Personagens Principais Joseph Kerkhoven – médico, 34 anos Etzel Andergast – 20 anos, racional, “filho de sua época e de seu mundo” Marie Bergmann – 23 anos, esposa de Ernest, depois de Joseph Johann Irlen – 44 anos de quem esperavam grandes coisas
Personagens Secundárias Nina Belotti – italiana, primeira esposa de Joseph Sofia Andergast – mãe de Joseph Jürgen Lorriner – jovem de ação, comunista, mentor de Etzel Ernest Bergmann – sobrinho de Irlen, professor de filosofia Adelaide (Alide) Bergmann – filha de Maria e Ernesto Lotte Vanloo – 17 anos, amiga de Aline Otto Kapeller – herdeiro de André Kapeller, morto por Irlen em duelo Rahl Moeckern – chefe da clínica de Joseph, oposto deste Ngaljema – etíope, conhecido de Irlen João Calos e Luis Roberto – filhos de Joseph e Maria Heberlé – farmacologista, 70 anos, acolhe Joseph profissionalmente Eleonora Marschall – milionária americana, vaidosa Rodrigo Luettgens – 23 anos, amigo de Etzel, suicida-se Ema Sperling (Pierrot) – corista, encanta Rodrigo e Lorriner Max Mewer – judeu, amigo de Etzel, integra a comunidade Robert Suermndt – naturalista, amante de Maria
Interpretação “...os protagonistas deste drama são criaturas que sabem só existir um pecado que conta realmente, o pecado do homem contra si mesmo.” – narrador
A sede de justiça que Etzel apresentou em O Processo Maurizius revela aqui sua verdadeira face: uma autolatria sociopática, incapaz de respeitar qualquer valor ou autoridade. Ele tem uma alta opinião de si mesmo e desprezo pela humanidade.
Etzel sofre da doença espiritual moderna todetite, a doença causada pela carência do Individual. Prisioneiro de uma abstração, a justiça perfeita (impossível dada a imperfeição do agente humano), Etzel não encontra seu lugar no contexto geral – ele coloca sua servidão em uma disposição teórica particular que o impede de encontrar seu individual apropriado.
Johann Irlen padece da mesma moléstia: quer salvar o mundo e sonha ter feridas iguais as de Cristo das quais jorra seu sangue habitado pela humanidade em efervescência. O homem de grande cultura e ideias não encontra seu lugar na realidade e busca no primitivo (África) um ponto de partida para uma perfeição humana impossível.
Ele contagiará Joseph Kerkhoven, então um solitário que acredita que até conhecer Irlen tudo não passara de ilusão e tempo perdido. Kerkhoven diagnostica os homens do seu tempo infectados psico-espiritualmente, mas não se vê igualmente enfermo. Acredita que “o mistério do organismo fornece a chave para chegar ao mistério do universo” e que “poderia igualmente imaginar uma matemática dos destinos e ações humanas.” – busca uma eternidade estética e científico-matemática, a perfeição resumida em uma fórmula imanente, gnóstica.
Mas Wasserman explica que isso é impossível, pois a vida é tensão contínua, e a visão da eternidade escapa o alcance do homem. A soberba daquele que se entende como um ser pairando acima da sociedade para analisá-la e reformá-la apenas traz destruição para si e os outros.
Os movimentos de juventude (culturais ou políticos) típicos da época estão representados na iniciativa de Eleonora Marschall e na idolatria que as personagens adultas dedicam aos jovens, vistos com espírito de independência, coragem moral ainda não destruída pela inserção na ordem social e um instinto moral primitivo: “mensageiro do mundo novo, o homem do presente que faz compartilhar desta atualidade” diz Marie. Kerkhoven vê em Etzel a matéria-prima da qual poderia construir o novo homem: “Que obra-prima não se poderia modelar aqui, que tesouros não seria possível extrair de uma criatura assim.” Porém, como diz o autor, era uma juventude apenas com “angústia do futuro”.
O mundo moderno afastou Deus do coração do homem e este começa uma busca do sentido da vida condenada ao fracasso – as maravilhas tecnológicas das seis décadas precedentes levam sua húbris ao paroxismo. Mesmo as pessoas empenhadas nos sentidos mais nobres, como Irlen e Kerkhoven, acabam provocando desastres.
A narrativa não apresenta uma conclusão final, não nos dá um sentido claro. Wassermann estaria nos transmitindo a tensão entre o tempo e a eternidade, entre queda e ressurreição – uma sensação de movimento de toda a humanidade e não apenas das personagens. Tal qual a vida não temos um fechamento. E as personagens ganham grande dimensão humana, com toda a complexidade e incongruências inerentes, e.g., Joseph Kerkhoven quer salvar todos seus pacientes mas abandona suas esposas e defende a eutanásia como um imperativo espiritual e moral, e Marie consegue entender Etzel e Joseph melhor que eles mesmo, mas é presa de sua própria concupiscência.
Sofia, mãe de Etzel, aparece nas primeiras páginas de O Processo e retorna nas últimas de Etzel Andergast. A subida de Etzel na montanha para encontá-la faria um paralelo ao resgate de Fausto pelo Eterno Feminino? Lá Etzel sofre uma morte iniciática, acordando de seu delírio de onipotência: morre o paladino da justiça perfeita – o jovem amadurece.
Notas
Jakob Wassermann (1873-1934) nasceu em Fürth, Bavária (Alemanha).
O Processo Maurizius foi publicado em 1928. Faria parte de uma trilogia incluindo Etzel Andergast (1931) e Joseph Kerkhovens dritten Existenz (1934). A trilogia ajuda a entender como o culto e sofisticado povo alemão caiu na esparrela do nazismo.
Outras obras de destaque: Casper Hauser (1908), The World’s Illusion (1919) e o autobiográfico My Life as German and Jew (1921).
Os temas dos romances do Jacob Wassermann são: a falibilidade da justiça humana, o contraste entre a maldade e a inocência, a opressão estatal e social, a busca de Deus e do sentido da vida num mundo absurdo.
A narrativa de Etzel Andergast desenvolve-se inicialmente em 1913 (primeira parte) e segue em 1928 (segunda parte) saltando quinze anos (incluindo a I GG).
O conceito de todetite foi estabelecido por Constantin Noica em As Seis Doenças do Espírito Moderno.
Citações: “O trabalho subterrâneo de um bando de ratos pode, em certas circunstâncias, provocar o desmoramento de toda uma montanha.” – narrador sobre como a mais insignificante das existências é capaz de graves repercussões “Ngaljema vestiu o casaco vermelho.” – Irlen, o homem sucumbiu ao seu polo obscuro “...erro típico de tantos jovens, os quais com tanta paixão se empenham em criar no fundo do coração a imagem de seus ideais que acabam por perder de vista a realidade exterior.” – narrador “Creio tratar-se de um questão ociosa, dado que todas as evoluções se processam em curvas e espirais, e que cada vida não representa mais que uma repetição, com variações insignificantes.” – Heberlé respondendo a Joseph sobre suas investigações sobre a degenerescência coletiva da alma “Quimeras, meu amigo, quimeras... Voltaremos a tratar do assunto dentro de algumas centenas de anos.” – ainda Heberlé respondendo a Joseph “Ouve o que ela diz e procura adivinhar o que pensa.” – narrador sobre Etzel em discussão com Maria
Impacto tecnológico nas seis décadas que precedem o início da narrativa: