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Petit Histoire de la Désinformation de Vladimir Volkoff

A informação é agora considerada a quinta dimensão da batalha ao lado das dimensões da terra, do mar, do ar e do espaço.” – David Bouden (historiador)



A desinformação não é reter informação, é manipular a opinião com informação que por vezes é falsa, por vezes verdadeira, mas apresentada de forma manipulada. Desinformação é como um desencontro, uma disfunção. Mas o termo desinformação tornou-se comum e, infelizmente, somos obrigados a trabalhar com uma palavra que por si só é desinformante.


Durante muito tempo, as técnicas de desinformação e a própria existência da desinformação foram escondidas do público em geral. Hoje, a palavra está na boca de todos, mas é mal utilizada, por isso o público continua desinformado, não porque não saiba que ela existe, mas porque acredita que é algo diferente do que é. Muitas vezes ouvimos as pessoas, em tom de brincadeira, dizerem: “Não vou te desinformar” para dizer “Não vou mentir para você”. Mas a desinformação é algo diferente da mentira. O que é difícil de compreender é que a desinformação pode muitas vezes recorrer a mentiras, mas por vezes também recorre à verdade. No entanto, a verdade é tão bem manipulada que somos desinformados através dela – os fatos são verdadeiros, mas são apresentados de forma completamente falsa.


Foram os comunistas os primeiros a refinar as técnicas de desinformação, precisavam de uma palavra para nomear este método e esta palavra apareceu nos dicionários russos no início da década de 1940. Foi Volkoff o primeiro a utilizá-la na França num romance bastante didático sobre estes métodos: Le Montage publicado em 1981.


As técnicas operacionais de desinformação são tão antigas quanto o tempo. A desinformação conhecida ou ignorada coloca em perspectiva momentos-chave da história humana: o mítico cavalo de Troia, a Encyclopédie iluminista, a colonização espanhola, as aldeias Potemkin, a Revolução Francesa, a guerra de 1870 e o despacho de Ems, a Revolução Russa, o nazismo de Goebbels, a Guerra Fria, a guerra na ex-Iugoslávia, a lista é interminável.


O primeiro teórico da desinformação foi o general chinês Sun Tzu que viveu no século VI a.C.. Para ele a desinformação era uma forma de influenciar o moral do inimigo, ele dizia que um bom general é aquele que não precisa desembainhar o sabre porque convenceu o adversário a desistir de lutar – a filosofia da desinformação é tão antiga quanto o tempo. Depois, esta técnica foi redescoberta quando a opinião pública começou a ter maior importância, e os manipuladores, agitadores, etc., perceberam que o sucesso dependia do controle da opinião pública. Todas as técnicas de manipulação da opinião pública são um legado de Sun-Tzu:


A arte suprema da guerra é subjugar o inimigo sem lutar.


Toda a arte da guerra é baseada no engano.


O refinamento supremo é atacar os planos do inimigo.


Desacredite tudo o que há de bom no país adversário.


Espalhe a discórdia e o conflito entre os cidadãos do país adversário.


Incite os jovens contra os velhos. Ridicularize as tradições do seu oponente.


Enquanto houve apenas boca a boca, a desinformação foi muito limitada. O advento da imprensa escrita facilitou a disseminação da desinformação. Em seguida vieram outras ferramentas uteis à desinformação: rádio, televisão, Internet, e tudo mais ligado à informática. A desinformação através de imagens é mais eficaz que a com uso de palavras, pois cria emoções mais facilmente – a foto de uma menina estripada em uma imagem nos afeta mais do que se dissermos as palavras “menininha estripada” (atenção também com a iconomaquia e a logomaquia).


Jacques Merlino (jornalista e apresentador de telejornal): “Qualquer pensamento que demore mais de um minuto para se desenvolver é excluído de um noticiário televisivo.


Patrick Poivre d'Arvor (jornalista e apresentador de telejornal): “Estamos aqui para dar uma imagem suave do mundo.


