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Lições de Abismo de Gustavo Corção


Duas coisas existem, duas grandes categorias: o eu e o não-eu. Essa é a primeira intuição. – José Maria em busca de gnothi seauton


Personagens Principais José Maria – professor de filosofia, doente terminal, 50 anos, narrador

Personagens Secundárias Eunice – ex-esposa de José Maria, abandonou-o há 10 anos Raul – filho ausente de José Maria (André) e Eunice Dr. Aquiles – médico que diagnosticou o câncer de José Maria André – primeiro marido de Eunice


Interpretação O autor une ensaio e ficção numa narrativa em que Deus tem, pela sua quase ausência, uma grande presença. O assunto do livro é o problema moral, social e também metafísico de “um-homem-que-sabe-que-vai-morrer” refletindosobre sua vida e assim galgando um novo patamar de consciência – como a personagem Ivan Ilitch de Tolstói.


José Maria, homem dotado de capacidade e vivência intelectual, vai olhar para a vida – e para a morte – sem a histeria de um desvairado, sem o temor de encontrar o nada, mas com a vontade de entregar-se nas mãos de Deus. Mais que revisar sua vida, erros e acertos, a personagem pergunta-se o que não fez?


A resposta é não ter conhecido a si mesmo, não ter vasculhado os rincões de sua alma, e evitado a mistura com as outras almas (“A história de minhas omissões, toda a minha história cabe nestas poucas palavras: um insensato horror à mistura.”) – a busca de uma pureza sem o contato com a miséria do mundo e suas próprias falhas o fez apenas mais miserável, distante de si e mais ainda do outro.


Não só o risco de isolamento abate quem não perscruta sua alma, pode-se também perder-se no coletivismo e nas frivolidades da moda – um autômato cujo pensamento é comandado de fora para dentro, pela mídia, pelas redes sociais, por uma desregulada necessidade de aprovação pelo outro (“O coletivismo de que morre o mundo, e de que vivem os novos aventureiros, é a teoria do ajuntamento sem unidade; é a tentativa de encontrar significado na multidão, já que não se consegue descobrir o significado de cada um; a conspiração dos que se ignoram; a união dos que se isolam; a sociabilidade firmada nos mal-entendidos; o lugar geométrico dos equívocos.”).


A grande lição deste abismo é não deixar para a “undécima hora” o autoconhecimento. Conhecer a si mesmo é necessário para assegurar entender que há uma ordem no mundo, que tudo é sujeito a Previdência, que cabe a nós encontrar o sentido de nossos logros e fracassos, nossas bençãos e dores.


“Não sou eu que vivo, és Tu que vives em mim”… só assim entenderemos a condição trágica da vida humana, só assim, encontraremos paz em nosso âmago, só assim seremos felizes, e mais importante, só assim poderemos realmente amparar aqueles que de nós dependem.

 

Graças ao conhecimento do outro que, mediante o amor, o casamento permite, renova-se e aprofunda-se o conhecimento de si. Pela boca da personagem José Maria, diz Gustavo Corção em Lições de Abismo que “a mulher é o espelho do homem”, e assim é: a diferença complementar entre os respectivos sexos e psicologias permite a cada esposo a completação da sua autoimagem.



 

Notas

  • Gustavo Corção (1896-1978) nasceu no Rio de Janeiro, Brasil.

  • Engenheiro, jornalista e ensaísta. Católico e conservador, influenciado por G.K. Chesterton (1874-1936) e Jacques Maritain (1882-1973).

  • Principais obras ensaísticas: A Descoberta do Outro (1944), O Desconcerto do Mundo (1965) e O Século do Nada (1973).

  • Lições de Abismo, publicado em 1950, é seu único romance. Considerado por muitos críticos literários como a sua obra-prima. Sobre ele, disse o poeta Menotti del Picchia: “Creio, sem temor de exagerar, ter lido o maior livro de ficção que já se escreveu no Brasil”. O romance também foi responsável pela seguinte declaração de Oswald de Andrade sobre Corção: “Depois de Machado de Assis aparece agora um mestre do romance brasileiro”.

  • Definição de romance católico do padre Robert Lauder (série The Catholic Novel): “Romance católico é aquele cujo tema está relacionado a algum ensinamento dogmático católico, ou a algum ensinamento moral católico, ou a algum princípio sacramental ou litúrgico católico — e em que o ensinamento católico seja tratado favoravelmente”.

  • A narrativa se desenvolve em forma de diário escrito no Rio de Janeiro entre 11 de novembro e 23 de fevereiro do ano seguinte.

  • Ao demorar para revelar o nome do narrador e dar-lhe o nome composto dos mais usuais no Brasil, Corção tenta forçar o leitor a praticar o memento mori com José Maria.

  • Vemos ao longo do romance um processo de amadurecimento do herói galgando as camadas da sua personalidade (ver As Doze Camadas da Personalidade de Olavo de Carvalho)

  • O capítulo V da terceira parte (28 de janeiro) versa sobre o que Jordan Peterson (1962- ) fala sobre ordem e caos.

  • Gustavo Corção utiliza-se de inúmeras referências literárias clássicas, fazendo uso desta linguagem universal que consegue encapsular um mundo em poucas palavras.

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