Tito Andronico de William Shakespeare
- Cultura Animi

- 21 de out.
- 3 min de leitura

“O cruel, irreligious piety!”
– Tamora, Ato I, Cena 1
“Rome is but a wilderness of tigers.”
–Tito, Ato III, Cena 1
“Terras Astraea reliquit.” (“Astreia – Deusa da Justiça – deixou o mundo.”)
–Marco Andronico, Ato IV, Cena 3
Personagens Principais
Tito Andronico – general romano
Aarão – mouro, amante de Tamora
Marco Andronico – tribuno do povo, irmão de Tito
Tamora – rainha dos godos
Saturnino – filho mais velho do último imperador, posteriormente proclamado imperador
Personagens Secundárias
Lúcio, Quinto, Márcio e Múcio – filhos de Tito Andronico
Demétrio, Alarbo e Quirão – filhos de Tamora
Bassiano – irmão de Saturnino
Lavínia – filha de Tito Andronico
Interpretação
Em sua tragédia mais violenta e sangrenta Shakespeare leva a vingança ao extremo. Tito Andronico é movida por um ciclo incessante de retaliação, onde cada ato de violência gera outro em resposta. Tito, o protagonista, busca desforra pela brutalidade contra sua família, mas suas ações levam a mais sofrimento e caos. O revide, embora possa parecer justificado, perpetuaria um ciclo de destruição, sem resolução ou redenção. Mas este não é o tema desta peça.
A narrativa de desenrola no momento do ocaso de Roma. Os deuses não são mais venerados e o estoicismo deixou de permear sua elite. As atitudes das personagens pontificam o caos espiritual e moral então vivido.
Logo nas primeiras cenas temos uma sequência de atos deploráveis: (a) mesmo vencedor da guerra com os Godos, Tito foi impiedoso com Tamora, praticando uma forma de vingança afastada da justiça conforme a lei natural e a ética aristotélica; (b) Saturnino, mesmo tendo derrotado o irmão na sucessão a imperador, indignamente decide roubar-lhe a prometida, e (c) Tito uniu-se a Saturnino contra a própria família, matando seu filho, colocando a lealdade política acima da família. Isso ofende o senso de autoridade – Tito não demonstra bom serviço ao se comprometer incondicionalmente com um governante arbitrário e tirânico como Saturnino. E, principalmente ofende a própria evolução, a própria natureza, demonstrando que a degradação romana atingia seu ponto de saturação.
Para coroar a série de desumanidades, Saturnino imediatamente reduz o gesto de Tito a nada, renegando sua promessa de casar-se com Lavínia e propondo casamento a Tamora (não apenas a inimiga mortal de Tito, mas também uma inimiga do estado romano), violando o senso de justiça e o império da lei.
Ao final do primeiro ato, já estamos nos aproximando da visão de Hobbes de guerra perpétua: “it is manifest that during the time men live without a common power to keep them all in awe, they are in that condition which is called war; and such a war, as is of every man, against every man”.
Como na tetralogia Guerra das Rosas, e também em Rei Lear, Shakespeare apresenta em Tito Andronico uma sociedade reduzida a um “wilderness of tigers” à medida que toda fundação moral é demolida.
Na ausência de uma instância superior, transcendente, para aplacar as pulsões humanas, que conduza a sociedade a supremacia da lei, Roma virou um inferno. Novamente a morte do imperador anterior simboliza o afastamento do Espírito, sucedendo-se a desordem.
Para romper o círculo vicioso e restaurar um virtuoso, é imperativo subjugar a Terra ao Espírito, gerando uma sociedade onde despontem um número suficiente de indivíduo dispostos a colocar as necessidades dos outros à frente de suas próprias necessidades.
Tal hierarquia era tão necessária à Roma quanto o é para o mundo atual.
Notas
William Shakespeare (1564-1616) em Stratford-upon-Avon, Inglaterra. Era católico num mundo protestante.
Shakespeare escrevia, dirigia, produzia e atuava em suas peças. Deixou-nos a maior obra teatral do mundo moderno.
Apesar de serem denominadas como Tragédias, as peças de Shakespeare são Dramas. Pois o que caracteriza a tragédia é a inexistência da malícia humana.
Bons livros para entender Shakespeare: Sobre Shakespeare de Northrop Frye e A Arte Sagrada de Shakespeare de Martin Lings.
Tito Andronico, datada de 1593-94, tem enredo puramente fictício e carente de qualquer base histórica.
Sucesso em seu tempo, Tito Andronico quase não é mais representada na modernidade, abandonada por uma sociedade que se horroriza ao ver-se representada no palco.


