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Direito Natural para John Locke

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    Cultura Animi
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Não foi Zeus quem as proclamou,nem a Justiça que habita com os deuses abaixo da terrafixou tais leis para os homens.E eu não pensei que tuas ordens tivessem tanta forçaque um mortal pudesse violar as leis não escritas e imutáveis dos deuses.Elas não são de hoje nem de ontem,mas existem desde sempre,e ninguém sabe quando surgiram.” Sófocles, Antígona


O direito natural é aquele que foi estabelecido não pela opinião dos homens, mas pela própria natureza.” – Cícero em De Legibus cunha o termo ius naturale


A lei da natureza ensina a todos os homens que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve prejudicar outro em sua vida, saúde, liberdade ou posses. – John Locke, Second Treatise of Government



Desde que Antígona, respondendo a Creotes, sobrepôs themis (lei divina, natural) sobre nomos (lei humana, positiva) vários filósofos retomaram o tema da superioridade do direito natural. John Locke segue esta tradição e define os direitos naturais principalmente em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil (Second Treatise of Government), publicada em 1689.


Especialmente nos capítulos II (Do estado de natureza), V (Da propriedade) e IX (Dos fins da sociedade política e do governo) — Locke formula a ideia de que todos os seres humanos possuem, por natureza, direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à propriedade.


Ele argumenta que no estado de natureza, os homens são livres e iguais, regidos apenas pela lei natural, que lhes confere esses direitos, sendo legítimo o governo formado com o intuito de proteger tais direitos. Para Locke o povo tem o direito de resistência e até de revolução caso o governo viole esses direitos – a legitimidade do poder político depende da preservação dos direitos naturais à vida, liberdade e propriedade.


Locke justifica ao direito à vida a partir de sua concepção de que só Deus, como o autor da vida humana, tem o direito de destruí-la arbitrariamente – a vida é sagrada e não pertence ao indivíduo, mas a Deus. No estado de natureza, onde não há governo, vigora a lei da razão, que é a lei natural. Lei que impõe a obrigação moral de preservar a própria vida e, tanto quanto possível, a vida dos outros. Os homens criam a sociedade política para proteger melhor seus direitos naturais, especialmente a vida.


Quanto ao direito à liberdade, Locke lembra que no estado de natureza, os homens nascem livres e iguais, sem subordinação a outro homem, sendo, portanto, a liberdade, um direito natural, anterior a qualquer governo ou lei positiva. Mas não se deve confundir liberdade com licenciosidade – ser livre não significa fazer qualquer coisa, mas agir conforme a razão e a lei natural, i.e liberdade é autonomia racional, não ausência de regras. O objetivo do governo é proteger a liberdade, pois as pessoas entram em sociedade para proteger melhor sua liberdade natural. No estado de natureza, esse direito é inseguro (porque cada um é juiz em causa própria). Assim, a sociedade cria um governo para melhor garantir sua liberdade.


Finalmente, o direito à propriedade parte do fato de que “Deus deu o mundo aos homens em comum”, i.e a natureza é originalmente comum a todos – ninguém nasce dono de nada. Mas o trabalho próprio transforma algo que era comum em propriedade individual – através da ação do trabalho sobre um recurso natural o indivíduo incorpora parte de si ao bem, adquirindo o direito de propriedade sobre ele.


O direito a propriedade tem duas restrições morais: (a) nada deve ser desperdiçado – o homem só pode se apropriar do que consegue usar antes que pereça, e (b) deve restar o suficiente e de igual qualidade para os outros – “a apropriação de qualquer parte comum não deve prejudicar os outros, deixando-lhes o suficiente e de igual qualidade”. Garantindo assim que a propriedade não viole a lei natural da igualdade e da razão.


Com o surgimento do dinheiro (por consentimento da sociedade), as pessoas passam a poder acumular mais sem violar a lei natural, pois o dinheiro não é perecível. A desigualdade econômica é fruto do trabalho individual, estando dentro da ordem legítima.


Os direitos naturais são princípios fundamentais de proteção ao homem, que, forçosamente, deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordenamento jurídico substancialmente justo. Não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado; é um direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação da experiência e razão. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável.



A negação do direito natural visa dar maior poder aos governos sobre o indivíduo, justificando ataques à propriedade, à liberdade e à vida. O ateísmo das ideologias coletivistas busca outorgar aos seus líderes o poder divino sobre os demais homens, daí sua natureza ufana, violenta e assassina.





Notas


  • John Locke (1632-1904) nasceu em Wringto, Somerset, Inglaterra.

  • O Segundo Tratado sobre o Governo Civil foi publicado em 1689.

  • Na Grécia do século V a.C. sofistas como Hípias e Antífon opunham physis (natureza) e nomos (lei humana), sendo as leis naturais universais, enquanto as leis civis são relativas. Já Protágoras, outro sofista, negavam leis naturais, dizendo que “o homem é a medida de todas as coisas”.

  • Já os grandes filósofos gregos eram unânimes na defesa do direito natural: (a) Sócrates afirmava que há um bem e uma justiça válidos por natureza, não apenas por convenção; (b) Platão, (na República) dizia que o homem justo é aquele que vive de acordo com a natureza da alma racional; e (c) Aristóteles (em Ética a Nicômaco e na Política) fazia a distinção entre justiça natural (válida em todo lugar) e justiça legal (criada pelas leis humanas).

  • O estoico romano Cícero (106-43 a.C.) declarava em De Republica que “há uma verdadeira lei, a reta razão, conforme à natureza, universal, imutável e eterna.”

  • O apóstolo Paulo de Tarso (5-67) escreveu, em sua Epístola aos Romanos, 2:14-15: "Os pagãos, que não têm a lei, fazendo naturalmente as coisas que são da lei, embora não tenham a lei, a si mesmos servem de lei; eles mostram que o objeto da lei está gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente." Não pode haver dúvida de que as palavras de São Paulo implicam uma concepção análoga à "lei natural" de Cícero, uma lei escrita no coração dos homens, reconhecida pela razão do homem, um direito distinto do direito positivo de qualquer Estado, ou o que São Paulo reconhece que é a lei revelada de Deus. 

  • Santo Agostinho (354-460) via a lei natural como reflexo da lei eterna de Deus, sendo justa a lei humana que concorda com ela.

  • Tomás de Aquino (1225-1274) fez síntese entre Aristóteles e o cristianismo: “A lei natural é a participação da criatura racional na lei eterna.” (Summa Theologiae) – é uma lei moral inscrita por Deus na razão humana.


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