“ The Castro regime is a thorn in the flesh; but it is not a dagger in the heart.” – Senador J. William Fulbright enganando o povo americano em 30/03/1961
O autor, filho de pai hondurenho e mãe cubana, nasceu e foi educado nos EUA. Formou-se advogado em Cornell e serviu o exército americano na I GG. Posteriormente foi para Cuba onde obteve novo diploma de advogado, agora cubano, e, por quase quatro décadas, foi sócio do mais importante escritório de advocacia em Havana representando empresas americanas, o governo americano, e uma significante carteira de clientes locais. Em sua posição, ele interagiu pessoalmente com atores-chave do drama que narra, incluindo Batista, ‘Che’ Guevera e diplomatas americanos em Cuba. Desta posição, e apoiado em farta documentação e testemunhos, Lazo apresenta um dos mais importantes depoimentos sobre o drama cubano.
O prefácio do livro traz uma breve história de Cuba, contrastando a cultura da América Latina com a dos EUA. Enquanto a colonização americana foi empreendida por famílias que imigravam para um novo lar, os ibéricos vieram à América em busca de enriquecimento fácil para depois retornar à metrópole – enquanto o norte-americano empreendia, o latino-americano administrava. Mas a mais relevante consequência do diferente método de colonização foi o prejuízo latino-americano no desenvolvimento do senso público e de responsabilidade comunitária, atrasando o desenvolvimento do sentido político e consciência popular para o exercício da democracia. Lazo argumenta que esta diferença nunca foi entendida pelo governo americano, levando-o a erros grosseiros em seu intento de exportar seu modelo de democracia aos países latino-americanos sem os necessários ajustes.
Lazo também apresenta curto histórico da formação da nação cubana, destacando o longo e frutífero relacionamento da ilha caribenha com os EUA que desempenharam papel crítico (destruição da frota espanhola) em auxílio dos cubanos em sua guerra de independência no final do século XIX. O primeiro passo da missão de paz espanhola foi requisitar que os EUA anexasse Cuba, o que foi rejeitado pelos americanos, e quatro anos após o cessar fogo (1898) a bandeira cubana era içada no Castillo del Morro em Havana (1902). Porém os americanos seguiram positivamente influenciando os desígnios de Cuba, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do país que em meio século emergiu da terra arrasada pela guerra de independência para uma nação com os melhores índices econômicos e sociais na América Latina (ver Quem são os sequazes de Fidel Castro? e A Falsa Mitologia Cubana sobre Educação e Saúde).
A propaganda comunista sempre apresenta a Cuba pré-Castro como uma lacaia dos interesses empresariais americanos, condenando a maioria dos cubanos à pobreza em benefício das empresas americanas. Segundo Lazo, a verdade é bem diferente. Cuba tinha um dos padrões de vida mais elevados da América Latina e a riqueza era amplamente distribuída. A maioria das empresas em Cuba pertencia e era administrada por cubanos. Também não era o caso de a grande maioria das terras pertencer a alguns proprietários ricos, pois as pequenas propriedades eram o esteio. No que diz respeito às empresas americanas, estas empregavam maioritariamente cubanos, respeitavam as leis laborais de Cuba e davam melhores condições de trabalho que a larga maioria dos empreendimentos locais (algo que qualquer brasileiro que trabalhou em multinacionais no século passado pode testemunhar também aqui). Os EUA também compravam cana-de-açúcar de Cuba a um preço acima do mercado, resultando em prosperidade para os cubanos.
Além dos mitos sobre a pobreza cubana e exploração americana, Lazo também refuta o mito político sobre o regime de Batista. Ele conhecia bem os defeitos de Batista, pois ele suspendeu a constituição cubana sempre que lhe convinha, manipulou eleições, e a corrupção prosperou sob sua guarda. A mídia americana retratava Batista como um tirano sanguinário, mas Lazo argumenta que Herbert Matthews (1900-1977), jornalista do New York Times, exagerou dramaticamente as baixas, que ascenderam a centenas (em ambos os lados) em vez de dezenas de milhares. A imprensa americana repisou o número de 20 mil mortos pelo regime Batista nos dois anos que antecederam a revolução de Castro (um número criado pelo próprio Castro), mas as estimativas reais falavam de 900 mortos de ambos os lados do conflito, bem menos do que os 4 mil fuzilados nos primeiros anos da revolução castrista. Lazo considera que Batista era mais um moderado do que um linha-dura, pois ele aboliu a pena de morte e libertou Castro da prisão.
O corpo do livro cobre Cuba durante as administrações Eisenhower e Kennedy. Isto inclui eventos como a presidência de Batista, a revolução de Castro, a Baía dos Porcos, a crise dos mísseis cubanos, a opressão política e a incompetência econômica sob o regime de Castro, e o papel de Castro no fomento da revolução em toda a América Latina. Lazo argumenta que Cuba caiu nas mãos do comunismo devido a falhas políticas americanas. Falhas estas provocadas por progressistas que infestavam o Departamento de Estado, a embaixada americana em Cuba, vários escalões do governo e a mídia americana.
