O filme Persona de Ingmar Bergman fala da tensão humana entre a virtude e o vício, entre a transcendência e a matéria. Logo ao chegarem na ilha Alma lê trecho de um livro para Elisabeth. Fala da perda da transcendência com a qual Elisabeth concorda e Alma não. Ambas naturalmente apresentam aquela tensão de posições diferentes. Elizabeth não aceita o filho e recusa o amor do marido. Vê o mundo como hipócrita e se recusa a seguir interpretando um papel no qual ela não acredita. Ela para de falar para não precisar mais mentir. Alma planeja sua vida dentro dos padrões naturais, mas se questiona por uma aventura sexual que resultou num aborto. Ela não confia em si mesma e se atormenta com isso. Ambas representam a natureza humana flutuando entre as duas dimensões verticais e tensionais. Apesar da diferença de posição e intelecto das duas mulheres elas obviamente apresentam a mesma natureza.
Elisabeth estuda o comportamento de Alma. Parece querer desfazer a postura da moça diante da sociedade e se encanta com a história da orgia na praia. Elisabeth provoca os instintos inferiores de Alma, querendo romper com o que ela acredita ser uma postura falsa e hipócrita da moça. Alma resiste mas as vezes não consegue, como no episódio do caco de vidro. Ao final Alma percebe o jogo da atriz e elas se separam.
Entremeando a narrativa há várias cenas simbólicas que refletem o que está acontecendo. Assim são, por exemplo, as seguintes situações: a cena noturna das duas (Elisabeth estuda Alma e revela a intenção de torná-las parecidas), encontro de Alma com o marido de Elizabeth (Elizabeth deveria ter um comportamento de Alma para encarar aquela relação), Elisabeth suga o sangue de Alma e esta a esbofeteia (a atriz de aproveita da enfermeira mas esta reage), simbiose dos dois rostos demonstrando a mesma natureza de ambas, a criança acariciando o rosto desfocado das duas mulheres (elo comum entre ambas por trás de suas máscaras: o filho rejeitado de Elisabeth e o abortado de Alma), e Alma e uma prostrada Elisabeth repetindo a palavra "nada" (Alma liberta-se da influência da atriz).
Mas o que Bergman quer nos dizer com tudo isso? Persona significa máscara. A máscara que usaríamos para representar socialmente. Para Elisabeth as convenções sociais apenas escondem nossa real natureza, que seria tendendo a matéria. Assim o ser humano seria representado por Pietchórin, personagem de O Herói do Nosso Tempo de Mihkail Liermetov, livro que a criança aparece lendo no início do filme: um ser egoísta, preocupado com seus prazeres e sem nenhuma preocupação com o próximo. Mas Alma (seria seu nome apenas uma coincidência?) escapa da queda e mantém sua condição humana enquanto a decaída Elisabeth afoga-se no "nada". Pois esta tensão entre transcendência e matéria é própria da nossa natureza. Nosso ser flutua entre ambos polos, e apenas decaímos quando perdemos de perspectiva o polo superior e transcendente. Viver no polo inferior é uma condição sub-humana, animalesca. Nossa areté, aquilo que nos diferencia e especifica como seres humanos, é a busca daquela transcendência e o controle dos nossos desejos ilegítimos. A resistência de (ou da?) Alma é inerente ao ser humano.
Filme Nota 4 (escala de 1 a 5)
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