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Jacques Becker (1906-1960)

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 16 de nov.
  • 5 min de leitura
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Je crois à la possibilité d'entretenir l'amitié et à la difficulté de maintenir l'amour. Je crois à la valeur de l'effort. Et je crois par-dessus tout à Paris. Dans mon travail, je ne veux rien prouver, sinon que la vie est plus forte que tout.

– Jacques Becker


Jacques Becker foi um dos melhores diretores franceses surgidos após a ocupação, combinando o realismo de Jean Renoir (de quem foi assistente) com um talento para a comédia negra e a caricatura. Romântico e realista, comediante e dramaturgo, Becker percorreu amplamente a sociedade francesa e seus mitos para criar uma obra que ao mesmo tempo panorâmica e íntima.


Becker foi chamado de “o mecânico” do cinema, pois ele se deleitava com seu funcionamento e realizava seu trabalho com ordem e método. Ele tinha um bom gosto aguçado, respaldado por uma reflexão escrupulosa, entendendo a realização de filmes como uma série interminável de escolhas, cada uma das quais podendo afundar o projeto.


Ele se interessava pelo que o cinema podia fazer, assim como se interessava pelo que homens e mulheres fazem. Becker gastava horas de filme em incidentes menores na vida de seus personagens, enquanto corria através do cerne da intriga que reunia aquelas personagens. Nunca em busca do extraordinário, ele se esforçava ao máximo para revelar não algum ritmo abstrato na vida das pessoas, mas o verdadeiro estilo e ritmo de suas sensibilidades – ele valorizava o que chamava de “tempo morto”, os pequenos momentos da vida em que nada parece acontecer e nos quais as pessoas se revelam mais plenamente.


Seguem comentários sobre seus filmes mais relevantes:


Goupi Mains Rouges (1943): Numa pequena aldeia francesa, uma velha é morta e as poupanças da família são roubadas. Vários membros de sua família são suspeitos. Baseado no romance homônimo de Pierre Véry publicado em 1937. Eficiente comédia de humor negro, com um toque de mistério policial, representada por um elenco de primeira linha. Em seu segundo longa Becker demonstra que já dominava ritmo, enquadramento e direção de atores. A divertida galeria de personagens da família Goupi é memorável – destaque para o bisavô que passa o filme todo pedindo um copo de vinho com biscoito sem nunca ser atendido.


Falbalas (1945): Famoso costureiro parisiense, seduz a noiva de seu amigo por divertimento. Mas, pela primeira vez na vida, apaixona-se. A personalidade de um narcisista patológico é mostrada em toda a gama de situações cotidianas, e tratada com uma compreensão prática que a transforma em uma personagem triste, criativa, extremamente curiosa e complexa. Com a eficiência de um bom documentário, mas de maneira casual e despretensiosa, Becker nos familiariza com o complexo mundo da haute couture. Pena que ao final descambe para o melodrama fatalista, quebrando a unidade tonal. Destaque para o grupo de costureiras amigáveis, leais e despretensiosas cujos personagens são tão diferentes dos vestidos que elas fazem.


Antoine et Antoinette (1947): O casal de trabalhadores Antoine e Antoinette sonha com uma vida melhor. Enquanto se afasta da atenção indesejada dos homens, Antoinette compra um bilhete de loteria premiado. Mas quando Antoine perde a saída da pobreza, seus sonhos parecem que nunca se concretização. Comédia romântica que exala otimismo, promovendo a ideia de que coisas boas sempre acontecem às pessoas boas se elas trabalharem duro e continuarem acreditando que o sucesso é possível – algo ingênuo, mas impossível não apreciar seu entusiasmo. Becker retratava a realidade parisiense do pós-guerra sem exploração propagandística e envolto em poesia cotidiana.


