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São Bernardo de Graciliano Ramos


O que estou é velho. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. – Paulo Honório julgando a si próprio


"Converso con el hombre que siempre va conmigo. Quien habla solo, espera hablar con Dios un día." – Antonio Machado (1875-1939), poeta espanhol

Personagens Principais Paulo Honório – narrador, compra a fazenda São Bernardo Luís Padilha – herdeiro da fazenda São Bernardo, arruinado Madalena – normalista, esposa de Honório


Personagens Secundárias Casimiro Lopes – amigo de Honório Azevedo Gondim – jornalista Margarida – negra humilde que criou Honório Silvestre – padre local Nogueira – advogado Ribeiro – guarda-livros da fazenda São Bernardo Mendonça – fazendeiro rival de Honório


Interpretação O suicídio de Madalena provoca uma metanoia em Paulo Honório que começa um processo de confissão. A capacidade de expressar, verbalmente ou por escrito, sentimentos e experiências é fundamental para o autoconhecimento e a sublimação das paixões. Este processo esteve sempre presente na confissão católica, hodiernamente mal substituído pela monetizada terapia. Até a opção de abrir-se com familiares e amigos vai se restringindo em uma sociedade atomizada, onde é cada vez mais raro encontra uma comunhão de almas.


Amoral e violento, sem família ou amigos, Paulo Honório rememora sua vida escrevendo um livro, e, ao longo da narrativa, vai, para seu horror, conhecer a si mesmo. Sua desmedida ambição dera-lhe uma miragem de superioridade frente aos outros, mas no fim tudo desabou.


 

Graciliano Ramos insinua aqui a luta de classes que lhe corrói a alma. Mas não é o embate entre o burguês Paulo Honório e seus empregados, mas sim entre aquele e sua esposa Madalena, representando a classe intelectual – professora que apresenta sensibilidade e capacidade de enxerga as coisas, e ter uma visão mais séria da vida.


Naqueles anos a classe intelectual (professores, jornalistas, escritores, etc) tinha uma situação muito precária e naturalmente muitos se sentiam aliados dos mais pobres. O sentimento de superioridade intelectual que nutriam sobre os burgueses que enriqueciam gerou-lhes um nocivo ressentimento social, empurrando-os ao marxismo – daí expressarem seu drama na linguagem da luta de classes, da luta dos oprimidos.


Mesmo quando nas décadas seguintes a intelectualidade acende ao posto de elite dominante ela não abandona o discurso ressentido e rasteiro, e falsamente continua chorando como se fossem os coitadinhos, e explorando os sentimentos das classes abaixo visando com isto angariar mais poder e dinheiro. Os baixos valores da classe intelectual-brâmane (assim como da classe governante-xátria) são a razão do Brasil nunca ter tido um processo civilizatório, razão das nossas mazelas.



 


Notas

  • Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrangulo, Alagoas.

  • Escritor, jornalista e político. Filiado ao Partido Comunista, não escapou de prestar culto à ideologia e produzir uma literatura militante. Mesmo depois das denúncias de André Gide (1869-1951), Arthur Kostler (1905-1983) e Albert Camus (1913-1960), não deixava de se referir a União Soviética como “Terra Santa” e endeusar Stalin.

  • Sua fortuna internacional, assim com a de Jorge Amado (1912-2001) deve-se mais às suas relações com o Partido Comunista do que a seus dotes literários. Mas é mais meritório que Jorge Amado por não ter, como o baiano, tão ardorosamente abraçado o realismo socialista zdanoviano.

  • A obra do autor inclui os romances Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).

  • Em Viagem (1954), editado após sua morte, Graciliano Ramos narra sua visita à Tchecoslováquia e URSS em 1952, e desfia toda sua cegueira ideológica.

  • Álvaro Lins (1912-1970) argumenta em Os Mortos de Sobrecasaca que Graciliano Ramos julga os homens com pessimismo e frieza, apresentando um sentimento de ódio ou desprezo para com eles. E extrai de suas memórias (Infância de 1945) as características de um ressentido social, marca quase que inescapável dos ideólogos e militantes de esquerda.

  • São Bernardo foi publicado em 1934.

  • A crítica formal aponta a incongruência de uma personagem primária, rústica, grosseira, ordinária, da espécie de Paulo Honório escrever um romance de tanta densidade psicológica, elaborado com tantos requintes de arte literária.

  • O mesmo processo de revisão da própria vida aparece em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899) de Machado de Assis.

  • O embate entre intelectualidade e burguesia também apareceria em Angústia e Vidas Secas, romances seguintes do autor.

  • Reificação: segundo Georg Lukács (1885-1971), alargando e enriquecendo um conceito de Karl Marx (1818-1883), processo histórico inerente às sociedades capitalistas, caracterizado por uma transformação experimentada pela atividade produtiva, pelas relações sociais e pela própria subjetividade humana, sujeitadas e identificadas cada vez mais ao caráter inanimado, quantitativo e automático dos objetos ou mercadorias circulantes no mercado

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