Personagens Principais
Augusto Machado – mulato, 20 e poucos anos, funcionário público, alter ego do autor
Manoel Joaquim Gonzaga de Sá – ao redor de 60 anos, funcionário público, intelectual
Personagens Secundárias Barão de Inhangá – diretor na Secretária dos Cultos onde trabalha Gonzaga de Sá Escolástica – tia de Gonzaga de Sá que morava com ele Inácio – preto velho que trabalha para Gonzaga de Sá Romualdo de Araújo – compadre de Gonzaga de Sá que falece ao longo do romance Frederico – filho de Romualdo, adotado por Gonzaga de Sá após a morte daquele Xisto Beldroegras – bacharel em direito, colega de Gonzaga de Sá, protótipo do burocrata
Interpretação
“Um dia me vi retratado no Conselheiro Aires do Machado de Assis e no Gonzaga de Sá de Lima Barreto – homens de espírito superior que fogem e se escondem da sociedade por medo de serem incompreendidos e maltratados pelos medíocres. Morri de vergonha de mim mesmo e daí por diante adquiri um prazer sádico em maltratar aqueles a quem antes temia.”
– Olavo de Carvalho
Como já fizera em Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto traz uma ácida crítica a sociedade brasileira. Porém desta feita também são exploradas questões existenciais e ideológicas. Ambos protagonistas questionam se o conhecimento ajuda a viver melhor ou atrapalha, pois um maior horizonte de consciência também despertaria o sentimento de impotência para melhorar a situação social, trazendo infelicidade. A discussão já vem impregnada do aspecto ideológico e segue, com certa idolatria a Rousseau, com os heróis desejando que o povo fosse menos doce (“doçura deprimente”) e mais vigoroso, corajoso e violento para combater as injustiças que lhe seriam impostas.
A certa altura incorrem no erro de acreditarem ter “nada de comum com eles (povo)”, pois a cultura superior adquirida os colocaria como um observador fora da humanidade. Os protagonistas, como o autor, parecem confundir sua própria infelicidade com a infelicidade do mundo – transfigurando seu ressentimento social com uma visão messiânica regada de ideologia socialista. Não entendem que nossa missão não é consertar o mundo, e a expansão do nosso horizonte de consciência ajuda-nos a salvar nossas almas, essa sim nossa sagrada missão.
Mas são os valores de quarta casta que prevalecem no povo brasileiro. Ninguém está disposto a agir heroicamente por ideais. O que Barreto entende por resignação humilde produzida pela educação insuficiente e comodidade não passaria de apego aos valores corpóreos (ninguém quer arriscar a própria pele).
Como desejado pelos protagonistas, a suposta doçura brasileira foi combatida com anos de pensamento revolucionário (revolução gramsciana). E, como não poderia deixar de ser, o resultado não foi um país melhor, mas sim mais violento e injusto (campeão mundial de assassinatos, de fraudes cibernéticas e acidentes de trânsito fatais num reino da impunidade).
De fato nossa educação é um problema. Mas o que falta é ensinar a compreender a estrutura da realidade e nossa posição dentro desta estrutura, ou seja, expandir nosso horizonte de consciência – exatamente o que os protagonistas questionam se vale a pena.
Outros temas satirizados no romance:
Apego à burocracia junto ao governo (controle da vida social com a resultante transferência de poder).
Feminismo, questionando quem fará o papel da mulher.
Falsa e degradada aristocracia nacional.
Literatura que não trata de temas sociais (não seria suficientemente engajada – visão equivocada pois a literatura deve alcançar temas universais e ajudar-nos a compreender a nossa natureza e realidade).
Decadência cultural das altas classes.
Idolatria ao que vem da Europa em detrimento do nacional (posição algo xenófoba).
Jornais e revistas voltam-se ao leitor mediano (baixa cultura) e não dá espaço aos jovens.
Ambiente desfavorável ao desenvolvimento cultural e intelectual.
Apenas a cidade do Rio de Janeiro escapa da tinta de Barreto. Os protagonistas demonstram um grande amor por suas paisagens e história. E criticam apenas aquilo que deixam de fazer ou fazem errado com a cidade, e.g. problemas de ligação viária entre os bairros e confusão arquitetônica em sua expansão – problemas que persistem até hoje.
Notas
Lima Barreto (1881-1922), jornalista e escritor, nasceu no Rio de Janeiro.
Principais romances: Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) e Os Bruzundangas (1923). Entre seus vários contos destaca-se O homem que sabia javanês e Clara dos Anjos (novela inacabada).
Para Otto Maria Carpeaux, Lima Barreto deve parte de suas qualidades àquilo que foi a desgraça da sua vida: a boêmia. Ele é precursor do modernismo brasileiro que se revoltará em 1922, no ano da morte do romancista.