Thierry Régnier (especialista em monitoramento da Internet): “Dominar os canais de circulação da informação, difundir o mais amplamente possível os próprios pontos de vista para que prevaleçam, adaptar constantemente os métodos e ferramentas de processamento da informação são, portanto, todos elementos importantes a dominar para o controle de um dos grandes teatros da guerra de informação: a Internet.”


François Géré (historiador especialista em geoestratégia): “A Internet baseia-se menos na qualidade da informação do que na capacidade de cristalizar opiniões difusas. Crenças também se formam através da rede. O importante é, portanto, a fidelização através do site.


A palavra “mídia” é a contração de uma palavra inglesa que vem originalmente da palavra latina medium que significa meio (de fazer algo). O desenvolvimento da sociologia e do processamento de dados ampliou os meios de influenciar as massas, gerando a expressão “mass media” ou “meio de comunicação social”.


Os meios disponibilizados ao desinformante crescem exponencialmente e a importância da desinformação cresce na mesma proporção, principalmente no mundo democrático, pois a opinião pública num regime democrático é muito mais importante do que num regime autoritário. Luís XIV não precisou influenciar a opinião de ninguém para lutar contra os espanhóis, ao passo que, no nosso tempo, nenhum governo pode mais fazer isso sem o apoio da opinião pública. Portanto, as operações de desinformação são dirigidas não apenas contra um possível adversário, mas contra o próprio povo visando a implementação de planos governamentais – desinformação é a forma de orientar a opinião pública na direção que o Estado deseja. Os Estados compreenderam quão útil a desinformação pode ser para eles, e é importante que o desinformante desinforme sobre a desinformação – daí o engodo das fake news e as campanhas de censura das mídias sociais.


O sociólogo Roger Mucchiéli (1919-1981) aborda a desinformação em seu livro La Subversion (1971), podendo-se dizer que a desinformação é uma das ferramentas da subversão. Mucchiéli mostra que durante séculos, em todos os conflitos, houve sempre o desejo de influenciar a moral do adversário, e a presença de operações de desinformação para fins militares. Agora, em parte devido à existência de armas nucleares, já não existem grandes guerras, e os pequenos conflitos armados são colocados ao serviço da desinformação sem que a desinformação seja colocada ao serviço destas lutas. O conflito exprime-se sobretudo através de uma manipulação da opinião pública, sendo, por vezes, útil gerar ou explorar um conflito armado em prol da manipulação. Mucchiéli:


O importante não é a realidade, mas o que as pessoas acreditam.


Encontrar as palavras certas é mais importante do que analisar dados objetivos.


Não há manipulação possível sem um perfeito conhecimento (intelectual, psicológico e enfático) do grupo a ser subvertido. Isto, somado ao claro domínio das técnicas de manipulação, permite garantir a credibilidade daquilo que queremos que as pessoas acreditem.


Um fato não é informação, só se torna informação quando um informante o informa a alguém. Não existe objetividade quando se trata de informação – informação nunca é 100% verdadeira. A informação é em si uma mercadoria adulterada.


Os militares reconhecem a diferença entre informação e inteligência. Quando coletamos qualquer informação, ainda não é inteligência porque pode ser falsa. Primeiro recolhe-se a informação, depois se avalia sua qualidade, verossimilhança, credibilidade, e somente então se considera como inteligência eventualmente plausível e explorável – deve-se sempre ter em mente a diferença entre informação e inteligência, sendo que esta última quase nunca é absolutamente garantida.


