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O Mito de Caim e Abel

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • há 2 dias
  • 3 min de leitura
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Passado muito tempo aconteceu fazer Caim ao Senhor as ofertas dos frutos da terra. Abel também ofereceu das primícias do seu rebanho, e das suas gorduras. Olhou o Senhor para Abel e para suas ofertas; não olhou porém para Caim, nem para as que ele lhe tinha oferecido. E Caim se irou grandemente [...], investiu Caim contra seu irmão Abel e matou-o.” – Gênesis 4:3–8



A disputa entre Caim e Abel simboliza o embate entre o Tempo e o Espaço. Caim é lavrador, aquele que trabalha a terra, sujeito às estações, à espera da colheita – seu ofício é cíclico, preso à sucessão temporal. Enquanto Abel é pastor, leva os rebanhos a pastar onde melhor convier, vive na busca do melhor espaço. Assim, Caim representa o Tempo, e Abel o Espaço.


O Tempo é mudança, fluxo, história, ao passo que o Espaço é forma, o estado de ser. Sendo a disputa entre os irmãos o conflito entre o temporal e o eterno: Caim inveja Abel porque o sacrifício de Abel é aceito de imediato — isto é, o Espaço (Abel) é preferido por Deus ao Tempo (Caim).


Para Santo Agostinho o Tempo é a distensão da alma, o afastamento de Deus. O assassinato de Abel marca a passagem do tempo mítico (cíclico, sagrado) para o tempo histórico (linear, profano).Caim mata Abel, o Tempo destrói o Espaço — ou o homem histórico elimina o homem contemplativo. É a tragédia da humanidade após a queda: o mundo passa a ser dominado pelo trabalho, pela história, pelo progresso e pela culpa. Esse gesto inaugura o reino do Tempo, onde a vida se torna uma sucessão de dores e buscas, até que o sagrado retorne e restaure o equilíbrio entre tempo e eternidade.


Abel é a figura da graça, e Caim, a da necessidade. O mundo da necessidade é o reino do Tempo, onde tudo obedece a causas, pesos e sofrimentos. A graça, ao contrário, é do espaço espiritual, onde o ser se abre ao divino pela atenção e pela espera. Caim, é o símbolo da alma submetida à necessidade, ao peso da terra e da vontade própria. Abel, o da alma que se anula para receber o dom da graça.


“A graça desce apenas onde há espaço” – a graça divina só pode agir onde há espaço interior, isto é, desapego, esvaziamento do ego, abandono do “eu”. O pecado de Caim é ter preenchido o espaço interior com a vontade e a inveja, não deixando lugar para Deus.

Abel é o homem do espaço interior, o que habita poeticamente o mundo; Caim é o homem do tempo exterior, o construtor de cidades, aquele que, segundo o Gênesis, fundou a primeira urbe após o crime – o homem do tempo constrói o espaço físico para substituir o espaço sagrado perdido.


A disputa entre Caim e Abel é o mito do Tempo que destrói o Espaço, da história que perde o sagrado, mas também o prenúncio da reconciliação futura, onde o homem temporal reencontrará a dimensão eterna do ser – seria o retorno do homem histórico ao espaço poético do ser.



Seria a sensação atual de que o tempo passa cada vez mais rapidamente a retomada do Espaço sobre o Tempo? Prenúncio do fim deste ciclo temporal para um novo recomeço civilizatório?


(A história de Caim e Abe, é narrada na Bíblia no Gênesis 4:1–17)

©2019 by Cultura Animi

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