Havia outros líderes, além de Batista e Castro, à espera nos bastidores para liderar Cuba. O embaixador americano em Cuba (1957-1959), Earl E. T. Smith, tentou de várias formas resolver o conflito instaurando um governo provisório com notórios cubanos até novas eleições fiscalizadas pela OEA, porém a ideia foi boicotada internamente pelos progressistas incrustados no staff do consulado e no Departamento de Estado americano.
Além de difamarem Batista hiperbolicamente exagerando seus defeitos, a mídia e progressistas americanos, idealizaram Castro. Herbert Matthews escreveu influentes artigos retratando Castro como um herói, alguém que se opunha à ditadura e à pobreza a favor da justiça para o povo cubano. Os progressistas na administração Eisenhower influenciaram o governo dos EUA a cortar a ajuda militar a Batista, enquanto fechavam os olhos aos envios de suprimentos para Castro partindo do território americano, deixando claro para os cubanos que os EUA não apoiavam mais Batista. Cuba, como resultado, caiu nas mãos do comunismo.
O serviço prestado por Matthews ao comunismo assemelha-se ao que outro jornalista do mesmo jornal, Walter Duranty (1884-1957), rendeu enquanto chefe do escritório em Moscou (1922-1936). Duranty sistematicamente ajudava os soviéticos nos esquemas de desinformação do Ocidente, como na clamorosa negação do Holodomor. (Para evitar inferências, e manter-se o mais factual possível, Lazo não fez esta comparação entre Matthews e Duranty, e tampouco faz menção à obviedade de ambos serem agentes comunistas.)
O presidente John F. Kennedy seguiu o plano da administração Eisenhower para derrubar Castro através dos cubanos anticastristas, mas Kennedy não estava empenhado no plano. Alegando temor pela repercussão internacional, Kennedy e os progressistas em seu entorno, deliberadamente sabotaram o plano inicial impedindo a cobertura aérea (provida por pilotos cubanos) às forças anticastrista na Baía dos Porcos – uma traição que resultou no massacre daqueles combatentes. Chama também atenção os sucessivos vazamentos e repercussão na mídia americana sobre os centros de formação anticastrista e supostas datas da operação, dando a Castro uma vantagem estratégica.
O fiasco da Baía dos Porcos, somado a pusilanimidade americana demonstrada diante dos seguidos ataques de Castro contra os EUA (amplo confisco de bens americanos além de seguidos ataques verbais), estimulo os soviéticos a arriscarem a instalação de mísseis em Cuba. E, durante a crise que se sucedeu, Kennedy novamente demonstrou imensa covardia. O governo americano tinha conhecimento de sua tremenda superioridade nuclear sobre a URSS, podendo resolver um eventual conflito em questão de dias. Os russos também sabiam disto, e mesmo com este trunfo nas mãos Kennedy negociou a retirada dos mísseis de Cuba dando em troca até mais do que Nikita Khrushchev sonhou. O bloqueio contra os soviéticos para evitar que enviassem mais mísseis para Cuba deveria ser complementado com o bombardeio dos que lá já estavam seguido da deposição de Castro – algo que os soviéticos teriam que engolir dada diferença de poderio militar entre ambas nações. Porém o acovardado Kennedy, influenciado pelos progressistas em seu entorno, não apenas recusou os planos de bombardeio, como fez um acordo com Khrushchev que efetivamente proibiu os EUA de tentarem derrubar Castro, e ainda retiraram os mísseis americanos da Turquia, permitindo aos soviéticos fortalecer a sua posição no hemisfério oriental (a proposta de retirada dos mísseis na Turquia apareceu primeiro na mídia americana antes de ser encampada por ambos líderes políticos! – o governo soviético sempre evitou de armar com mísseis o leste europeu sob seu jugo por temer que pudesse ser usados contra a Rússia). Assim ficava estabelecido um enclave comunista na América que serviria como propaganda (que até hoje engana os mais idiotizados) e base de treinamento / financiamento para ataques terroristas por todo o continente (para o caso do Brasil ver Contragolpe de 1964, O Brasil nos arquivos da KGB, e O Brasil nos arquivos da StB).
Assim, em três momentos os progressistas infiltrados no governo americano usaram de artifícios pérfidos para entregar Cuba ao comunismo: (1) alijando Batista, (2) ideando Castro, e (3) entregando Cuba à URSS. O custo em vidas e atraso civilizacional para América Latina, e particularmente Cuba, causado pela traição dos progressistas americanos é incalculável.
Lazo também relata as bem conhecidas atrocidades e erros do regime de Castro, mas, em 1968, ele não tinha ideia do que ainda estava por vir. E que sua amada Cuba estaria ainda hoje (2024) sob as garras da mais longeva ditadura totalitária da era moderna.
