Não há dúvida de que A Grande Beleza é bem feito: as atuações são convincentes, o roteiro e edição têm ritmo e as cenas imprimem o estilo onírico felliniano. Alguns momentos são impagáveis, como a entrevista da artista performática que não suporta ver suas frases ocas de sentido serem questionadas, a cena em que Jep cruelmente desmascara sua amiga escritora politicamente engajada, ou ainda o amigo boçal e depravado, pai da stripper, que questiona a perda de sofisticação no mundo.
Mas o conteúdo, a mensagem do filme, pareceu-me rasteira. A narrativa é simples. Ao completar 65 anos Jep vê a perspectiva da morte mais próxima e faz um balanço da sua vida. Solteiro, sem filhos, vaidoso, rico, cínico e mundano, ele encontra-se num vazio espiritual e busca um sentido para sua existência. Esta procura nos é apresentada em uma sucessão de cenas que resumem sua visão de mundo (e provavelmente a do cineasta). E como ele vê a vida? Parece que Sorrentino não foi aos anos 50 e 60 para buscar apenas uma estética cinematográfica, mas também de lá voltou com a tola filosofia existencialista. Pois nos apresentada a ideia de absurdidade da vida, de uma existência sem sentido.
Isto fica claro na forma como as quatro castas, representando a totalidade da humanidade, são retratadas. Os brâmanes no filme, sejam os religiosos ou intelectuais, responsáveis por nosso guiamento espiritual, moral e intelectual, refletem os aspectos da quarta casta (sudras) para a qual o que interessa é a satisfação das necessidades vitais imediatas. São os intelectuais voltados para sexo e drogas, o futuro papa que só pensa em culinária, e o ritual ecumênico de prostração diante da falsa santa de discurso materialista. A segunda casta (xátrias - aristocracia e políticos), responsáveis pela defesa e organização das demais castas, está morta. Ela é representada pelo casal de aristocratas humilhados que vive de vender sua aparição em eventos sociais. E os vaixás (terceira casta - empresários e altos executivos), que organizam a atividade econômica, dando de comer as outras castas, são representados pelo vizinho arrogante, corrupto e encarcerado. Perdeu-se a hierarquia entre as castas e vivemos no mundo material dos sudras. Em suma, é a total decadência do discernimento que eleva ao Logos em prol da vontade, da ignorância, que se entrega à pura existência.
Neste cenário de degradação Jep parece procurar algum consolo nas reminiscências da juventude ou numa possível existência mais simples. Vemos isso na lembrança do relacionamento com Elisa, na homenagem a Fanny Ardant, na ode a nostalgia do amigo teatrólogo, na referência da falsa santa sobre a importância das raízes, na apreciação do estilo de vida e relacionamento do viúvo de Elisa com a namorada, e no fugaz relacionamento platônico de Jep com a stripper aidética.
Mas isso é tudo autoengano. O elã da juventude é passageiro e o vórtex do devir a tudo engolirá. Ele nunca encontrará a "grande beleza", nunca entenderá o sentido da vida. No máximo experimentará alguns fugidios momentos de beleza estética e mais nada. Afinal, como declarado na epígrafe e repetido ao final, é tudo uma grande ilusão. Mas assim é o mundo dos existencialistas – estes sujeitos que matam os pais e depois pedem clemência por serem órfãos.
Desconsiderar a transcendência, ignorar ou não aceitar a insolubilidade dos grandes mistérios, reduz a própria essência humana. Nós flutuamos entre um firmamento de luzes da transcendência e um abismo de trevas da matéria - fomos criados a imagem de Deus mas feitos de barro. A cena do artista que fotografa a si mesmo é emblemática. É a aplicação do processo de perda de transcendência nas artes. É a involução de um Giotto a um Piero Manzoni. Pode haver algo mais imanente do que uma obra de arte que representa apenas a si mesmo? Aquele mosaico de fotos só perde para a Merda d’Artista.
Jep ainda vislumbra que há algo de errado nisto – se refugia nas estátuas dos palácios de Roma diante do horror da menina pintora – mas não faz o paralelo com a vida. A areté do homem, aquilo que melhor nos representa, é a consciência e a capacidade de expandir seus horizontes, o potencial de transcender a existência meramente sensorial. Jep não é capaz disto. E no final ainda posa de Cristo – é a viagem à ilha, onde recorda Elisa, colocada em paralelo com a falsa santa subindo e escada sagrada de San Giovani (a mesma que Cristo subiu para a entrevista com Pilatos). É o homem miserável sofrendo na existência vazia da qual não pode mais do que fruir da dimensão estética – uma mescla ordinária de existencialismo com esteticismo. Particularmente não gosto de histórias do homem vitimado lambendo suas próprias feridas. Prefiro os heróis que entendem e superam o aspecto trágico da vida. Mas histórias assim estão cada vez mais raras.
Filme Nota 3 (escala de 1 a 5)