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Nicholas Ray (1911–1979)

If it were all in the script, why make movies?”– Nicholas Ray


Formado em arquitetura, Nicholas Ray apresenta um sentido de espaço extremamente aguçado, muitas vezes utilizado como uma extensão do estado de espírito das personagens. Em seus filmes, a geometria dos locais, e especialmente dos interiores, serve como terreno psicológico. O conflito pode ser representado e a tensão expressa em termos de áreas espaciais (no andar de cima e no andar de baixo, por exemplo, ou nos pátios e níveis de um complexo de apartamentos) colocadas umas contra as outras.


Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que o achavam estranho, Ray explora avidamente o potencial do espaço, por vezes combinando-o com planos laterais para transmite movimento, outras vezes inclinando sua câmera para criar diagonais agudas, sugerindo personagens lutando contra as restrições do enquadramento.


Ray também era conhecido pelo grande uso do CinemaScope, adicionando com as cores novas camadas a sua sensibilidade espacial de interiores; e uma inata habilidade em extrair excelentes atuações de seus atores.


O típico herói de Ray é um solitário, ao mesmo tempo desdenhoso do mundo normal e atormentado pelo desejo de ser aceito nele – de serem (como Bowie e Keechie, os jovens amantes de They Live by Night) “como pessoas reais”. Todos começam por rejeitar as restrições da família nuclear, apenas para se verem impelidos a recriá-la numa forma substituta, como se tentassem preencher um vazio existencial não reconhecido.


Os melhores filmes de Ray foram feitos na década de 1950, onde seu romantismo agonizante conflitava com o otimismo daquela década. “O poeta do desencanto americano” (nas palavras de David Thomson) via uma armadilha no embate com as convenções sociais.


Seguem comentários sobre seus mais destacados filmes:


They Live by Night (1948): Condenado foragido é ferido durante a fuga e se apaixona pela moça que o ajuda, mas o relacionamento deles parece condenado desde o início. Nicholas Ray fez sua estreia como diretor com esta versão quase alucinatória, dura e expressionista do pouco conhecido romance de Edward Anderson, Thieves Like Us (1937). Lírico e imaginativo, é uma estreia extraordinariamente segura, desde a surpreendente cena de abertura filmada de um helicóptero que segue o carro dos condenados fugitivos, até ao clímax final, inexoravelmente trágico. A atmosfera emocional que transpassa o filme marcou o início do estilo Ray – ousado, mas repleto de sentimentos feridos. Ele poderia fazer com que eventos, insignificantes no roteiro, ganhassem vida, com os atores tornado-se não servos da história, mas parte dela.


In a Lonely Place (1950): Um roteirista potencialmente violento (interpretado por Humphrey Bogart)  é suspeito de assassinato até que sua atraente vizinha o inocenta. Mas com o tempo, ela começa a ter dúvidas. Muito vagamente baseado no romance de Dorothy B. Hughes de 1947. Como nos melhores exemplares do filme noir, o roteiro é um festival de intenções entrecruzadas: Ray não apenas se aprofunda no subtexto com suas próprias lutas matrimoniais (divorciou-se da atriz principal, Gloria Grahame, durante as filmagens), mas também descreve como fazer filmes como aquele que estamos assistindo. Os aspectos de metalinguagem parecem indicar uma sátira a Hollywood, mas o que temos é uma tragédia comovente por trás do seu pessimismo ferino. O filme ainda se apega à esperança de que a arte, a integridade e o amor possam sobreviver aos obstáculos, mas a esperança morre lenta e agonizantemente diante dos nossos olhos – um epitáfio para o amor. Ao final vemos que a violência e frieza das personagens principais não são sua força, mas sim revelam suas angústias e insegurança, sendo indicadores da suas fraquezas. Notar a participação da grande cantora, pianista e compositora de jazz e blues Hadda Brooks.


