Sidney Lumet (1924–2011)
- Cultura Animi

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“While the goal of all movies is to entertain, the kind of film in which I believe goes a little further than that. It speaks to the best that is in us, and it tries to appeal to the constant struggle for decency in a world that often seems indifferent or hostile to it.”– Sidney Lumet
Formado em televisão, Lumet estreia no cinema com 12 Angry Man aos 33 anos, e ao longo de 50 anos acumulou 44 longas-metragens entre uma variedade de gêneros (drama, comédia, sátira, romance e até musical), sendo mais eficaz dirigindo psicodramas sérios. Sua obra foi errática: para cada filme que valesse a pena, havia um fracasso e, ocasionalmente, um desastre que o igualasse.
Seus melhores trabalhos apresentam situações conflitantes, na maioria das vezes explorando um mundo oculto e corrupto. Sem um estilo próprio marcante, Lumet era um técnico competente, principalmente com a câmera em movimento, que explorava diálogos dinâmicos, e, frequentemente, trabalhava com os melhores atores e roteiristas do ramo.
Seguem comentários sobre seus filmes mais importantes:
12 Angry Man (1957): Num julgamento de homicídio em Nova Iorque o júri está frustrado por um único membro que se recusa a definir o veredito de forma precipitada. Tem vários aspectos positivos, um elenco excelente, uma cinematografia que através de diferentes lentes e ângulos de tomada passa uma sensação claustrofóbica, e um clima tenso estabelecido apenas com diálogos, linguagem corporal e conflitos de personalidade. Baseado em peça teatral feita para a televisão por Reginald Rose que levanta relevantes questões sobre o sistema judicial. Porém não deixa de ser panfletário, criando uma implausível situação para indiretamente argumentar contra pena de morte.
The Pawnbroker (1964): Um penhorista judeu, vítima dos campos de concentração nazistas, perde toda a fé em seus semelhantes até perceber tarde demais a tragédia de suas ações. Baseado no romance homônimo de Edward Lewis Wallant. Um filme sobre como criamos nossa própria prisão. No início do filme, o penhorista está envolto em sua própria frieza – ele tentou desesperadamente não sentir emoção alguma, e conseguiu. A história do filme é como sua vida em Harlem derruba a muralha de gelo com a qual ele se cercou. Mas quando os eventos arrancam sua armadura, ele não descobre uma nova humanidade calorosa, mas um sofrimento mais agudo – exatamente aquilo de que sua armadura o protegia. Grande atuação de Geraldine Fitzgerald, e excelente trilha sonora assinada por Quincy Jones. Destaque também para o cenário da loja de penhores (assemelha-se a uma prisão), e o flash editing e jump cuts para introduzir as memórias reprimidas do protagonista.
Fail Safe (1964): Uma falha técnica envia bombardeiros americanos a Moscou para realizar um ataque nuclear. Poderá a guerra ser evitada? Eclipsado por seu contemporâneo, Dr. Strangelove de Stanley Kubrick, Fail Safe evita o humor negro daquele, optando por uma abordagem séria mesclando drama e psicose. Baseado no romance homônimo de Eugene Burdick e Harvey Wheeler. Este é mais um dos inúmeros livros e filmes que sugiram após a crise dos mísseis em Cuba (1962). A boa atuação do elenco mantém o suspense independente da ausência de efeitos especiais. Como em quase todos os filmes sobre o tema é impossível não notar a influência comunista em influir a ideia desarmamentista no imaginário popular ocidental.
