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Ingmar Bergman (1919-2007)

Film as dream, film as music. No art passes our conscience in the way film does, and goes directly to our feelings, deep down into the dark rooms of our souls.

– Ingmar Bergman



Uma das vozes mais reveladoras que emergiu da explosão do cinema de arte no pós-guerra, Bergman foi um mestre contador de histórias que impactou o meio com a sua intensidade austera e a sua exploração de questões metafísicas e espirituais. As lutas da fé e da moralidade, a natureza dos sonhos e as agonias e êxtases das relações humanas – Bergman explorou estes temas em filmes que vão desde comédias cuja leveza e complexidade desmentem os seus corações taciturnos até experiências formais inovadoras e explorações dolorosamente íntimas da vida familiar. Ingmar Bergman traçou uma carreira incomparável no cinema e na televisão, ao mesmo tempo que encenou inúmeras produções teatrais ao longo das décadas. Embora uma comparação com Strindberg seja demasiado restritiva, os seus filmes refletem com a mesma força as febres de verão e as trevas de inverno do caráter sueco.


Filho de pastor, Ingmar Bergman fez filmes repletos de imagens religiosas, que paradoxalmente expressam um universo sem Deus e sem amor. Toda a obra de Bergman pode ser vista como a autobiografia de sua psique. Dividindo seu tempo entre o palco e a tela, Bergman frequentemente introduzia o teatro em seus filmes como uma metáfora para a dualidade da personalidade. Pelo menos cinco de seus filmes acontecem em uma ilha, uma área circunscrita como o palco.


Ingmar Bergman, talvez mais do que qualquer outro diretor, tornou o cinema uma moda para intelectuais e estetas até então normalmente hostis ao cinema como tal. A grandiosidade alegórica de The Seventh Seal despertou a alta intelectualidade americana no final dos anos 1950, assim como a dialética da montagem de Potemkin fizera na geração anterior. O tom de Bergman era geralmente sombrio, e seus temas, os mais graves. Cultos surgiram para saudá-lo por sua profundidade, e contracultos o atacaram ora por seu peso, ora por não abordar agendas revolucionárias.


Bergman parece considerar que as nossas vidas como seres morais e espirituais são constituídas por seis tipos fundamentais de experiência e pelas suas inter-relações. Estas ocorrem ao longo dos filmes de Bergman em muitas variações e combinações. Às vezes todos estão presentes, às vezes apenas algumas. São os momentos seminais de julgamento, abandono, paixão, mudança, vergonha e consciência. Juntos, eles delineiam o tipo de jornada que a vida é e qual caminho que ela deve percorrer. Eles são os “pontos de virada” através dos quais todas as histórias de Bergman se desenvolvem e fornecem a estrutura para a compreensão dos seus filmes e de sua realização como artista e “metafísico cinematográfico”.


Bergman era curiosamente intenso sobre a natureza do amor, apresentando o que considerava o homem clássico (normalmente estereotipado) e a mulher moderna (complexa e profunda). Como sempre, há tons sérios em suas cenas mais leves e uma sugestão de diversão em seus momentos mais graves. É este contraponto perpétuo que faz parte da magia e do mistério de Ingmar Bergman – o humor irônico e a morbidez metafísica são marcas registradas inimitáveis ​​de uma sensibilidade peculiarmente incisiva.


Seguem comentários sobre seus filmes mais famosos:


Summer with Monika (1953): Dois adolescentes de famílias da classe operária de Estocolmo (Harry e Monika) fogem de casa para passar um verão romântico e isolado na praia. Inevitavelmente, serão forçados a retornar à realidade. Summer with Monika é um filme sobre uma fuga dos obstáculos do destino, mas também de retornar e assumir as devidas responsabilidades. Enquanto Harry amadurece e não foge das consequências de seus atos, Monika retoma seu comportamento promíscuo e descamba para a mendacidade. Curiosamente algumas mentes doentias identificaram a personagem Monika como um símbolo contra o que chamam de conformidade e repressão burguesas, atribuindo a famosa cena onde ela encara a câmera como um ato de desafio, quando não passa da expressão de quem vive congelado no inferno de Dante, incapaz de sair do pecado. Ver Monika como modelo positivo exemplifica o tipo de mentalidade que fomenta a presente crise de vitimismo. A atriz Harriet Andersson interpreta Monika em seu primeiro de muitos papéis que faria para Ingmar Bergman. Summer with Monika foi aclamado por Jean-Luc Godard como um dos primeiros exemplos da visão artística de Bergman.