Vladimir Volkoff define a desinformação como sendo uma manipulação da opinião pública, não é uma mentira, não é a lavagem cerebral de alguém com poder de decisão. A lavagem cerebral é reservada como artifício de guerra, tentando enganar o adversário. A desinformação é destinada à manipulação da opinião pública. Uma pessoa não pode desinformar uma única pessoa, são necessários centenas de milhares de ouvintes, telespectadores, leitores, etc.; é necessário um volume crítico com um denominador comum, i.e. uma determinada opinião. Além disso, não se pode desinformar um japonês, um sudanês e um esquimó ao mesmo tempo; mas podemos desinformar os japoneses, ou desinformar os sudaneses, ou desinformar os esquimós. Precisa-se de um volume crítico com um denominador comum que seja étnico, social ou profissional, etc.


Voltaire: “Agitar as consciências, preparar a opinião.


A manipulação da opinião pública é o primeiro elemento.


O segundo elemento é a orientação da desinformação para fins políticos. As operações publicitárias não são operações de desinformação: quando dizem que determinado detergente lava mais branco, trata-se de uma manipulação para fins publicitários, para fins comerciais; portanto não é desinformação, é publicidade e não importa se esta publicidade é falsa ou verdadeira, em qualquer caso não é desinformação.


O terceiro elemento, insiste-se, é que desinformação se consiste numa espécie de falsificação da informação, e na utilização de meios indiretos de transmissão desta informação; caso contrário a propaganda ou qualquer publicidade eleitoral seria também uma operação de desinformação: também são manipulação da opinião pública, tem fins políticos, mas não opera por meios indiretos no tratamento da informação. A propaganda é uma técnica separada, podendo ser verdadeira ou falsa. É uma forma de influenciar a opinião pública apresentando elementos que não estão ocultos, que não estão dissimulados ou falsificados.


Joseph Goebbels (1897-1945):


Uma mentira repetida mil vezes continua sendo mentira, uma mentira repetida um milhão de vezes torna-se verdade.


Propaganda não tem nada a ver com a verdade.


Tocar a alma popular como se toca piano.


A propaganda que leva ao sucesso é boa, mas a propaganda que erra o seu objectivo é má, por mais inteligente que seja, porque a missão da propaganda não é ser inteligente, mas sim obter sucesso.


Pode-se facilmente desinformar as pessoas com informações verdadeiras, basta apenas apresentar um dos lados da questão em pauta. Esta é talvez a desinformação mais perigosa porque é a mais difícil de contestar. Quando pegamos informações verdadeiras e as distorcemos, começamos a entrar na verdadeira arte da desinformação.


Um dos sintomas mais significativos para diagnosticar operações de desinformação é quando todos começam a dizer a mesma coisa, porque é completamente antinatural que as pessoas digam exatamente a mesma coisa.


Outro sintoma é quando tentamos fazer o público acreditar que existem só pessoas boas de um lado e só pessoas más do outro. Mas nunca todas as pessoas boas estão de um lado e todas as pessoas más do outro. O maniqueísmo é sempre um sintoma de desinformação.


Uma operação de desinformação é sempre feita em benefício de alguém. Existe um cliente, muitas vezes é um governo, pode ser também uma associação, uma empresa ou um partido político, que acionou uma agência para operar a desinformação.


Até o programado desmanche da União Soviética, a maior parte das principais operações de desinformação foram realizadas em benefício do estado soviético e seus satélites. O agente era o Departamento A da KGB, especializado no que os soviéticos chamavam de medidas ativas, que era um codinome para operações de desinformação. A CIA não possui departamento semelhante; mas, segundo a tradição americana, subcontrata empresas de comunicação ou de relações-públicas: empresas que não escondem que a sua função é a desinformação.


O agente inicialmente realiza um estudo de campo para descobrir qual tema de desinformação funcionará nesta ou naquela população-alvo para atender a um determinado objetivo definido pelo cliente. Então o tema é lançado não diretamente pela agência, mas sob a cobertura de outra organização, e depois entram em operação as caixas de ressonância, por exemplo, a imprensa escrita, falada ou televisiva. Várias opções se apresentam: ou a imprensa está a serviço do desinformante; ou é comprada; ou ela é enganada por ser ideologicamente alinhada com o conteúdo da desinformação; e até as mídias teoricamente honestas que não verificam a informação e repetem o que pensam poder agradar ao público, o que pode despertar interesse, o que é sensacional.

