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Timão de Atenas de William Shakespeare

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • há 2 dias
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I am Misanthropos, and hate mankind. – Timão (Ato IV – Cena 3), o ápice da soberba


“Todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado. – Lucas (14:11)


O orgulho não é a grandeza, mas o inchaço. E o que está inchado parece grande, mas não está são. – Santo Agostinho


Personagens Principais Timão – nobre ateniense Ventídio – um dos falsos amigos de Timão Alcibíades – capitão ateniense Apemanto – filósofo intratávelFlávio – fiel intendente de Timão


Personagens Secundárias Lúcio, Lúculo e Semprônio – nobres, aduladores de Timão Flamínio, Lucílio e Servílio – criados de Timão Sáfis, Filoto, Tito, Lúcio e Hortênsio – criados dos credores de Timão Frinéia e Timandra – amantes de Alcibíades


Interpretação

Timão de Atenas é uma peça sombria e amarga que versa sobre a generosidade deslocada e reações desproporcionais diante da injustiça, apontando ao pecado capital da soberba – Timão é o orgulhoso sem arrependimento.


Ao princípio Timão se considera quase um deus benfeitor: ele se coloca acima dos outros homens por sua generosidade ilimitada e acredita que seu dinheiro pode comprar lealdade e amor verdadeiro. Colocava-se como como o sol que dá sem receber, e considera os amigos como extensões de si mesmo – se vê como um salvador acima de todos.


Sua generosidade era motivada por vaidade, uma das manifestações mais comuns da soberba: o excesso de admiração por si mesmo, pela própria aparência, inteligência, conquistas ou status, buscando constantemente a admiração alheia.


E a soberba é o maior pecado humano, pois é cometido contra Deus – é o “não servirei” de Lúcifer e o “sereis como deuses” da Serpente. Todo pecado é uma desordem, mas a soberba é a inversão da ordem fundamental: a criatura buscando tomar o lugar do Criador.“A soberba é o desejo desordenado da própria excelência, a ponto de desprezar a submissão a Deus”, dizia São Tomás de Aquino.


Quando é traído, a soberba de Timão se apresenta como misantropia, mas continua sendo orgulho (agora orgulho de ser o mais puro, o único honesto) – aquele que alcançou uma verdade superior e a tudo despreza. Sua misantropia, o ódio a humanidade, é a revolta absoluta contra a criação e seu Criador.


Timão nunca se humilha de verdade: mesmo no ermo, ele continua considerando-se moralmente superior a todos. Ele nunca tem um momento de anagnórisis (reconhecimento) e conversão como, por exemplo, outros protagonistas shakespearianos nas peças Rei Lear e Otelo.


Soberbo, Timão termina solitário, um ermitão caído na ilusão da autossuficiência de poder viver sem depender de ninguém, nem dos homens, nem de Deus. Timão morre orgulhoso – isso o condena, e sua história se desvanecendo no rugido do oceano.



A soberba dissimulada de Timão é uma epidemia hodierna, pois o vitimismo contemporâneo não é sinal de humildade, mas sim uma forma disfarçada de orgulho moral. A pessoa se coloca como vítima para poder reivindicar superioridade moral sobre os outros (“eu sofro mais, logo sou mais sensível, mais ético, mais puro”) – a soberba vestida de fragilidade.


Este vitimismo é uma estratégia de poder. Quando alguém adota a identidade de vítima permanente, está dizendo implicitamente ter o direito de julgar e punir os outros por causa do meu sofrimento. O psicólogo canadense Jordan Peterson define isso como uma forma de narcisismo moral – a pessoa se coloca no centro do universo e exige que o mundo se curve ao seu trauma. Olavo de Carvalho tinha o mesmo entendimento, afirmando que “o vitimista é o sujeito mais arrogante que existe, porque ele acha que o universo inteiro tem a obrigação de parar para lamber as feridas do seu ego.”


O catolicismo entende o vitimismo como “orgulho ferido”. A pessoa não aceita a Cruz (o sofrimento real que todo mundo tem), e então transforma seu sofrimento em identidade e em arma contra os outros. É o oposto da humildade cristã – uma revolta metafísica.





Notas


  • William Shakespeare (1564-1616) em Stratford-upon-Avon, Inglaterra. Era católico num mundo protestante.

  • Shakespeare escrevia, dirigia, produzia e atuava em suas peças. Deixou-nos a maior obra teatral do mundo moderno.

  • Apesar de serem denominadas como Tragédias, as peças de Shakespeare são Dramas. Pois o que caracteriza a tragédia é a inexistência da malícia humana.

  • Bons livros para entender Shakespeare: Sobre Shakespeare de Northrop Frye e A Arte Sagrada de Shakespeare de Martin Lings.

  • Timão de Atenas, provavelmente composta em 1607, tem enredo inspirado na Vida de Marco Antônio de Plutarco e, possivelmente, também em Palace of Pleasures (1567) de Painter.

  • Considerada uma tragédia “incompleta” ou “problem play” em função de sua estrutura irregular, lacunas narrativas, e carência de um clímax.

  • Timão nos recorda o Rei Lear quanto aos efeitos funestos da ingratidão.

  • A personagem Alcibíades, um general justo mas irritado com a hipocrisia política, é a alternativa ao extremismo de Timão: reage ao mal, mas sem odiar a humanidade inteira – representa a resposta ativa à injustiça.

©2019 by Cultura Animi

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