On Dangerous Ground (1951): Policial rude (interpretado por Robert Ryan) é disciplinado por seu capitão para ajudar o xerife de um apequena cidade interiorana a resolver um caso de assassinato. Roteiro desenvolvido a partir do romance Mad with Much Heart (1945) de Gerald Butler. Uma estranha amálgama de história policial, romance e regeneração. Roteiro pouco usual para o gênero noir, com um final que resgata a conexão humana como a única via viável – todos precisam de alguém para cuidar. Uma câmera hand-held foi usada em muitas cenas para dar mais vivacidade à ação em curso, o que era extremamente raro nos longas-metragens da época.


The Lusty Men (1952): Campeão de rodeio aposentado (interpretado por Robert Mitchum) concorda em ser o mentor de um novato competidor de rodeio contra a vontade da esposa deste que teme os perigos inerentes a este esporte. Uma ácida, melancólica e reflexiva abordagem dos rodeios e seus participantes. Nicholas Ray sempre aborda um dilema moral onde o homem emerge como vencedor ou vencido, mas em última análise lúcido da futilidade da concupiscência e da vangloria, enfim de tudo o que não é eudaimonia e que desvia o homem do seu propósito mais íntimo. Destaque para a solidez moral da personagem de Susan Hayward. Último filme em P&B do diretor.


Johnny Guitar (1954): Depois de ajudar um membro ferido de uma gangue, uma obstinada dona de um saloon (interpretada por Joan Crawford) é injustamente acusada de assassinato por uma rival que propõe seu linchamento. Talvez o faroeste mais extravagantemente barroco já feito, sendo protagonizado por duas personagens femininas. Notar o uso expressionista das cores. e.g. Joan Crawford é codificada por cores vermelha, branca ou preta de acordo com qual aspecto de sua personagem – sedutora, vítima ou pistoleira – está em destaque em uma determinada cena. Inesquecivelmente estranho.


Rebel Without a Cause (1955): Um jovem rebelde (interpretado por James Dean que morreria um mês antes do lançamento do filme) com um passado conturbado chega a uma nova cidade, fazendo amigos e inimigos. Ray criou uma história moderna de Romeu e Julieta, um romance ambientado entre adolescentes incapazes de lidar com as frustrações provocadas pelas vicissitudes da vida e com as dores do amadurecimento. Uma das primeiras descobertas na adolescência é a natural imperfeição dos pais antes idolatrados, o jovem que não entender nisto um reflexo da natureza humana que ele também comparte terá problemas para amadurecer. A experiência da adolescência deve empurrar o jovem a conhecer a si mesmo (gnothi seauton), e quanto as falhas de seus pais deve lembrar o mandamento bíblico de honrá-los, ou seja, procurar fazer melhor que eles. A personagem central começa a encontrar-se quando genuinamente quer cuidar dos outros (no caso de Platão (interpretado por Sal Mineo) e Judy (interpretada por Natalie Wood)), conversando e procurando entendê-los – é quando ele começa a “honrar seus pais”.


Bigger Than Life (1956): Professor gravemente enfermo (interpretado por James Mason) torna-se dependente de uma droga em fase experimental (cortisona) que começa a afetar sua sanidade. Uma fábula que nos mostra o perigo da fé cega na ciência e suas fórmulas “milagrosas” que como o átomo podem tanto salvar como destruir. Também vemos a arrogância intelectual do professor alucinado diante da simplicidade da esposa amorosa, e como esta vence a batalha contra a insanidade, recompondo a sua família – poderosa personagem feminina interpretada por Barbara Rush. No momento mais tenebroso, quando depois de blasfemar (“Deus está errado” por impedir Abraão de sacrificar seu filho) o professor vai matar seu único filho, porém Deus intervem e ele vê uma bola de fogo flanar diante seus olhos, como em Gênesis 15-17, dando chance para o filho escapar.


Bigger Than Life foi o último grande filme do diretor que ainda filmaria uma série de fracassos de bilheteria, incluindo as superproduções King of Kings (1961) and 55 Days at Peking (1963), após as quais nuca mais trabalharia em Hollywood. Como outro enfant terrible de uma década antes, Orson Welles, Nicholas Ray não se encaixava no sistema de Hollywood.

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