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Billy Wilder (1906-2002)

"An audience is never wrong. An individual member of it may be an imbecile, but a thousand imbeciles together in the dark – that is critical genius." – Billy Wilder


Antes de tudo um roteirista, o austríaco Billy Wilder tornou-se, como ele próprio admite, diretor para proteger seus roteiros daqueles que ele considerava incapazes de fazer justiça ao seu trabalho. Seu ídolo e mentor foi o diretor alemão Ernst Lubitsch – Wilder mantinha uma placa pendurada em seu escritório com a pergunta: “Como Lubitsch faria isto?”


Embora faltem trabalhos de câmera complexos e composições impressionantes, seus filmes não são de forma alguma visualmente monótonos. Vários deles contêm cenas que se alojam indelevelmente na mente: Gloria Swanson como a perturbada Norma Desmond, descendo majestosamente a escada; Jack Lemmon diminuído pelas perspectivas monstruosas de um vasto escritório em plano aberto; Ray Milland caminhando pela extensão árida da Third Avenue em busca de uma loja de penhores aberta… cineastas capazes de criar imagens tão potentes – e tão cinematográficas – como estas não devem ser descartados.


Wilder operou com segurança em todos os gêneros, compilando um impressionante corpo de trabalho. Seguem comentários sobre seus filmes mais interessantes:


Five Graves to Cairo (1943): Soldado inglês é confundido com espião alemão e tenta aproveitar a oportunidade para desvendar os planos do general alemão Rommel (interpretado por Erich von Stroheim). O filme foi lançado no início de 1943, logo após a vitória britânica em El Alamein (no norte africano) e incorporou algumas imagens daquela batalha em suas cenas finais, além de fornecer uma explicação imaginativa para aquele sucesso. A trama e ritmo divertem, nas o melhor está no final com o discurso do soldado inglês, e a tomada de consciência e sacrifício de Mouche (interpretada por Anne Baxter).


Double Indemnity (1944): Vendedor de seguros de Los Angeles é seduzido por uma atraente mulher (interpretada por Barbara Stanwyck) para assassinar seu marido e fraudar a seguradora. Baseado no romance seriado homônimo de James M. Cain – do qual Wilder manteve intacto o grau de lascívia, ganância e mendacidade. Cada reviravolta é calculada com precisão e provoca a resposta almejada mediante os recursos mais simples – este thriller é um dos pontos altos do cinema dos anos 1940. Double Indemnity segue sendo o modelo de tramas semelhantes – impossível não ver sua influência, por exemplo, em Body Heat (1981).


The Lost Weekend (1945): A vida desesperada de um alcoólatra ao longo de uma bebedeira de quatro dias. O filme supera em muito o romance homônimo de Charles Jackson sobre o qual o roteiro se baseia. O alcoólatra revela a origem da entrega ao seu vício: a falta de aceitação de sua realidade (acreditava-se um ser “especial” e revolta-se com a realidade) e autopiedade. Este vitimismo é a principal patologia comportamental do nosso tempo. Foi a primeira vez que Hollywood abordou o drama do alcoolismo. Outros filmes sobre o tema vieram depois, como Smash Up (1947), I’ll Cry Tomorrow (1955), and Days of Wine and Roses (1962), mas nenhum superou a aterrorizante sensação de uma descida inelutável às profundezas apresentada em The Lost Weekend.


Sunset Blvd. (1950): Roteirista desempregado desenvolve um relacionamento perigoso com uma estrela de cinema decadente determinada a fazer um retorno triunfante. Uma visão cruel da indústria cinematográfica, pontuando o impacto da passagem do cinema mudo ao sonoro – curiosamente a estrela e seu chofer são interpretados por profissionais, Gloria Swanson e Erich von Stroheim respectivamente, cujas carreiras entraram em decadência com o advento do cinema falado (o filme que a estrela assiste é Queen Kelly (1932) protagonizado por Swanson sob a direção de von Stroheim). Grande exemplo da aristotélica efemeridade das glórias e honras (ver Ética a Nicômaco).


Ace in the Hole (1951): Jornalista decadente da cidade grande, encalhado em um pequeno jornal de Albuquerque, explora uma tragédia na tentativa de reacender sua carreira. Expõe uma das facetas perversas da mídia, mas com um final de arrependimento do protagonista que é impensável no atual degradado cenário jornalístico.


Stalag 17 (1953): Dois americanos são mortos na tentativa de fugir de um campo de prisioneiros de guerra nazista, suspeita-se de um informante entre os prisioneiros. O filme é baseado na peça de mesmo nome, extraída das experiências e reminiscências de seus autores Donald Bevan e Edmund Trzcinski, ambos prisioneiros de guerra no Stalag 17B, na Áustria, durante a Segunda Guerra Mundial. A abordagem de temas como informantes, lealdade e tirania do grupo sobre o indivíduo compensa o humor algo datado.


The Seven Year Itch (1955): Quando sua família viaja no verão, um marido fiel e com uma imaginação fértil é tentado por uma bela vizinha (interpretada por Marilyn Monroe). Monroe rouba o filme assim que aparece na tela, vestindo roupas extravagantes e ingenuamente contando as histórias mais ridículas – e tem a icônica cena do vestido voando sobre uma saída de ventilação do metrô de Manhattan.


Witness for the Prosecution (1957): Veterano advogado britânico deve defender seu cliente em um julgamento de assassinato que é uma sucessão de surpresas. Wilder introduz interessantes mudanças, melhorando a peça teatral de Agatha Christie que considerou o filme a melhor adaptação cinematográfica de suas histórias. Um dos grandes filme envolvendo julgamento.


Some Like it Hot (1959): Dois músicos testemunham um crime da máfia e precisam fugir disfarçados de mulher em uma banda musical feminina – o enredo é clássico screwball. Wilder e o trio de protagonistas (Tony Curtis, Jack Lemmon e Marilyn Monroe) conseguem expandir uma única piada em um longa-metragem com excelente resultado.


The Apartment (1960): Corretor de seguros tenta ascender em sua empresa permitindo que seus executivos usem seu apartamento para encontros amorosos. Em meio a uma visão exagerada de sexo no escritório Wilder conta a história de duas pessoas que perderam sua identidade na impessoalidade urbana e corporativa, mas que no final se redescobrem. Merecidamente Oscar de melhor filme e diretor.


One, Two, Three (1961): Em Berlim Ocidental, durante a Guerra Fria, um executivo da Coca-Cola recebe a tarefa de cuidar da amalucada filha de seu chefe. Divertida comédia explorando todo tipo de estereótipo envolvendo a guerra fria e a vida corporativa. Já valeria a pena para testemunhar a última aparição do energético James Cagney na tela. A piada sobre a troca de mísseis soviéticos por cigarros cubanos revelou-se profética. A atriz Joan Crawford fazia parte do board da PepsiCo e reclamou com Wilder sobre as relações do filme com a Coca-Cola, resultando na divertida cena final.


Wilder dirigiu mais oito filmes após One, Two,Three, mas destes apenas Fedora (1978) merece citação: produtor de Hollywood tenta tirar Fedora, uma famosa mas reclusa atriz, da aposentadoria e descobre a terrível verdade por trás de seu sucesso. Baseado na novela homônima de Tom Tryon incluída na antologia Crowned Heads. Wilder retorna ao tema de Sunset Blvd.. Há um tom nostálgico da glamorosa Era de Ouro de Hollywood com uma reverência agridoce ao antigo sistema de estrelas. E a reviravolta no enredo expõe as patologias atrás das câmeras que constituem o pesadelo da fábrica de sonhos. O roteiro é barroco, mas vale como filme de despedida de Wilder.

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