Meditações de Marco Aurélio
- Cultura Animi
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“Viva cada minuto como um romano – como um homem – fazendo o que está à sua frente com precisão e seriedade, com ternura, voluntariamente, e com justiça. E liberte-se de todas distrações. Sim, você pode – se você fizer tudo como se fosse a última coisa que você fará em sua vida, e pare de ficar sem rumo, pare de deixar suas emoções substituir o que sua mente diz a você, pare de ser hipócrita, egocêntrico, irritado. Você vê como são poucas as coisas necessárias para levar uma vida satisfatória e reverente? Se você pode realizar isto, os deuses nada mais poderão pedir a você.” – Marco Aurélio
“Quando você se levantar de manhã, pense no privilégio que é estar vivo – respirar, pensar, desfrutar, amar.” – Marco Aurélio
“Sua felicidade depende da qualidade de seus pensamentos.” – Marco Aurélio
“Considerando que é possível tu deixares esta vida a qualquer momento, administra cada ato, palavra e pensamento em consonância com isso.” – Marco Aurélio
Marco Aurélio é uma daqueles marcos consoladores e inspiradores de esperança, que permanecem ao longo do tempo para lembrar nossa raça fraca e facilmente desencorajada de quão alta a bondade e perseverança humana já foram elevadas e podem ser elevadas novamente. O interesse da humanidade é particularmente atraído por exemplos de bondade vindos de cima; e este exemplo é particularmente marcante quanto vem dos poderosos que tinham todos os meios de prazer e autoindulgência ao seu dispor – Marco Aurélio comandava o maior império que já existiu, e foi um dos melhores homens. Meditações, o registro que mais contribuiu para sua fama, são anotações pessoais que refletem principalmente sua vida interior.
O livro foi escrito para si mesmo. Mas provou ser um legado duradouro, um reflexo de uma vida ética tão aplicável hoje como era há quase 2.000 anos atrás. As meditações de Marcos Aurélio apresentam o culminar da corrente do pensamento estoico e sua crença de que Deus é único, todo-poderoso, onisciente, bom, e justo – o vértice do pensamento grego com relação a divindade, o destino, e a distinção entre o bem e o mal.
O grande tema de Meditações é o sentido da vida. Para tanto Marco Aurélio começa com Deus e destino. Ele acreditava na existência de Deus e que mesmo a pessoa mais irritante faz parte desse mesmo Deus e tem a mesma faísca divina. Cada pessoa tem uma alma e essa alma participa da essência de Deus. Deus decretou um destino para todos.
Os escritos de Marcus Aurelius representam o desenvolvimento de um tema encontrado em Homero: o Zeus da Ilíada passou de ser um rei caprichoso e lascivo para ser um deus da sabedoria. Os estoicos ensinavam que Deus é o universo e é totalmente bom, totalmente beneficente e onisciente. Eles também acreditavam que Deus deu a cada indivíduo uma alma e decretou um destino particular para cada indivíduo – ideia monoteísta que abriu o caminho para a expansão do cristianismo. O Deus dos estoicos era a ideia de Deus para Marco Aurélio. Era um Deus que pode ser chamado de Natureza, Providência ou Razão.
Marco Aurélio acreditava que um destino havia sido estabelecido para cada um de nós e que todos os indivíduos deveriam cumprir da melhor forma possível seus destinos. Se um indivíduo acreditava em “ordem ou átomos” era irrelevante. Uma pessoa pode acreditar que a ordem existe no universo (estoicismo) ou que o universo consistia em uma colisão aleatória de átomos (epicurismo). Essa crença, no entanto, não muda a maneira como se deve viver. Ele acreditava que o bem e o mal existem no mundo, e que a sabedoria está em entender que toda pessoa é um veículo para fazer o bem.
A sabedoria está em entender que podemos controlar apenas nossas mentes, o que pensamos com nossas mentes e nossas ações com base nesses pensamentos. Ninguém pode controlar a mente de outra pessoa. As ações dos demais não prejudicam um indivíduo, pois o que importa é a opinião do indivíduo sobre essa ação – um indivíduo é prejudicado apenas se ele acreditar que foi prejudicado.