Sawdust and Tinsel (1953): A história da relação tensa entre o dono de um circo da virada do século XX e sua amante mais jovem (interpretada por Harriet Andersson), uma amazona no espetáculo itinerante. O flashback inicial sobre o palhaço Frost e sua esposa Alma apresenta o drama do filme em um microcosmo. O tema principal de Sawdust and Tinsel  é a ideia de destino. De como o destino ditaria o tipo de vida que as personagens devem levar e do qual elas não podem escapar – suas tentativas de evasão apenas tornam suas vidas mais miseráveis (neste caso com todas as manifestações de humilhação – sexual, social, política, financeira e física). Ao final o círculo se completa com o casal de amantes voltando a estrada, caminhando lado a lado, presos no vício por suas próprias fraqueza e vaidade. Foi o décimo terceiro longa-metragem de diretor, mas o primeiro que nenhum outro diretor poderia ter feito, exclusivamente Bergman. Um diretor em controle de seu material, capaz de selecionar com facilidade o som (trilha do compositor sueco Karl-Birger Blomdahl), a luz (sua primeira de muitas colaborações com diretor de fotografia Sven Nykvist.) ou o ângulo de câmera apropriados para qualquer cena. Notar como os espelhos do teatro e do interior da caravana de Albert evitam a necessidade de cortes transversais convencionais e acrescentam densidade à imagem, um aspecto de anormalidade. A realidade confunde-se com os seus próprios reflexos, como nos momentos iniciais do filme, quando as charretes são avistadas na superfície polida de um rio, antes de a câmara se levantar para observar os próprios veículos. Observar os diálogos ásperos, mas poeticamente intensificados, alternados com silêncios dolorosamente eloquentes – detalhes que resumem muito do que estava por vir na obra de Bergman. Sawdust and Tinsel também remete ao adultério na vida privada do diretor, bem como às dificuldades em financiar seus filmes.


Smiles of a Summer Night (1955): Na virada para o século XX, quatro homens e quatro mulheres circulam em torno uns dos outros, mudando constantemente de parceiros numa elaborada dança de amor com indisfarçáveis paralelos com as óperas As Bodas de Fígaro e A Flauta Mágica de Mozart, bem como com Sonho de Uma Noite de Verão de Shakespeare. Dentro do enredo intrincado, Bergman explora diversas atitudes em relação ao amor usando cada personagem, cada par, para comentar e iluminar os outros. No seu prazer direto e terreno, os criados, Petra e Frid, expõem o vazio e as tensões dos seus patrões, mas sentem suas próprias limitações ao lado do idealismo de Henrik e Anne, os jovens amantes. A fútil paixão de Fredrik Egerman por Anne, sua noiva virgem, enfraquecida pelas seduções felinas da condessa Charlotte, finalmente desmorona diante da maturidade sardônica encarnada em sua ex-amante, Desirée Armfeldt. No entanto, mesmo Fredrik, uma figura absurda e repetidamente humilhada, evidencia nos seus esforços uma humanidade que falta ao equilibrado e frio Conde Malcolm. Como tantas vezes acontece nos filmes de Bergman, as mulheres se saem do embrolhio nitidamente melhor do que os homens. Ainda é a melhor comédia de Bergman apesar de algo datada – o comportamento imoral das personagens seguramente teve outro impacto nos anos 1950. Smiles of a Summer Night, aclamado em Cannes, foi o primeiro filme a trazer uma audiência internacional para Ingmar Bergman. O filme marca o ápice de seus primeiros trabalhos, abrindo caminho para a rica complexidade que estava por vir.


The Seventh Seal (1957): Cavaleiro Antonius retornando à Suécia após as Cruzadas (interpretado por Max von Sydow) busca respostas sobre a vida, a morte e a existência de Deus enquanto disputa uma partida de xadrez contra o Anjo da Morte durante a Peste Negra. The Seventh Seal é uma alegoria com um tema bastante simples: o homem, sua eterna busca por Deus, tendo a morte como única certeza. O título vem do livro do Apocalipse: "E quando ele abriu o sétimo selo fez-se um silêncio no céu, quase por meia hora." (Apc 8, 1). Enfermo e preso a uma cama de hospital, Bergman escreveu o roteiro deste íntimo testemunho espiritual, descrevendo abertamente a angústia que o ateu experimenta ao se deparar com o enigma da morte, pois acredita que não há nada por trás dela – o diálogo que Antonius mantém com a Morte na capela Täby ecoa o grito existencial do próprio Bergman. O ateu "não conhecem os mistérios de Deus, não esperam a recompensa da santidade nem acreditam na recompensa de uma vida irrepreensível” (Sab 2, 22). Por isso, o filme é um testemunho honesto sobre o fim da vida. E, de fato, a juventude do homem é caracterizada pelo descuido, pois vê a velhice muito distante. Mas o que acontece quando ela finalmente chega? Via de regra, é o momento em que as pessoas refletem sobre a própria existência e suspeitam de uma vida eterna mais do que possível. Como indica o cruzado Antonius, é o momento em que qualquer homem questiona se essas experiências esbarram no muro do nada ou se, pelo contrário, repercutirão após a morte. Na capela Täby encontra-se o afresco pintado por Alberto Pictor (ca. 1450-1509) com a imagem da Morte jogando xadrez que inspirou Bergman.


