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Claude Sautet (1924-2000)

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 16 de jul.
  • 4 min de leitura
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I want to surprise people with what they already know, by showing them some singular, people whose extremes of behavior can be recognized by others. People are enigmas, and I simply observe them.” – Claude Sautet



O diretor francês Claude Sautet inicia sua carreira com thrillers bem construídos no estilo noir. Mas foi fazendo um retrato agridoce da classe média francesa dos anos 1970, com estudos de caráter discretos, perceptivos e sensíveis de seus membros (especialmente dos de meia-idade), que ele alcançou sucesso, aclamado como mestre por gente como os diretores Jean-Pierre Melville e François Truffaut, e a crítica Pauline Kael.


Ele apresenta suas personagens de forma calorosa e convincente, demonstrando-lhes grande afeto e até um toque de cumplicidade. Problemas e motivações são sempre explicitamente estabelecidos, pois em seu realismo psicológico é o indivíduo, não o social, o foco de atenção. E uma sensação de melancolia e certa quietude permeiam seus filmes, uma deliberada lentidão lânguida que permite à audiência penetrar em seu mundo ricamente texturizado, que requer um olhar cuidadoso para seus detalhes.


Seus derradeiros filmes, já na década de 1990, falam da dificuldade das relações humanas, da necessidade de outras pessoas, da incapacidade das pessoas de forjar os laços que as aproximam.


Sem ser esteticamente revolucionário e tão pouco apegado às convenções cinematográficas, os filmes de Claude Sautet perduram como histórias pungentes e perspicazes que descrevem o mundo, muitas vezes sedutor, dos assuntos humanos.


Seguem comentários sobre os destaques de sua obra:


The Big Risk (1960): Criminoso em fuga (interpretado por Lino Ventura) precisa contar com seus antigos parceiros para escapar da polícia, mas terá que confiar num desconhecido (interpretado por Jean-Paul Belmondo). Um filme cínico e inteligente sobre honra entre ladrões. Noir apenas poucos degraus abaixo de Jean-Pierre Melville, onde o diretor já demonstrava seu apetite por elipses, clareza narrativa, emoções fortes e personagens marginais. Notar a delicadeza da cena onde a personagem de Ventura encontra-se com uma empregada no seu esconderijo: uma digressão tocante, desprovida de sentimentalismo, um momento de graça que, como muitas outras cenas, escapa do comando do enredo, mas é emocionalmente indispensável.


The Dictator's Guns (1965): Capitão (interpretado por Lino Ventura) é contratado para avaliar a compra de um iate e acaba envolvendo-se em uma trama misteriosa. Mais um noir do diretor que, segundo ele mesmo, aprendeu a dirigir vendo filmes de Raoul Walsh e Howard Hawks. Aventura entretida, grandes locações, boa música e o carisma de Lino Ventura.


The Things of Life (1970): Depois de um acidente quase fatal, engenheiro relembra sua vida até os momentos que antecederam o acidente. Sautet muda seu estilo e, em parceria com o roteirista Jean-Loup Dabadie, emplacaria um sequencia de quatro sucessos, catapultando sua carreira, e valendo-lhe a reputação de cineasta cronista da burguesia do seu tempo, um Balzac hodierno. The Things of Life é um filme poético, triste, com ênfase no sentimento e no pensamento, e não na ação; onde as coisas são sentidas mas ocultadas, em meias-palavras, mal articuladas – onde visualmente apreendemos as complexidades que as personagens não podem expressar. Excelente edição de Jacqueline Thiédot, ao ponto de Sautet destacar seu nome nos créditos ao final. Um filme brilhante.


Max and the Junkmen (1971): Dedicado detetive (interpretado por Michel Piccoli) decide se infiltrar num grupo de ladrões, mas ele pode estar indo longe demais. Um noir diferente, uma atraente trama sobre um homem obcecado pelo seu próprio código de justiça a ponto enlouquecer no caminho, rompendo radicalmente com a justiça estabelecida. A resistência às falhas e leniências judiciais é salutar, por vezes até justificando a justiça pelas próprias mãos, mas nunca contra inocentes.


César & Rosalie (1972): César (interpretado por Yves Montand) está apaixonado por Rosalie (interpretada por Romy Schneider), mas ela não o ama com a mesma intensidade, especialmente quando sua antiga paixão entra em cena. Claude Sautet mantém o equilíbrio perfeito entre comédia e drama, tornando a narrativa crível, mas não pesarosa de acompanhar. Montand entrega o seu melhor – exuberante, atraente, engraçado, imperfeito. Um filme simples, bonito e íntimo sobre o amor (com aquele jeito francês de complicá-lo). Destaque para a brilhante última cena que sem dizer nada diz tudo.


Vincent, François, Paul and the Others (1974): Três amigos enfrentam crises de meia-idade. Paul é um escritor bloqueado (interpretado por Serge Reggiani). François (interpretado por Michel Piccoli) perdeu seus ideais e pratica medicina por dinheiro. E Vincent (intepretado por Yves Montand) enfrenta a falência e o divórcio. O fabuloso elenco ainda conta com Gérard Depardieu e Stéphane Audran. O filme versa sobre um grupo de pessoas que se refugiam na amizade – o mundo ao seu redor despenca mas as amizades amortecem a sua queda. Sautet comanda a narrativa ritmicamente, como se fosse uma música melancólica e romântica.


A Heart in Winter (1992): Stéphane é um restaurador de violino emocionalmente distante, mas profissionalmente dedicado, cujo coração frio é testado quando a nova namorada de seu empregador, uma bela violinista, se apaixona por ele. O protagonista é um enigma: qual a razão para sua incapacidade de amar? Talvez haja aqueles que de alguma forma não conseguem amar, que nasceram desprovido ou perderam este presente divino. Podem ser pessoas plenamente funcionais e boas, mas têm algo danificado por dentro, e o amor, que pode curar tantas coisas, não faz parte de seu mundo para poder repará-lo.


Nelly & Monsieur Arnaud (1995): Bela jovem em processo de divórcio, encontra-se por acaso com recém-aposentado M. Arnaud, dando início a um estranho relacionamento. Um filme sobre relações humanas, sobre ennui, misantropia, sobre períodos em que alguém busca se proteger como se estivesse morando em uma fortaleza, sobre os momentos em que alguém não tem certeza sobre tudo na vida. Duas pessoas intrigadas com a noção de se tornarem amantes, mas detidas pelo medo da rejeição e pelo medo de envolvimento – a dificuldade é enviar uma mensagem que possa ser lida de uma maneira, se a resposta for sim e de outra maneira se a resposta for não. Último filme de Claude Satet que, com razão, não sentiu a necessidade de fazer outro.

©2019 by Cultura Animi

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