Lazo tenta explicar o pérfido comportamento dos progressistas da seguinte maneira: (1) progressistas consideram que seu principal inimigo é a Direita, nunca a Esquerda, (2) quando em conflito progressistas sempre favorecem a negociação, e até a concessão pusilânime, antes do emprego da força, e (3) progressistas favorecem o modelo americano democrático mesmo em locais onde este não seria viável, exceto se for alguma forma de esquerdismo totalitário. Progressistas teriam uma paixão por reformas e inovações sociais que idealizam, favorecendo revoluções se aquelas encontram dificuldades em se instalarem na sociedade.
O autor busca não fazer suposições e calcar sua narrativa em fatos, documentos e testemunhos, por isso não faz ilações quanto aos possíveis outros motivos que levaram aquelas pessoas a tantos “erros” de julgamento. Mas, considerando mesmo o pouco que se pôde ver nos arquivos de Moscou, não é difícil concluir que entre eles haviam comunistas que intencionalmente mentiram e ajudaram a URSS, espiões infiltrados, e pessoas chantageadas ou compradas (táticas usuais da KGB).
Em 1969, um ano após Dagger in the Heart, Paul D. Bethel publica The Losers repassando muitos dos eventos também cobertos por Lazo. Bethel era o assessor de imprensa da embaixada americana em Havana até o rompimento de relações diplomáticas em 1961, tendo como Lazo testemunhado in loco aqueles conturbados anos.
A exposição dos fatos e conclusões de Bethel coincide com as de Lazo, sendo que Bethel denomina como os losers usado no título os mesmos progressistas e políticos americanos denunciados por Lazo.
Bethel dedica a maior parte do seu livro para expor a infiltração soviética (via Cuba) na América Latina através de espionagem, treinamento e financiamento de grupos terroristas, desinformação e fomento de conflitos sociais. Relatos que seria décadas depois referendados com a parcial abertura dos arquivos da KGB e StB .
Antes de Lazo e Bethel, em 1962. o ex-embaixador americano em Cuba, Earl E. T. Smith, também narrou em seu livro The Fourth Floor os mesmos passos da traição dos progressistas americanos reportados em Dagger in the Hear e The Losers.
Os três autores convergem para as mesmas exposições de fatos e conclusões. Mas o que mais chama a atenção é a mentalidade progressista (esquerdista) de absoluta despreocupação com os seus semelhantes. Em prol de sua ideologia esquecem as pessoas de carne e osso, haja visto que poucos se arrependem e reconhecem o erro americano em Cuba, nunca assumindo a responsabilidade pelas consequentes mortes e atraso civilizacional latino-americano – dizem amar a humanidade mas desprezam os indivíduos. Os losers compreendem um misto dos utopista e messiânicos tão bem retratados por Dostoiévski em Os Demônios.
Notas
Mario Lazo (1895-1976) nasceu em District of Columbia, EUA.
Dagger in the Heart foi publicado em 1968.
Uma das diferenças apontadas entre a América Latina e os EUA é a falta de miscigenação racial neste último comparado aos países de colonização ibérica, o que explicaria os conflitos raciais americanos inexistentes ao sul do continente. Lazo, dá o exemplo do Brasil: “Brazil, for instance, is thought by many to be the best adjusted society in the world; it has never had a race riot.” Isto era verdade na década de 1960, e o foi até a esquerda brasileira importar da New Left o conflito racial como instrumento revolucionário e fomentar o ódio no seio social.
Nos anos 1915 e 1916 Lazo e seus colegas em Cornell debatiam a necessidade de trancarem seus cursos e alistarem-se para combater na I GG, e muitos o assim fizeram. Gritante contraste com o comportamento dos atuais universitários americanos.
Os cassinos, do tipo retratado em O Poderoso Chefão II, eram muito frequentados por americanos e limitavam-se às grandes cidades, o que significa que não estavam no radar de muitos cubanos. A propalada deterioração dos costumes que os americanos impingiriam aos cubanos não passa de outro mito – a real deterioração moral viria anos depois com o pandêmico turismo sexual registrado dos anos 1990 em diante.
Incapaz de saber o que se passava na cabeça de Castro, Lazo apresenta argumentos a favor e contra a questão de se ele já era comunista antes da revolução. Mas os fatos apresentados não deixam dúvida que desde cedo Castro abraçava a ideia de poder absoluto que só o comunismo concede ao governante.
Lazo buscou ajuda de Eleanor Roosevelt para evitar o conflito cubano, mas ouviu da ex-primeira dama que ela apoiava o golpe castrista – Eleonor era tão esquerdista quando seu ex-marido Franklin D. Roosevelt (1882-1945).
Entre os mais renomados progressistas que traíram Cuba e a América Latina estariam o jornalista Hebert Matthews, o assessor Arthur M. Schlesinger Jr., o secretário de defesa Robert McNamara, o presidente John F. Kennedy e seu irmão Robert F. Kennedy.
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