Wild Strawberries (1957): Depois de viver uma vida marcada pela frieza (Isak Borg, nome da personagem, significa em sueco algo como "fortaleza gelada"), um professor idoso é forçado a enfrentar o vazio de sua existência. Road movie como metáfora da própria vida na qual o protagonista experimenta uma transformação espiritual. Através de ações no presente, recordações da infância e juventude, e sonhos, Isak Borg identificará os traumas que induziram seu comportamento frio e distante que, entre outras coisas, implica na infelicidade de seu filho e nora. A conscientização sobre a razão de seu comportamento passado permitirá que Isak repare seus efeitos negativos no presente. O filme nos obriga a pensar se temos consciência de nossos erros passados e presentes, de como eles podem afetar aqueles em nosso entorno, e do porquê daqueles comportamentos errôneos. E de que não devemos deixar para a velhice a busca deste conhecimento.


The Virgin Spring (1960): Na Suécia do século XIII, uma adolescente inocente e sua irmã de criação ciumenta partem de casa para levar velas à igreja, mas apenas uma regressa. O roteiro é baseado na balada medieval sueca Per Tyrssons döttrar i Vänge – este é um dos poucos filmes que Bergman dirigiu a partir de um roteiro escrito por outra pessoa (Ulla Isaksson). O filme apresenta uma Suécia transitando do paganismo (representado pela irmã de criação) ao cristianismo, algo que repercute no homem moderno diante de suas escolhas entre os instintos naturais e as aspirações espirituais, mas centra-se na questão da razão de Deus permitir que o mal abata os inocentes. O pai da adolescente (interpretado por Max von Sydow), mesmo que toscamente, intui que Deus só permite o mal por causa de um bem muito melhor e mais elevado, incluindo não apenas o nosso bem individual, mas o bem de toda a criação – isso é muito misterioso, pois escapa a capacidade do conhecimento humano. O mal é ausência do Bem supremo que é o próprio Deus, se o mal não existisse tudo seria Deus e o mundo e o homem não existiriam – a potência do mal faz parte da natureza e do ser humano. O filme arrebatou o Oscar de melhor filme em idioma estrangeiro.


The Silence of God Trilogy (1961-63): No espaço de um par de anos Bergman realizou três filmes que ficaram conhecidos como a trilogia do Silêncio de Deus: (a) Through a Glass Darkly (1961): Recentemente liberada de um hospital psiquiátrico, Karin reencontra sua família emocionalmente desconectada em sua casa numa ilha, apenas para escapar da realidade quando começa a acreditar que está sendo visitada por Deus (Oscar de melhor filme em idioma estrangeiro); (b) Winter Light (1963): Padre de uma pequena cidade em crise com sua fé; e, a mais conhecida das três, (c) The Silence (1963): Duas irmãs distantes, Ester (simbolizando a alma) e Anna (simbolizando o corpo), e o filho de Anna, de 10 anos, viajam para um país da Europa Central à beira da guerra. Ester fica gravemente doente e os três se mudam para um hotel em uma pequena cidade chamada Timoka.