Rendezvous in July (1949): Esperanças, amores, ambições e amizade num grupo de jovens parisienses amantes do jazz. Becker volta a sua atenção para a nova geração de jovens do pós-guerra, cujo interesse abrange o jazz, o teatro e, acima de tudo, o próprio cinema. Um documentarista independente está no centro da ação, e o grupo que ele organiza prenuncia a Nouvelle Vague, cujos membros logo estariam entre os mais ferrenhos defensores de Becker. A narrativa apresenta um irreconciliável distanciamento entre pais e filhos, uma irrealidade que viria a ser cada vez mais explorada pela indústria de entretenimento objetivando a atomização da sociedade.


Édouard et Caroline (1951): Um pianista pobre, mas talentoso, é humilhado na festa do tio rico de sua esposa. Charmosa comédia satírica filmada em apenas dois cenários, o minúsculo apartamento do casal empobrecido e o suntuoso penthouse do tio, Becker diverte escarnecendo dos novos-ricos. O filme entusiasmou os editores do recém-criado Cahiers du Cinéma, provando que era possível produzir um filme emocionante sobre o cotidiano com poucos recursos.


Casque d'Or (1952): Três gangsters e um ex-presidiário reformado, agora carpinteiro, se apaixonam pela mesma bela mulher (interpretada por Simone Signoret). Baseado em um incidente real do submundo parisiense ocorrido em 1901. Becker concebe e recria um mundo completo, com cada detalhe escrupulosamente capturado, fixando o sentido de um período, de uma conjuntura específica de tempo e lugar, com silenciosa precisão. Com performances comoventes e cheias de nuances (Signoret em um dos papéis femininos mais memoráveis do cinema francês), e uma atraente fotografia em preto e branco, Casque d'Or é Becker no auge de seus dotes cinematográficos.


Touchez pas au Grisbi (1954): Gangster idoso e cansado do mundo (interpretado por Jean Gabin) é forçado a deixar a aposentadoria quando seu melhor amigo é sequestrado e suas barras de ouro roubadas exigidas como resgate. Em sua paixão pelo filme noir americano os franceses souberam dar seu toque distintivo. Aqui Becker revitalizava o gênero e ditava seu estilo na França para os anos 1950 e 1960. Em meio a ação medita-se sobre velhice, amizade, lealdade e a solidão de viver a margem da sociedade. Filmado com refinamento e sem redundâncias ou supérfluos narrativos. Grande atuação de Gabin que comunica seu estado de espírito apenas com expressão facial, o olhar e movimentos.


Le Trou (1960): A incerteza surgem quando quatro reclusos introduzem cautelosamente um novo prisioneiro no seu elaborado esquema de fuga da prisão. Baseado numa real tentativa de fuga da prisão La Santé (Paris) em 1947. José Giovanni, um dos detentos envolvidos na fuga, escreveu sobre o evento num romance publicado em 1957, e também trabalhou no roteiro de La Trou com Becker que aqui voltava ao tema da lealdade entre bandidos. A personagem Roland Darbant é interpretada por Roland Barbat (sob o nome artístico Jean Keraudy), também um dos cinco envolvidos na fuga de tentativa de fuga de 1947. Becker ainda usou outros atores não profissionais e replicou em detalhes os interiores de La Santé visando o máximo de autenticidade. O filme apresenta diálogos mundanos e espontâneos, sem trilha sonora, sem flashbacks, sem sentimentalismo – apenas som, espaço e gestos enquanto vemos detalhadamente o desenvolvimento do plano de fuga. A câmera observa em vez de dramatizar, criando uma sensação de objetividade íntima. Uma lição sobre o que o cinema pode alcançar através do silêncio, da concisão e da atenção ao real.


A saúde de Becker já era precária durante toda a produção e edição de Le Trou, e ele morreu deixando a mixagem de som inacabada. O filme foi concluído de acordo com os desejos do diretor, mas após seu lançamento inicial em uma versão de 140 minutos, o produtor Serge Silberman o reduziu em cerca de vinte e quatro minutos (até hoje perdidos) para melhorar suas possibilidades comerciais.

©2019 by Cultura Animi

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