“Quando a humanidade, subjugada pelo temor da delinquência, se tornar louca por efeito do medo e do horror, e quando o caos se converter em lei suprema, então terá chegado o tempo para o Império do Crime.” – Fritz Lang sobre O Testamento do Dr. Mabuse
Os filmes de Fritz Lang são um mergulho no fundo mais obscuro da alma humana, da qual o diretor emerge sempre com um apurado senso moral. Um mestre em projetar um pesadelo onde pessoas inocentes são perseguidas e processadas. A forte presença do sentido de sacrifício cristão em seus filmes explica o desdém com que Lang é tratado pela intelligentsia da atual crítica cinematográfica.
Entre seus filmes destacam-se:
Destiny (1920): O noivo de uma mulher desaparece, e a Morte lhe dá três chances de salvá-lo de seu destino. A implacabilidade do destino e a recordação de que a morte não é inimiga do homem.
Dr. Mabuse, the Gambler (1922): O arquicriminoso Dr. Mabuse pretende fazer fortuna e governar Berlim. O detetive Wenk decide detê-lo. O ambiente decadente da República de Weimar é o ovo da serpente. A nobreza decaída (Conde Told), sem valores, emasculada – interessante notar como a estética desaba junto com os valores (coleção de arte moderna do conde). Consumo de drogas, jogatina, hedonismo, libertinagem, ocultismo, psicologismo no lugar da moral, inflação… germinaram o caos. E a história se repete.
Metropolis (1927): Numa cidade futurista fortemente dividida entre a classe trabalhadora e os urbanistas, o filho do mentor da cidade apaixona-se por um profeta da classe trabalhadora que prevê a vinda de um salvador para mediar as suas diferenças. Um filme profético. O melhor do diretor.
M (1931): Quando a polícia de uma cidade alemã não consegue capturar um assassino de crianças, outros criminosos juntam-se à caçada humana. O primeiro filme a abordar um serial killer e os procedimentos policiais. Inesquecível embate entre o criminoso bestial (patológico) e os criminosos viciosos (intencionalmente a margem da lei) – ver Ética a Nicômaco de Aristóteles. O hipócrita apelo de insanidade feito pelo assassino tornou-se subterfúgio imoral muito praticado por criminosos: "I can't help myself! I haven't any control over this evil thing that's inside of me! The fire, the voices, the torment!”
The Testament of Dr. Mabuse (1933): Inspetor de polícia de Berlim investiga um caso em que todas as pistas levam a um homem que está internado em um hospício há anos: Dr. Mabuse. Lang coloca na boca de um criminoso insano todos os slogans nazistas (o filme foi confiscado por Goebbels e Lang fugiu da Alemanha). Vemos a classe científica subjugada, usando a ciência para o crime, tal como vemos hoje a classe científica unindo-se aos políticos e fraudando a ciência com desfaçatez para fins escusos. Cada vez mais vivemos num mundo de alucinações e fantasias desnorteantes, onde conhecer a verdade mesmo sobre coisas simples será um desafio que só pessoas investidas de uma coragem intelectual fora do comum poderão vencer. Prepare-se para viver no hospício do Dr. Mabuse, onde o mais louco dos pacientes faz a cabeça dos médicos e os coloca a serviço de seus planos malignos. Observe nossos contemporâneos que se fecham dentro de uma mentira – sabendo que é mentira, mas tendo que defendê-la para não gerar insegurança, sobretudo insegurança dele próprio – estão no fundo da loucura enquanto gritam que louco é o outro que está querendo saber a verdade.
Fury (1936): Prisioneiro acusado injustamente sobrevive por pouco a um linchamento e é dado como morto, e decide vingar-se fingindo sua morte e incriminando a multidão por seu suposto assassinato. Para manter em mente que a barbárie está sempre a espreita, pois faz parte do potencial negativo humano, e que um ambiente de injustiça acirra o conflito. O mundo atual caminha aceleradamente para isto, e não falta muito para que os linchamentos deixem de ocorrer apenas nas redes sociais.
House by the River (1950): Escritor perturbado mata uma empregada depois que ela resiste aos seus avanços. O escritor conta com a ajuda do irmão para esconder o corpo, causando problemas inesperados para os dois. O horror da escalada da concupiscência na alma de um homem.
The Big Heat (1953): Policial linha dura enfrenta sindicato do crime politicamente poderoso. "Nenhum homem é uma ilha isolada" (John Donne 1572-1631). Apenas com a ajuda de sua família, amigos e da surpreendente Debby o herói consegue reestabelecer a ordem não apenas na naquela sociedade mas também em sua alma. Duas grandes personagens femininas com impecável interpretação (Katie por Jocelyn Brando e Debby por Gloria Grahame).
Beyond a Reasonable Doubt (1956): Romancista auxiliado por seu futuro sogro conspira para se incriminar pelo assassinato de uma dançarina burlesca como parte de um esforço para proibir a pena capital. Progressistas contrários a pena de morte aprenderão uma lição.
The Thousand Eyes of Dr. Mabuse (1960): Na Alemanha dos anos 1960, o gênio do crime Dr. Mabuse usa vítimas hipnotizadas e o equipamento de vigilância de um hotel grampeado da era nazista para roubar tecnologia nuclear de um industrial americano. Quase trés décadas após The Testament of Dr. Mabuse Lang traz de volta seu supervilão para, em seu último filme, insistir na ideia de que nossa decadência civilizacional (i.e. perda do sentido de transcendência, relativismo moral, desconexão da realidade, medo instigado pelo Estado, etc) levará ao reino do crime e ao caos. Lang também, acertadamente, já alertava para o uso da tecnologia como meio de opressão.