Os três filmes são alegorias ao que seria a falta de resposta de Deus às tribulações da humanidade, mas também alude à falta de comunicação, ao mal-entendido e àfalta de simpatia entre os seres humanos. Bergman explicita aqui seu ateísmo pueril, mas mantém sua lealdade ao cinema. Por mais conspurcados com ideologias ou más pulsões, seus filmes não cedem a elas, mas as transforma em cinema – Bergman as trata visualmente, através de imagens, arrematando com grandes interpretações de seus atores. O mérito da trilogia está mais na forma do que no seu conteúdo. Há uma linha descendente ao longo da trilogia: no primeiro filme ainda se pergunta se Deus existe, porque o amor existe; para responder negativamente no segundo, e confirmar a negativa no terceiro – The Silence é um mundo completamente sem Deus, o silêncio é o túmulo que se levanta entre o corpo e alma quando Deus não está mais presente. O obsessão bergmaniana pela questão "Deus, por quê?" nunca é respondida por seus protagonistas que se destroem na loucura (Through a Glass Darkly), desesperam-se pela incapacidade de amar Deus ou homem (Winter Light), ou terminam em morte psicológica e física (The Silence). O aspecto de incomunicabilidade humana também tem tratamento niilista, restando apenas a desesperança ateia ou gnóstica. Mas parece que a porta não foi irremediavelmente fechada, afinal, não seria o desejo físico (expresso principalmente em The Silence) apenas uma das formas da nostalgia metafísica? As personagens dos filmes estão tão afligidas pela incredulidade, tão desconsoladas com a sua perda, que os filmes não podem deixar de manter viva a questão da existência de Deus. Na verdade, a confusão de Bergman com os resultados da ausência de Deus continuaram até o fim de sua vida.


Persona (1966): Talvez o filme mais elaborado e enigmático de Ingmar Bergman. O enredo versa sobre o conflito entre duas mulheres, Alma (interpretada por Bibi Andersson), uma jovem enfermeira, e Elisabeth Vogler (interpretada por Liv Ullman), sua paciente, uma atriz de sucesso que subitamente parou de falar. A tensão psíquica entre as duas e o poder da mulher silenciosa refletem a curta peça de Strindberg, The Stronger (1889). As máscaras disfarçam significados tanto quanto escondem rostos. O momento da verdade é o momento em que a máscara é arrancada e a verdadeira face descoberta. Todo filme de Bergman envolve esse processo. A máscara é mostrada, examinada e depois removida. Assim, o close-up constitui uma parte essencial da gramática cinematográfica de Bergman. Mais sobre o filme aqui.



Hour of the Wolf (1968): Artista em crise envereda pela loucura durante a estadia com sua esposa numa ilha deserta. Único filme de terror de Ingmar Bergman. Inspirado no horror gótico de E. T. A. Hoffmann (1776-1822), Bergman toma emprestado a retórica dos filmes de terror, apresentando close-ups distorcidos, movimentos de câmera chamativos e tomadas de ponto de vista assustadores. Hour of the Wolf é uma alegoria sobre os tormentos de um artista, mas também pode ser lida como um relato de um relacionamento desmoronando pela perda da capacidade de comunicação. Com aspectos autobiográficos (e.g. a criança pressa no armário), Bergman reflete sobre sua condição de artista e seu complexo relacionamento com o sexo oposto (casado cinco vezes em meio a romances adúlteros com três de suas estrelas).


Shame (1968): Casal de violinistas administram uma quinta numa ilha rural em meio a uma guerra civil. Bergman fez outra alegoria, mas desta vez usando elementos do thriller em vez do filme de terror. O filme parece perguntar como um casal burguês de classe média reagiria ao ser apanhado no meio de tal convulsão. Quando a sociedade não consegue mais funcionar, os personagens principais perdem seu quadro de referência. Suas relações sociais cessam. O povo desmorona. O homem fraco torna-se implacável. A mulher, que era a mais forte, desmorona. Bergman parece querer dar uma resposta a intelligentzia que lhe exigia um posicionamento político ainda mais progressista. Mas falhou, pois a esquerdalha não lhe perdoou a visão mais pessoal do diretor em detrimento de um posicionamento claramente antiamericano.


Cries and Whispers (1972): Uma mulher morrendo de câncer na Suécia é visitada por suas duas irmãs, e sentimentos há muito reprimidos entre elas vêm à tona. Um experimento formal de Bergman ambientado num século XIX melancólico que lembra Tchekhov e Strindberg. Em meio a flashbacks e sonhos os medos, ansiedades e dores das quatro mulheres (as três irmãs e a cuidadora da enferma) são revelados. Bergman diz ter feito um filme sobre sua mãe (teria um pouco dela em cada uma das quatro mulheres), o que ajuda a explicar a pouca empatia gerada pelas personagens e falta de universalidade da narrativa. O filme prima mais pelo aspecto formal (incluíndo Oscar de cinematografia para Sven Nykvist) e a atuação das quatro protagonistas