As pessoas não têm controle verdadeiro sobre sua propriedade, outras pessoas ou mesmo sua própria reputação. Deus controla todos os eventos, Ele é como o piloto de um grande navio que deixou uma pessoa na praia – quando Ele chama, a pessoa deve retornar a Ele. A verdadeira felicidade está em nosso reconhecimento de que todas as coisas acontecem de acordo com a vontade de Deus. Tudo o que acontece é bom, porque Deus não permitiria que algo acontecesse se não fosse bom. Assim, aceitamos nossos papéis na vida e os eventos que acontecem conosco, seguros em nossa própria fortaleza interior do autoconhecimento – o sábio é autossuficiente.
Todos temos um dever a cumprir. Marco, que queria ser filósofo (amante da verdade), tinha um dever como imperador. Seu papel era cumprir esse dever da melhor maneira possível, porque Deus o chamou para cumprir esse dever. Após a morte, uma pessoa se transforma em átomos e desaparece. Uma pessoa é um mero indivíduo, um átomo no universo. A alma não perdura. A glória não importa. O que importa é se um indivíduo cumpriu seu dever designado com o melhor de sua capacidade.
Para Marco Aurélio, assim como para Sócrates, os valores absolutos para viver uma vida digna incluem os seguintes:
Verdade: a verdade é um valor absoluto. Algumas coisas são verdadeiras em todos os lugares e tempos. Resistir ao mal, por exemplo, está sempre certo.
Justiça: a justiça consiste em tratar os outros como se gostaria de ser tratado. “Faça aos outros o que você faria com você mesmo” resume esse conceito de justiça.
Coragem: coragem significa defender a justiça.
Moderação: nada deve ser feito em excesso.
Sabedoria: a sabedoria permite que uma pessoa saiba o que é a justiça, reconheça quando a coragem é necessária e faça o que é certo.
Aqueles valores universais – que são encontrados na literatura de todos os lugares e em todas as eras – eram, para Marco Aurélio, a maneira de viver uma vida em liberdade. A educação (sabedoria) é, em última análise, liberdade, liberdade de não se preocupar com este mundo e se livrar do medo da morte. Segundo Marco Aurélio, o medo da morte implicaria conhecimento em uma área sobre a qual as pessoas nada sabem. A morte é tão natural quanto a vida.
Para Marco Aurélio, tudo era entendido em termos de Deus, destino e aqueles valores universais. A justiça era a essência de seu papel como imperador. Ele acreditava que o poder, a honra e a ambição eram falsas ideias que levavam as pessoas a se desviarem. O poder, por exemplo, não é importante. O desejo de ter poder, obtê-lo e mantê-lo é um objetivo falso, porque o poder desaparece após a morte. Ele sonhava com um império em que os indivíduos eram livres para viver como escolhessem e seguir suas ambições. Ele afirmou: “Sonho com um mundo em que todos são prósperos e todos podem cuidar de seus filhos e no qual não há guerra”. Sua ideia de governo era de igualdade perante a lei, exercida considerando a igualdade de direitos e a igualdade de liberdade de expressão, e de uma realeza defensora, acima de tudo, da liberdade dos governados. Além disso, ele acreditava que o mundo é belo e repleto da glória de Deus.
Com relação a sua vida exterior, destaca-se no primeiro livro os comentários sobre sua educação, os nomes daqueles que contribuíram na sua formação, e as obrigações que Marco Aurélio assume ter com eles – a base educacional sadia, que precisa acontecer em algum lugar, pois sem a qual a humanidade seria impossível. Lendo as referência aos seus professores gregos entendemos o quanto a humanidade deve a Grécia Antiga. E o valor dado por ele a família é incomensurável.
A filosofia encontrada em Meditações pode ser assim resumida: “Levante-se de manhã, cumpra o seu dever e aprecie o que está ao seu redor. Este é o significado da vida”. O objetivo da educação, Marco Aurélio acreditava, é permitir que as pessoas entendam seu dever, encontrem suas tarefas designadas e as realizem da melhor maneira possível.
