top of page

Chave interpretativa dos mitos gregos


"Le monde oú je suis le plus à láise: le myth grec." – Albert Camus (1913-1960)

Os mitos gregos tratam da causa primeira da vida (metafísica) e da conduta sensata (ética). Com a evolução das cidades a representação mítica passou dos astros e suas evoluções para os conflitos da alma humana. É o combate interno do homem contra suas tendências perversas. O ser humano flutua entre o Céu-Espírito (supraconsciência) e o Antro-Matéria (subconsciência), ou sob um firmamento de luzes e sobre um antro de trevas. Os mitos tratam da batalha de nossa alma entre estes dois polos.


A tarefa essencial do homem é preencher o sentido da vida desenvolvendo sua qualidade suprema via a espiritualização à imagem do espírito absoluto. O homem tende ao Espírito – impulso evolutivo. Ele deve buscar a harmonia de suas pulsões, a justa medida. O imperativo ético é imanente à vida.


Assim o homem deve buscar ascender ao Espírito, e conta com a ajuda divina dos deuses que são as qualidades do próprio homem usadas neste embate contra os monstros representando nossas perversões. Enquanto Pégaso simboliza a imaginação criadora em sua evolução real ao Espírito, Quimera (monstro com rabo e língua de serpente, corpo de bode e cabeça de leão) emblema as perversões espiritual-vaidade (serpente), sexual (bode) e dominadora-social (leão).


Outros monstros fundamentais na batalha da alma são (1) Équidna (mulher da cintura para cima e serpente para baixo) simbolizando o desejo terrestre (mulher) vaidosamente exaltado (serpente) em relação ao espírito – perversão dos desejos evolutivos, desarmonicamente acreditando-se perfeito; e (2) Tífon revolta destrutiva do intelecto que perde o impulso evolutivo em direção ao espírito e decai na explosão ativa dos desejos materiais e perversidade, na forma da banalização convencional (lucro e luxúria), dionisíaca (desinibição desenfreada, busca de intensidade de vida, insaciabilidade) ou titânica (ambição obsessiva de melhoria do mundo, “matar o Espírito”).


(Há aqui um paralelo com Santo Agostinho “Todos os vícios se apegam ao mal, para que se realize; apenas a soberba se apega ao bem, para que pereça.”)


O dilema essencial do homem é (1) morrer espiritualmente matando o pai místico (espírito – positivo) e casando com a mãe mística (desejos terrestres – negativo), ou (2) vencer Équidna e Tífon matando o pai místico (espírito perverso – negativo) e casando com a mãe mística (sublimação dos desejos – positiva).


Os grandes mistérios do universo não causam mais receio uma vez conquistada a certeza espiritual que somente se encontra na verdade (espiritualização) e na harmonia (sublimação). É o retorno ao repouso no seio da essência-mistério, vencendo Équidna.


A ética ou moral é a moderação do prazer, a valorização supraconsciente que busca o prazer sublime, vencendo Tífon. Desejos legítimos enquadram-se na normalidade regida pelo Espírito. A felicidade exige o domínio dos desejos, o controle do prazer perverso e dos gozos fúteis. Desejos espirituais e corporais são naturais e conciliáveis, é a exaltação que os torna contraditórios.


(Leitura fundamental: O Simbolismo na Mitologia Grega de Paul Diel)

bottom of page