O Estado Dual de Ernst Fraenkel
- Cultura Animi

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“O Estado nazista é um Estado dual: um Estado normativo e um Estado de prerrogativas.” – Ernst Fraenkel
O livro é uma análise profundas sobre o funcionamento jurídico e político do regime nazista – e, mais amplamente, sobre o modo como ditaduras modernas combinam legalidade formal com arbitrariedade política.
Fraenkel mostra que o regime nazista não aboliu totalmente o direito, mas o dividiu em dois sistemas coexistentes:
Estado Normativo (Normenstaat) onde ainda vigora o direito formal, com tribunais, leis e procedimentos administrativos. Ele regula a vida cotidiana e a economia, garantindo uma aparência de normalidade e estabilidade jurídica.
Estado de Prerrogativa (Prärogativstaat): onde o regime atua fora ou acima da lei, segundo a vontade do Führer, da polícia política ou do Partido Nazista. Aqui predominam a violência, a arbitrariedade e as medidas “de exceção”.
Os dois “estados” coexistem — o regime mantém as aparências legais para controlar a sociedade, mas reserva para si o poder de agir sem limites sempre que considera necessário.
Estado Normativo serve a três funções essenciais: (a) manter a economia funcionando já que contratos, propriedade privada e burocracia precisam de, ao menos, alguma previsibilidade jurídica; (b) dar aparência de legalidade criando a ilusão de continuidade institucional, acalmando a população; e (c) servir de instrumento de dominação com a legalidade sendo usada seletivamente – válida para alguns, negada a outros (como judeus e opositores políticos).
Já o Estado de Prerrogativa é o espaço da decisão soberana, onde o poder político é absoluto: a vontade do líder substitui a lei – o Führerprinzip (princípio do chefe) é o fundamento da autoridade. As ações policiais, as prisões arbitrárias e os campos de concentração exemplificam esse domínio. Com o tempo esse estado de exceção torna-se permanente e institucionalizado.
O Estado de Prerrogativa intervém sempre que o Estado Normativo ameaça limitar o regime, sendo as fronteiras entre ambos são fluídas – o regime decide, caso a caso, quando aplicar a lei e quando suspendê-la. Mecanismo que garantiria simultaneamente a eficiência administrativa e controle totalitário.
Assim, o autor desafia a ideia de que ditaduras simplesmente “acabam com o direito”. pois de fato elas o usam seletivamente como instrumento político. O Estado Dual revela o lado estrutural da ditadura: não é apenas um regime de força, mas um sistema jurídico adaptado à arbitrariedade. Fraenkel também critica a negação nazista do direito natural, e substituição da ideia de justiça universal pela ideologia da “comunidade nacional” (Volksgemeinschaft).
O Estado Normativo é indispensável à economia, pois sem leis de propriedade e contratos, o sistema não funciona. Enquanto o Estado de Prerrogativa garante o controle político e a repressão de conflitos de classe ou oposição. O nazismo, assim, não é apenas uma ditadura política, mas também um mecanismo de coordenação entre poder político e econômico
Fraenkel fornece um modelo aplicável a regimes autoritários modernos e até a democracias em erosão: estados que mantêm constituições e tribunais, mas usam medidas excepcionais contra adversários políticos ou minorias. O neoconstitucionalismo teorizado por Ronald Dworkin (1931-2013) e Robert Alexy (1945- ) exacerbou o papel dos tribunais no desvirtuamento das constituições e implementação de medidas excepcionais voltada contra os adversários do regime, apelando constantemente a supostas “situações de emergência” para suspender direitos. São sociedades em que a lei se torna apenas uma fachada de legitimidade, enquanto o poder real age fora dela.
Fraenkel ensina que a destruição do Estado de Direito não acontece de uma vez, mas se dá quando a exceção se torna regra, e quando o poder político decide quem tem direito à lei e quem não tem. O Estado Dual mostra como o terror pode coexistir com a legalidade, e como o direito pode ser transformado em instrumento de dominação – o totalitarismo não destrói o direito, ele o perverte e instrumentaliza.
O totalitarismo usa o Direito como máscara. Quando a legalidade serve para legitimar a exceção, o Estado de Direito perde sua substância, mesmo que suas formas permaneçam intactas.
O Brasil em meados dos anos 2020 apresenta todos os indicativos de um estado dual nos moldes do nazismo, com o agravante de ter o STF como o principal instrumento de perseguição política e agressões ao estado de direito, estando, neste sentido, mais avançado que o partido nazista no final dos anos 1930 – a aliança PT/STF adota os mesmos instrumentos totalitários do Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães).
Notas
Ernst Fraenkel (1898-1975) nasceu em Colônia, Alemanha.
Importante jurista, cientista político e teórico do direito alemão. Estudou direito e trabalhou como advogado trabalhista em Berlim. Nos anos 1920, foi militante social-democrata e atuou na defesa de sindicalistas e opositores do nazismo. Em 1938, após perseguições políticas e raciais, emigrou para os Estados Unidos, onde publicou sua obra mais famosa.
O Estado Dual foi publicado em 1941 e se tornou uma das análises mais influentes sobre a estrutura jurídica do nazismo.
Fraenkel oferece uma crítica prática a Carl Schmitt (1888-1985) demonstrando que o estado de exceção não é apenas uma teoria da soberania, mas sim uma técnica de dominação.
Em Origens do Totalitarismo (1951), Hannah Arendt (1906-1975) também observa que o nazismo não aboliu o Estado, mas o transformou em instrumento de terror racionalizado. Ela amplia a análise para o campo social e moral: enquanto Fraenkel foca no Direito, Arendt enfatiza a perda da individualidade e da responsabilidade dentro do sistema, onde a lei é substituída pelo terror e pela ideologia.
Giorgio Agamben (1942-) em Homo Sacer (1995) e Estado de Exceção (2003), retoma Fraenkel, constatando que o estado de exceção se torna permanente e institucionalizado. A normalização da exceção, i.e. governos democráticos que mantêm leis de emergência contínuas com o estado dual tornando-se a estrutura política do Ocidente moderno.


