Personagens Principais Bentinho (Bento Santiago) – advogado, rico herdeiro, narrador Capitu – vizinha e futura esposa de Bentinho, pobre e ambiciosa Escobar – melhor amigo de Bentinho, comerciante, simulado Personagens Secundárias Dona Glória – mão de Bentinho, viúva de Pedro de Albuquerque Santiago Tio Cosme – irmão de D. Glória, viúvo, advogado José Dias – agregado da família de D. Glória, 55 anos, finório Prima Justina – prima de D. Glória, viúva, intrigante Sr. Pádua e Dona Fortunata – pais de Capitu Padre Cabral – ajuda Bentinho a livrar-se de ser padre Sacha – amiga de Capitu, casa-se com Escobar Ezequiel – filho de Bentinho e Capitu, assemelhado a Escobar
“a verossimilhança [...] é muitas vezes toda a verdade” “Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.” – Bentinho e seu descaso com a verdade e a realidade
Interpretação A traição de Capitu é apenas uma das muitas dúvidas que Bentinho, narrador da história, deixa no ar, pois sonhador e egocêntrico, Bentinho tem dificuldade em diferenciar sua veleidade da realidade nua e concreta, e busca criar uma verdade própria – tal distanciamento da verdade real o torna amargo e merecedor do epíteto de casmurro. Ele é um fraco, presa fácil para a ambiciosa Capitu que nele enxerga uma escada social – o destino dramático do casal já estava traçado desde o início ("Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Mata Cavalos").
Nem mesmo na velhice, vasculhando a memória em busca do tempo perdido e tentando interpretar sua vida (“atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência”), Bentinho é capaz de reconciliar-se com a realidade e sua narrativa é tocada de uma melancolia incurável e pungente. Falta-lhe um ingrediente vital, o senso de transcendência – seu rompimento com o seminário pode simbolizar esta perda. Como encontrar sentido em nossa vida se escapa-nos nossa própria essência de criatura?
Dom Casmurro funciona como um alerta, um urgente chamado ao autoconhecimento (“gnothi sauton”). A apreensão da realidade externa, a distinção do conhecimento adquirido entre os quatro discursos (do poético ao lógico), já nos são um desafio, que se torna inalcançável se não formos capazes de ao menos parar de mentir a nós mesmo.
A falta de um horizonte de consciência minimamente amplo limita nosso poder de decisão diante dos dilemas e obstáculos que encontramos ao longo da vida, fazendo com que sejamos levados pela opinião de outros e nossas próprias fantasias.
Bentinho nos transmite uma visão amarga da vida – infiel é a vida, e Capitu sua imagem (falsa de maneira intrínseca e inevitável). Esta percepção parece implicar na isenção de responsabilidade por nossas ações – Capitu foi culpada de traição ou obedeceu a impulsos ingovernáveis? É desta armadilha vitimista que devemos escapar, pois somos responsáveis por todos nossos atos, apesar de não sermos responsáveis por nosso destino.
Notas
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é o maior escritor brasileiro e um dos maiores da língua portuguesa junto com Camões, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e Padre Antônio Vieira.
Extremamente culto, é autor de finíssima ironia e sarcasmo.
Filho de pai mulato pintor de parede e mãe portuguesa lavadeira. A família era agregada a uma família de posses. Seus escritos nunca fazem menção a sua condição social. Ao contrário, abordou assuntos universais e imortalizou-se.
A obra de Machado de Assis nos dá pistas para entender ontologicamente o brasileiro. Este estudo ainda está por ser feito.
Seus principais romances, já produtos da sua maturidade, são: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899) e Memorial de Aires (1908).
Apesar de extraordinário romancista, foi ainda melhor contista. Entre estes se destacam O Alienista, Teoria do Medalhão e A Missa do Galo.
A narrativa de Dom Casmurro de desenvolve no Rio de Janeiro no final do século XIX.
Casmurro: indivíduo teimoso, ensimesmado e sorumbático. Epíteto de Bentinho.