Outras virtudes destacadas por Marco Aurélio incluem a impassibilidade, a simplicidade, a benevolência, o espírito comunitário e a resignação. A prática das virtudes significa o total repúdio aos vícios e ao mal em geral. É a resignação diante de todos os fatos e acontecimentos, o acatamento do que é determinado pela Providência e pela natureza, a impassibilidade e indiferença diante das coisas mundanas (prazeres, dores, riqueza, glória, honrarias, etc) e a benevolência para com todos.
O homem ainda deve ser devoto a Deus e deve obediência as leis. E todas suas ações virtuosas devem ter em vista o interesse da comunidade e não do indivíduo, pois ele existe enquanto membro da comunidade e não isoladamente.
O objetivo dos sistemas morais (éticos) é tomar posse da vida humana, salvá-la de ser abandonada à paixão ou à sorte, é alcançar a liberdade, estabelecendo-a na prática da virtude; e este objetivo que se procuram alcançar prescrevendo à vida humana princípios de ação e regras de conduta. Em seus momentos de indiferença, bem como em seus momentos inspirados, em seus dias obscuros e apáticos, bem como em seus dias de sol e energia, a vida humana sempre tem uma trilha a seguir, e pode estar sempre caminhando em direção àquele objetivo.
Mas as regras morais, apreendidas como ideias primeiro e depois seguidas rigorosamente como leis, são apenas para o sábio. A grande maioria da humanidade não tem força de intelecto o suficiente para apreendê-las claramente como ideias, nem força de caráter suficiente para segui-las estritamente como leis. A massa da humanidade pode ser levada ao longo de um curso cheio de dificuldades apenas pela maré de uma emoção alegre e satisfatória. É impossível ler Marco Aurélio sem sentir-se constrangido e melancólico, sem pensar que o peso colocado sobre o homem é maior do que ele pode suportar.
Por isso, ele insistem na necessidade de uma inspiração, uma sublime emoção, para a realização moral desejada – a virtude suprema da religião é conflagrar a moralidade. A religião levou os sábios ao longo do duro caminho, e também pode levar o homem comum ao longo dele.
Notas
Marco Aurélio (121-180 d.C.) nasceu em Roma.
Após a morte de Antoninus Pio (seu tio e pai adotivo) em 161 d.C., Marcus Auréliotornou-se imperador, cargo que ocuparia até sua morte. Era dever do imperador proteger os direitos e privilégios individuais, e criar paz e prosperidade para Roma.
Como imperador, Marco Aurélio passou grande parte de sua vida em campanha para proteger as fronteiras de Roma. Ele escreveu suas meditações em grego, inicialmente intituladas “pensamentos para mim” (Ta Eis Auton), à noite em sua barraca.
O estoicismo, escola filosófica fundada por Zenão de Cítio (380 a.C.), apontava a virtude como o único bem, sendo o homem virtuoso aquele que pode atingir a felicidade – uma tese socrática. O homem que alcança a felicidade é independente e liberto das coisas exteriores. É aquele que alcança o pleno domínio de si mesmo, i.e. aquele que sofreia as suas paixões e as suas emoções. Para os estoicos tudo quanto há e existe obedece a uma Razão do Mundo – a ordem racional do universo. O homem sábio, e também o virtuoso, é o que segue essa lei racional, regulando sua vida por ela.
Marco Aurélio faz parte do período denominado estoicismo novo, cujas principais figuras, além dele, incluem, entre outros, Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) e Epicteto (50-138 d.C). O estoicismo desta época é principalmente de índole moral e religiosa.
As sentenças de Sêneca estimulam o intelecto, as de Epicteto fortalecem o caráter, e as de Marco Aurélio tocam a alma.
O pensamento de Marco Aurélio guarda grande afinidade com o Cristianismo – um precursor dos cristãos. Porém, ele não coibiu a perseguição aos cristãos, então ainda pouco compreendidos e vistos como elemento de dissolução da ordem vigente.
Para Marco Aurélio a mente deve ser treinada através da meditação e da contemplação, pois somente elas levam ao entendimento.
Thomas Jefferson entendia Meditações como um livro de ética comparável ao Novo Testamento.