O francês Jacques Tourneur começou a construir sua reputação com os filmes produzidos por Val Lewton para a RKO nos quais transmitia uma sensação de horror oculto que habitaria o cotidiano – criando impacto com o uso imaginativo de luz, cenário, espaço e movimento. Não há nada mais emblemático do trabalho de Tourneue que a sequência da piscina em Cat People, reivindicação suprema da natureza ameaçadora da sombra, da composição e do ritmo.
Além dos filmes de terror, Tourneur realizou bons trabalhos em outros gêneros como noir e western. Seguem comentários sobre seus filmes mais interessantes:
Cat People (1942): Americano se casa com uma imigrante sérvia que teme se transformar no felino das fábulas de sua terra natal se eles forem íntimos. Clássico filme B de terror (baixo custo e filmado em apenas 18 dias) que pouco assusta com surpresas e sangue, mas de uma forma estranha e misteriosa difícil de definir: a tela abriga ameaças invisíveis, a atmosfera é inusitada e há uma permanente sensação de melancolia – uma bela demonstração de como bom gosto e inteligência podem substituir efeitos especiais. Primeiro filme produzido por Val Lewton como chefe da seção de terror da RKO. A técnica de terror em aumentar lentamente a tensão até uma ação que acaba sendo algo completamente inofensiva ficou conhecida como Lewton bus após uma cena famosa deste filme criada pelo produtor. A técnica também é conhecida como cat scare, já que a surpresa revelava ser um gato assustado e inofensivo. Notar a presença em tela da atriz Theresa Harris como uma simples garçonete,
I Walked with a Zombie (1943): Enfermeira é contratada para cuidar da esposa de um dono de plantação de cana-de-açúcar, que tem agido de forma estranha, em uma ilha do Caribe. Segunda colaboração entre Tourneur e Lewton. O roteiro é uma adaptação do artigo homônimo de Inez Wallace ao romance Jane Eyre (1847) de Charlotte Brontë. O filme apresenta uma atmosfera cativante fazendo uso apenas de luzes e música. O problema de Jessica (a esposa zumbi) nunca é completamente esclarecido, o objetivo parece ser capturar na arte como seria estar do lado ambíguo das coisas, como seria não saber exatamente com quem ou o que se está lidando. Pós-modernistas dão piruetas cerebrais para ver no filme uma alegoria da escravidão – melhor seria se apenas de encantassem com as curtas e marcantes aparições de Theresa Harris.
Canyon Passage (1946): Empresário está dividido entre seu amor por duas mulheres muito diferentes no Oregon de 1850. Belas paisagens do Oregon, em deslumbrante Technicolor, ricamente pontuadas por episódios violentos, momentos de romance e um punhado de costumes populares entre pioneiros que lutavam contra a natureza e índios hostis para fazer fortuna ou apenas sobreviver. Interessante visão romanceada da vida daqueles desbravadores da fronteira. Historicamente os pioneiros formataram os EUA que agora está em decomposição; será que seu povo conseguirá resgatar o nível de testosterona, ambição e fraternidade dos pioneiros para salvar o legado que recebeu? Parece que não.
Out of the Past (1947): Detetive particular (interpretado por Robert Mitchum) foge de seu passado para administrar um posto de gasolina em uma pequena cidade, mas seu passado o alcança. Agora ele deve retornar ao mundo urbano de perigo, corrupção e traições. Com um elenco de primeira linha e uma narrativa fragmentada perfeitamente costurada, Out of the Past é um filme intrigante e atraente. O olhar cansado e voz lacônica de Robert Mitchum, bem como sua postura de um homem violento envolto em indiferença, fizeram dele um arquétipo do ator noir.
Wichita (1955): Em 1874, depois de perceber a total ilegalidade em Wichita, Wyatt Earp aceita relutantemente o cargo de xerife e se depara com os piores desordeiros locais. Tourneur apresenta inovações tanto visual quanto temáticas: composições, cenários e interação distintos entre fundo e primeiro plano; violência abrupta e arbitrária por parte dos vaqueiros; Earp como um anjo da morte que não consegue escapar de seu destino; e o embate entre a ordem e os interesses comerciais de alguns empresários da cidade. Pena que o astro Joel McCrea já estivesse envelhecido para o papel.
Nightfall (1956): Através de uma série de coincidências bizarras, um artista é falsamente acusado de assalto a banco e assassinato, sendo perseguido pelas autoridades e pelos verdadeiros assassinos. Adaptação do romance homônimo de David Goodis publicado em 1947. Belo exemplar tardio de noir, roteirizado e dirigido com hábil atmosfera e ritmo.
Curse of the Demon (1957): Professor americano chega a Londres para uma conferência de parapsicologia, e acaba investigando as misteriosas ações de um adorador do Diabo. Tourneur volta com sucesso ao gênero horror num clássico com uma grande atmosfera que sobrevive, com folga, a precariedade dos efeitos especiais. O demonismo infesta nossos dias, e curiosamente o filme não revela os poderosos financiadores do antagonista.
The Fearmakers (1958): Ao retornar a Washington DC, veterano da Guerra da Coreia descobre que seu sócio morreu e seu instituto de pesquisa pública foi vendido. Interessante abordagem da manipulação da opinião pública como instrumento de reengenharia social e conquista do poder. Ideal para quem ainda leva a sério pesquisas publicadas na grande mídia.