Léon Daudet (jornalista): “A chamada liberdade de imprensa só serve para conectar jornais aos homens de negócios.


O papel das caixas de ressonância é repetir o tema indefinidamente até conquistar ao público. O objetivo é criar uma psicose coletiva, uma onda de mimetismo, fazer com que as pessoas tenham prazer em repetir certas informações e que busquem mais dela para seguir repetindo – o público torna-se a maior caixa de ressonância. Este é o momento em que as negações não servem absolutamente para nada, podemos dizer que fomos enganados, que fomos desinformados, mas o público, pelo contrário, volta a pedir os mesmos temas já propagados – quando o público busca avidamente saber mais (pela mídia) sobre o tema é porque a operação foi bem realizada. Acontece muitas vezes que uma operação de desinformação não tem sucesso, pois público não se interessa e não busca saber mais.


O politicamente correto é uma moda extremamente prejudicial, é uma forma de destruir o pensamento individual. Quando há modas de pensamento, já não há liberdade em termos de vocabulário, por exemplo, não devemos dizer empregada doméstica, devemos dizer técnica de limpeza, não devemos dizer aborto mas sim interrupção voluntária da gravidez, não devemos dizer vagabundo mas sem teto, temos todo um vocabulário que nos impede de chamar as coisas pelo nome – somos sistematicamente mal-informados por esse vocabulário que estupidifica.


Uma ótima maneira de evitar ser desinformado é confrontar pontos de vista opostos, mas atualmente os pontos de vista opostos estão sendo suprimidos pela grande mídia, ou se desqualifica um ponto de vista em particular demonizando a pessoa que procura expressá-lo. Entendemos que a mídia praticamente só exibe o que ela quer ou é paga para exibir, e não temos tempo de buscar as fontes primárias – esta é uma das grandes tragédias do nosso tempo. A solução está em fazer o melhor possível, e ter muito cuidado para não cair na armadilha de repetir o que se escuta sobre assuntos que não dominamos. Devemos evitar o óbvio, evitar repetir coisas propagadas nos grandes meios de comunicação.


A melhor visão da televisão nos foi dada por Lênin, que foi um grande desinformante, um grande manipulador de opinião e que simplesmente disse: “Diga-lhes o que eles querem ouvir.” Ter muito cuidado com as coisas que nos fazem felizes – sempre que dizem o que queremos ouvir, temos que nos perguntar se não estão tentando nos enganar. E também não sair repetindo coisas e atacando pessoas ou ideias só porque pensamos não sermos diretamente afetados pelo tema, pois isto é ser covarde e maldoso.


Não se deve falar sobre o que não se sabe, só deve se expressar quem for competente na área, e não calar se possuir algum dado confiável – o desonesto intelectual diz saber o que não sabe, mas também diz não saber o que sabe. Guarde as meras opiniões para si mesmo, e repasse dados confiáveis às pessoas que possam fazer algo de útil a respeito. Vivemos num mundo onde a informação é absolutamente abundante e, portanto, na maioria das vezes completamente inútil. Devemos insistir na qualidade da informação – deve haver respeito pela inteligência, respeito pela informação, respeito pela pessoa.



 


Notas


  • Vladimir Volkoff (1932-2005) nasceu em Paris, França, filho de imigrantes russos.

  • Formado em literatura pela Sorbonne e doutor em filosofia pela Universidade de Liège, Volkoff trabalhou como agente de informação para o exército francês e escreveu inúmeros romances, biografias e ensaios sobre desinformação.

  • Petit Histoire de la Désinformation foi publico em 1999.

  • A desinformação é uma técnica que pode ser aprendida.

  • A demonização é frequentemente usada como desinformação, assim como o maniqueísmo.

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