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Vidas Secas de Graciliano Ramos


“ … admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas. – Sobre a marginalidade linguística de Fabiano

Personagens Principais Fabiano – vaqueiro, retirante Sinhá Vitória – esposa de Fabiano Menino mais velho, meninos mais novo – filhos de Fabiano e Vitória


Personagens Secundárias Seu Tomás – antigo patrão de Fabiano, intelectual Fazendeiro – dono da casa invadida por Fabiano Soldado Amarelo – soldado antagônico a Fabiano Baleia – cadela da família de Fabiano


Interpretação O mérito de Vidas Secas está na qualidade do texto: seco, enxuto, essencializado, machadiano na construção geométrica da narrativa e do período, na escolha do vocábulo, na rejeição do adjetivo qualificativo. Porém, a narrativa se perde em personagens esquemáticas construídas a serviço da ideologia do autor, configurando mais uma obra panfletária.


Fabiano e família representariam o povo pobre do qual Graciliano Ramos pretende ser porta-voz. Mas o retrato que pinta de seus pretensos representados é deprimente, incapaz de expressar seus sentimentos e experiências (e.g. Fabiano que falava por exclamações, onomatopeias), e apresenta uma mentalidade profundamente autoritária imbuída no próprio coração (“Governo é governo.”)


O Fazendeiro apresenta o esteriótipo do capitalista insensível e cruel, ao passo que o Soldado Amarelo seria a personificação do governo opressor. A única figura simpática é o ausente Seu Tomás na figura do intelectual, ou seja, no papel da classe do autor.


Nota-se que Graciliano não encontra, entre os pobres, alguém que personifique as virtudes necessárias a uma ação revolucionária. Caberia aos intelectuais, como ele, guiar este povo-gado ao nirvana de seus devaneios? O antagonista de Graciliano Ramos, e sua classe intelectual, é a sociedade burguesa – ainda que eles próprios seja também burgueses. É um conflito interno da burguesia, um conflito da classe média com a própria classe média, a classe média que se crê letrada contra a supostamente iletrada. E, quando Graciliano entra no mundo da pobreza (os dois outros heróis trágicos de Graciliano Ramos, Luís da Silva (Angústia) e Madalena (esposa de Paulo Honório em São Bernardo) são intelectuais e não são pobres), a única criatura com quem ele se identifica é a cachorra Baleia.


 

Notas

  • Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrangulo, Alagoas.

  • Escritor, jornalista e político. Filiado ao Partido Comunista, não escapou de prestar culto à ideologia e produzir uma literatura militante. Mesmo depois das denúncias de André Gide (1869-1951), Arthur Kostler (1905-1983) e Albert Camus (1913-1960), não deixava de se referir a União Soviética como “Terra Santa” e endeusar Stalin.

  • Sua fortuna internacional, assim com a de Jorge Amado (1912-2001) deve-se mais às suas relações com o Partido Comunista do que a seus dotes literários. Mas é mais meritório que Jorge Amado por não ter, como o baiano, tão ardorosamente abraçado o realismo socialista zdanoviano.

  • A obra do autor inclui os romances São Bernardo (1934) e Angústia (1936).

  • Em Viagem (1954), editado após sua morte, Graciliano Ramos narra sua viagem à Tchecoslováquia e URSS em 1952, e desfia toda sua cegueira ideológica.

  • Álvaro Lins (1912-1970) argumenta em Os Mortos de Sobrecasaca que Graciliano Ramos julga os homens com pessimismo e frieza, apresentando um sentimento de ódio ou desprezo para com eles. E extrai de suas memórias (Infância de 1945) as características de um ressentido social, marca quase que inescapável dos ideólogos e militantes de esquerda.

  • Vidas Secas foi publicado em 1938.

  • Otto Maria Carpeaux (1900-1978) escreveu um ensaio demonstrando que a visão de Graciliano Ramos dos animais é uma visão quase budista; Graciliano não humaniza a cachorra, mas percebe os sentimentos da cachorra. É um amor não tanto ao ser humano mas ao ser vivo, de modo geral.

  • O episódio do reencontro de Fabiano com o Soldado Amarelo (“Governo é governo.”) espelha o encontro real do grandalhão Graciliano com o pequenino Getúlio Vargas na praia do Flamengo, quando o autor ficou inerte diante daquele que acreditava ser seu algoz.

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