão Roy Earle (interpretado por Humphrey Bogart) é contratado por seu antigo chefe para comandar um grupo de criminosos inexperientes no assalto a um resort na Califórnia. Walsh inverte a caracterização de gangsters dos anos 1930 definidos por sua força, violência agressiva, autoconfiança, e habilidade de superar obstáculos, apresentando o protagonista envelhecido e vivendo no passado (um anacronismo nos novos tempos), e cuja única resposta para um mundo em transformação é o sonho de voltar a inocência rural de sua infância. Se o destino do gangster dos anos 1930 era uma punição por seu comportamento criminoso, a morte de Roy Earle é uma libertação de suas ansiedades ("I'll crash out..."). Destaque para a atriz Ida Lupino em uma de suas melhores performances.


They Died with Their Boots On (1941): Relato ficcional da vida de George Armstrong Custer (interpretado por Errol Flynn) desde sua chegada a West Point em 1857 até sua morte na batalha de Little Big Horn em 1876. Walsh eleva Custer ao patamar de Aquiles na Ilíada em sua busca pela glória eterna – o sacrifício último do qual nem os deuses imortais eram capazes, i.e. dar a vida pelo que é justo. Uma exagerada mistificação mais que bem-vinda num país na eminência de ingressar na Primeira Guerra Mundial. Com este western se vê como o diretor podia verter seu vigor visual em qualquer gênero, fazendo uso de extensas tomadas externas evocando o Oeste místico, com encenação simétrica em sequências militares sublinhando ordem e destino, e com os close-ups de Flynn que enfatizam a imagem de mártir. Oitava e última vez que Errol Flynn e Olivia de Havilland contracenaram juntos – a química entre eles proporciona o equilíbrio necessário com o tom marcial do filme.


Gentleman Jim (1942): À medida que o boxe entrava na era moderna, o impetuoso e extrovertido Jim Corbett (interpretado por Errol Flynn) usa novas regras (adoção das regras do Marquess of Queensberry) e um trabalho de pés inovador para chegar ao topo do mundo do boxe. O filme é uma homenagem estilizada a James J. Corbett (1866-1933), campeão mundial dos pesos-pesados entre 1892 e 1897. Ritmado e divertido, o filme guarda o melhor para o final: a cena onde John L. Sullivan (interpretado por Ward Bond) entrega o cinturão para Corbett é nada menos que sublime.


Objective, Burma! (1945): Pelotão de operações especiais tem a tarefa de saltar de paraquedas na remota selva birmanesa e destruir uma estação estratégica de radar japonesa, mas sair de lá não será tão fácil. Um dos melhores filmes de guerra americanos lançados durante a Segunda Guerra Mundial. Errol Flynn protagoniza o filme e está no seu melhor. Flynn tentou de todas as formas alistar-se para combater na Europa, mas foi impedido devido sua frágil saúde – para compensar ele buscou contribuir realizando filmes de guerra enaltecendo o esforço de seus concidadãos na frente de batalha. O filme faz um excelente trabalho em enquadrar o inimigo imperial japonês (They're degenerate immoral idiots! Stinkin' little savages! Wipe 'em out, I say! Wipe 'em out! Wipe 'em off the face of the Earth! Wipe 'em off the face of the earth!) e elevar a moral de um país então já exausto com os esforços daquela guerra.


Pursued (1947): Menino assombrado por pesadelos sobre a noite em que toda a sua família foi assassinada é criado por uma família vizinha na década de 1880. Ele se apaixona por sua irmã adotiva, mas seu irmão adotivo e seu tio misterioso o querem morto. Walsh expande a atmosfera noir para o gênero western, entrelaçando as amplas paisagens e a violência do velho oeste com as sombras, flashbacks e fatalismo do noir. Ele também demonstra alguma influência de Orson Welles com ângulos de câmera opressores e close-ups exagerados. Observar como Monument Valley é usado como cenário psíquico para personagens que ofenderam os deuses, dando ao filme um ar de tragédia grega. Destaque para a cinematografia de James Wong Howe compondo o visual noir num western.


Colorado Territory (1949): O bandido Wes McQueen escapa da prisão para realizar um assalto a uma ferrovia, mas, ao conhecer a bela colonizadora Julie Ann, ele se pergunta se seguirá em frente. Refilmagem em versão western de High Sierra, novamente transportando o fatalismo noir para o velho oeste. Com Colorado Territory Walsh demonstrava que não é necessário apelar para a histeria e extravagâncias sexuais para realizar um western mais psicológico e dramático – velada crítica a Duel in the Sun (1946) de David O. Selznick. Interessante ver como a paisagem muda de pastoral e agradável para pedregosa e austera à medida que Wes aproxima-se do seu destino fatal – penhascos e mesetas elevando-se sobre as figuras humanas e contrastando com a coragem lacônica e a autossuficiência do protagonista.


White Heat (1949): Criminoso psicopata com complexo materno foge da prisão e lidera sua antiga gangue em um assalto à folha de pagamento de uma fábrica de produtos químicos. Protagonizado por James Cagney em um de seus melhores desempenhos, a personagem principal não tem um pingo de consciência ou decência em seu caráter, apenas pura psicose. Impactante mescla de filme de gangsters dos anos 30 e filme noir dos anos 40, com o excelso código Hays eliminando os excessos imorais daqueles primeiros anos, e adicionando uma psicopatia noir. Um clássico.

©2019 by Cultura Animi

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