Personagens Principais Vicêncio – duque (Espírito) Ângelo – governador na ausência do duque (Homem) Escalo – antigo conselheiro, amigo de Ângelo Cláudio – gentil-homem Lúcio – tipo folgazão (Lúcifer – Diabo) Isabela – irmã de Cláudio (Alma Humana)
Personagens Secundárias Bernardino – prisioneiro dissoluto Julieta – noiva de Cláudio Mariana – noiva de Ângelo Elbow – oficial de justiça simplório Mistress Overdone – alcoviteira Pompeu – criado de mistress Overdone Tómas e Pedro - monges
Interpretação Esta peça vai muito além da contraposição da justiça com a paixão, da clemência frente ao exercício bruto da justiça (nada melhor que Eumênides de Ésquilo para entender está questão).
Tudo começa com a partida de Vicêncio (Espírito – figura do governante, pai), deixando Ângelo (Homem) cuidando da sua obra. Simbolicamente replica-se a castração de Urano na Teogonia ou o descanso de Deus no sétimo dia no Gênesis.
Cláudio comete o pecado que todos compartilham – o pecado original – e Isabela (Alma Humana – Consciência Moral) atenta salvá-lo junto a Ângelo. Ironicamente este a deseja (a Terra deseja o Céu – Ângelo deseja Isabel porque ela é pura), mas a deseja de forma ilegítima (chantagem).
Vicêncio, porém, volta disfarçado de frade (humilde com Cristo) e provoca através da providência um processo iniciático (tomada de consciência sobre si mesmo neste mundo – a justiça divina sempre é iniciática) para todos. Será preciso que Ângelo aprenda que não é Deus e Isabela entenda a natureza humana e deixe de ser radical. Ela demonstra ter evoluído ao perdoar Ângelo mesmo acreditando que Cláudio estava morto. Ambos buscavam uma perfeição que não é humana, só Deus é perfeito.
No final recupera-se a ordem com o casamento do Céu (Vicêncio) com a Terra (Isabela).
No mundo atual, Ângelo e Isabela (antes de passarem pelo processo iniciático) é que governam o mundo. São as personagens que acham que é possível produzir uma autonomia humana – pessoas que se acreditam acima do bem e do mal, e que produzem as maiores desgraças. Mas Deus segue agindo indiretamente através da Providência.
Notas
William Shakespeare (1564-1616) em Stratford-upon-Avon, Inglaterra. Era católico num mundo protestante.
Shakespeare escrevia, dirigia, produzia e atuava em suas peças. Deixou-nos a maior obra teatral do mundo moderno.
Medida por Medida foi representada pela primeira vez em 1604. A inspiração para esta sombria comédia parece ter vindo do romance de Hecatommithi de Cinthio, um italiano.
Para Samuel Taylor Coleridge, grande escritor, grande poeta e um grande crítico literário, Medida por Medida é a mais dolorosa das comédias de Shakespeare. Para Otto Maria Carpeaux é a mais profunda. Segundo Martin Lings, o enredo trata de uma cidade corrupta centrada em sua prisão.
O número absurdo de assassinatos no Brasil não é produto da miséria material, mas sim da destruição da consciência moral. Os intelectuais que defendem a tese materialista são os maiores culpados desta destruição e ainda difamam os pobres que trabalham muito mais do que eles.
Citações famosas: “Ai de mim! Todas as almas, no passado, estavam condenadas também; mas o que tinha poder para puni-las soube dar-lhes remédio. Onde estaríeis se Ele, acaso, que é o supremo Juiz, fosse julgar-vos pelo que sois apenas? Pensai nisso e a Clemência da boca há de brotar-vos, como do primeiro homem.” – Isabela (faz contraposição entre justiça e misericórdia). “Isso é certo no céu, não cá na terra.” – Isabela (a perfeição humana não é possível) “O que no capitão é uma palavra colérica, é blasfêmia no soldado.” – Isabela (o homem não é Deus) “Contas certo com a morte; desse modo, tanto ela como a vida se tornarão mais doces.” – Duque (iniciando discurso sobre a morte) “Dialogai com a vida deste modo: Em te perdendo, perderei o que os tolos, tão-somente, cuidam de preservar. Só és um sopro submetido às influências mais variadas do tempo, que visitam a toda hora tua casa com aflições. És simplesmente um joguete da morte, pois só cuidas de evitá-la e não fazes outra coisa senão correr para ela. Não és nobre, pois quanto de conforto podes dar-nos se nutre de baixezas; nem valente podes chamar-te, ao menos, pois tens medo do dardo brando e frágil de um gusano (verme que gruda no casco do barco) mesquinho. Teu melhor repouso é o sono, que invocas tão frequente; no entretanto, mostras pavor insano de tua morte, que outra coisa não é. Tu não és tu, pois vives em milhões de grãos nascidos da poeira. Feliz, também não és, pois só cuidas de obter o que te falta, olvidando o que tens. Não és constante, porque tua compleição, segundo as fases da lua, está sujeita a variações. Se és rica, és pobre; porque tal como o asno vergado sob o peso de tanto ouro, só levas tua riqueza uma jornada, vindo a morte, depois, descarregar-te. Amigos não possuis, porque tuas próprias entranhas, que por mãe te reconhecem, e até mesmo o que os rins verter costumam, o reumatismo, as úlceras e a gota te amaldiçoam por não darem cabo logo de ti. Não tens nem mocidade nem velhice, não sendo, por assim dizer, mais do que um sono após a sesta, que sonha com ambas, porque é tão ditosa juventude envelhece à força, apenas, de suplicar esmolas à impotente decrepitude. Quanto és velha e rica, careces de afeição, calor, beleza, que os bens te tornem gratos. Que merece, pois, o nome de vida nisso tudo? Mais de mil mortes essa vida oculta; no entanto temos tanto medo à morte, que é o que, no fim da conta, tudo iguala.” – Duque (descrição do que é a vida – representa o pensamento metafísico de Shakespeare)
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