Scenes from a Marriage (1973): Narrativa dos muitos anos de amor e turbulência que unem um casal através do casamento, infidelidade, divórcio e parceiros subsequentes. O filme é uma reedição reduzida da série televisiva homônima com roteiro baseado nas erráticas experiências matrimonias e afetivas do diretor. Bergman volta ao tema da comunicação entre duas pessoas, “a agonia do casal” a que se referiu em uma entrevista. Em Scenes from a Marriage parece que ele finalmente reconcilia com seu temor de que os homens seriam ilhas isoladas. Na visão de Bergman, para além do amor, para além do casamento, para além do egoísmo que destrói o amor, para além da força centrífuga que faz com que os egos se afastem uns dos outros e impede relações duradouras – para além de todas estas coisas, ainda resta o que sabemos uns dos outros, que nos preocupamos uns com os outros, que em vinte anos essas personagens se tocaram e conheceram tão profundamente que ainda precisam uma da outra. Parece que o diretor quer justificar para si mesmo sua vida amorosa devassa, e acaba fazendo um filme condescendente com o adultério e a luxúria, ou seja, um ataque demeritório a instituição do matrimônio. Ao externar sua visão luxuriante do matrimônio Bergman promove a relativização moral, malefício paralelo ao que os fraudulentos Relatórios Kinsey sobre a sexualidade causaram em anos precedentes. Além do conteúdo profano, a estética televisiva inibe a criatividade imagética do diretor, tornando o filme débil e descartável.


The Magic Flute (1975): A história do príncipe Tamino e seu entusiasmado companheiro Papageno enviados em uma missão para salvar uma linda princesa das garras do mal. Diligente adaptação da ópera de Mozart combinando as linguagens teatral e cinematográfica. Mozart, que era maçom, adotava com firmeza a crença maçônica de que a arte é um instrumento que deve ser usado para a elevação e liberdade do gênero humano. Sua produção de obras líricas continha cada vez mais, nos textos e nas linhas narrativas, as chaves simbólicas dos ideais espirituais e místicos da Maçonaria. Essa tendência culminou com A Flauta Mágica, peça de simbologia maçônica do princípio ao fim. Tanto as óperas de Mozart quanto as suas obras puramente instrumentais continham chaves e símbolos espirituais encerrados na numerologia e estruturas intervalares das próprias notas. Esta ópera foi o lance mais decisivo em favor do feminismo no século XVIII por convencer a Maçonaria a aceitar mulheres. A narrativa banal de A Flauta Mágica só ganha significado quando se decifra suas inúmeras referências maçônicas. Infelizmente Bergman excluiu algumas das cenas consideradas mais obscuras justamente em função desta codificação discreta. Vale mais assistir uma representação clássica da obra após a prévia leitura de The Magic Flute Unveiled: Esoteric Symbolism in Mozart's Masonic Opera de Jacques Chailley.


Autumn Sonata (1978): Esposa dedicada recebe a visita de sua mãe, uma pianista concertista de sucesso que lhe dedicou pouco tempo quando ela era jovem. As atrizes Liv Ullmann e Ingrid Bergman (em seu último longa-metragem) brilham neste catártico pas de deux. Mãe e filha confrontam-se com a culpa e a mágoa do passado, mas o efeito purgatório da confrontação durou pouco e ambas retornam ao falso conforto do autoengano. O filme também reflete a paixão de Ingmar Bergman pela música clássica e a maneira como ele encara a atuação de seus atores. Em uma cena reveladora, Charlotte tenta mostrar à filha como tocar uma peça para piano (emocional e não sentimental) – instruções que ecoam os sentimentos de Bergman sobre o desempenho dos atores.


Fanny and Alexander (1982): Duas crianças suecas dos anos 1900 vivenciam as muitas comédias e tragédias de sua animada e afetuosa família teatral, os Ekdahls. Originalmente concebida como uma minissérie de TV em cinco episódios, com duração de 312 minutos, mas a versão de 188 minutos editada para os cinemas foi lançada primeiro. Em seu escopo, em sua concatenação de realismo e fantasia e em suas reversões emocionais, o filme deve algo a Charles Dickens – talvez a Our Mutual Friend, em particular, por um incêndio que livra a história de seus vilões. Quando do lançamento do filme Bergman disse que este seria sua última produção para o cinema, e Fanny and Alexander incorpora elementos marcantes da obra do diretor, principalmente seu conflito com a religião e a imoralidade que desejava que fosse aceita socialmente. Aos 64 anos de idade aparentemente Bergman ainda não havia resolvido seus conflitos íntimos, e parecia ainda usar o cinema para justificar ao mundo (e talvez a si mesmo) sua faceta mais tenebrosa.

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