The Hill (1965): Numa prisão militar inglesa no Norte de África durante a Segunda Guerra Mundial, cinco novos prisioneiros (com destaque para a personagem interpretada por Sean Connery) lutam para sobreviver face aos castigos brutais ordenados por certos guardas. O filme pode ser visto como uma crítica social/institucional, com a prisão como um microcosmo de estruturas sociais que corroeriam o indivíduo, ou como um retrato individual de sadismo. Na primeira leitura o filme resulta panfletário e falso, mas na segunda leitura teria o mérito de recordar a importância de dar comando a quem tem condição de exercê-lo. Mas o filme de destaca é pela cinematografia e edição: Lumet filmou com três lentes grande-angulares (24mm, 21mm e 18mm), distorcendo grotescamente os elementos em primeiro plano, que em conjunto com enquadramentos, forte contraste p&b, movimentos de câmera, e cortes secos (quase sem elipses) reforçaram a brutalidade, o calor e a tensão daquela prisão.
Serpico (1973): Um policial de Nova York (interpretado por Al Pacino) denuncia elementos corruptos dentro da força e sofre a revolta de seus companheiros. Baseado em fatos concretos relatados no livro homônimo de Peter Maas. Bom drama sobre força moral do individuo em um ambiente desregrado, evocando que quando o agir corretamente conflita com a conveniência política devemos aderir as leis de Deus, pois estas são sempre mais elevadas que as regras dos homens. Infelizmente o roteiro optou por um final cínico e deprimente em vez de exaltar o sacrifício e heroísmo de Serpico. Notar como Lumet registra a degradação psicológica do protagonista ao longo da narrativa.
Dog Day Afternoon (1975): Três ladrões amadores, liderados por Sonny (interpretado por Al Pacino), planejam assaltar um banco no Brooklyn, mas nada sai como planejado. Lumet dá ênfase no desenvolvimento das personagens, e os atores não deixam passar a oportunidade entregando performances que prendem a atenção mesmo num cenário restrito. O filme é uma ácida e merecida crítica ao papel desempenhado pela imprensa que busca transformar dramas reais em espetáculos midiáticos desenhados para angariar audiência. A imprensa distorce e amplifica a realidade, e busca criar heróis e vilões manipulando a opinião pública através da narrativa que definiu vender. Dog Day Afternoon é profético, já que tal expediente de exploração e linchamentos midiáticos assumiu proporções pandêmicas com as redes sociais. Lumet dirige o filme com grande dose de realismo, sem perder a tensão ou cair no melodrama.
Network (1976): O filme apresenta muitas facetas. A principal aparenta ser os maus valores apresentados pela televisão, onde vale-tudo na busca dos melhores índices de audiência. Vale tudo até o limite de interferir com os lucros do negócio, claro. Mas a televisão é apenas um objeto inanimado. Ela não pode ser boa ou má. O que leva os responsáveis a fazer qualquer coisa para aumentar sua audiência e, consequentemente, o lucro corporativo e pessoal? Esta pergunta crucial não entra em debate, já que roteirista e diretor preferem acusar o abstrato capitalismo como vilão. Porém escapam do ridículo ao incluir também esquerdistas e terroristas na mesma sanha gananciosa. E também não poupam a patética figura da mulher executiva fria, inescrupulosa e sexualmente libertina que tanto povoava a imaginação feminista naqueles anos. Mas o maior acerto está em incluir a própria audiência entre os culpados daquele estado de declínio moral. Mas a pergunta permanece, o que levou as pessoas a este comportamento?
The Veredict (1982): Um decadente advogado alcoólatra de Boston (interpretado por Paul Newman) luta contra um grande escritório de advocacia. O roteiro adaptado de David Mamet é uma jornada de recuperação da autoestima e redenção da personagem principal. Excelente filme de julgamento, valorizado por uma das melhores atuações de Paul Newman. Notar como Lumet filma Boston em sintonia com o estado anímico da personagem principal.
Before the Devil Knows You're Dead (2007): Dois irmãos (interpretados por Philip Seymour Hoffman e Ethan Hawke) organizam o assalto à joalheria de seus pais, mas o plano dá errado, desencadeando uma série de eventos devastador. Sombrio, deprimente, cínico e muito bem atuado e editado. Poderosa amostra do quanto a combinação de egoísmo e vitimismo desencadeia em insanidade e violência. Aos 83 anos de idade Lumet deixou neste seu último filme um testamento cinematográfico.


