Robert Altman (1925–2006)
- Cultura Animi
- 13 de abr.
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“ I look at film as closer to a painting or a piece of music; it’s an impression... an impression of character and total atmosphere... The attempt is to enlist an audience emotionally, not intellectually.”– Robert Altman
Depois de duas décadas fazendo curtas por encomenda, trabalhando na TV e esporadicamente (e sem notoriedade) na tela grande, Robert Altman desponta, já com 45 anos, no cinema nos anos 1970. Era o período da New Wave americana, mas Altman não fazia parte dos whiz kids que marcaram aquele período.
A obra de Robert Altman é, no mínimo, errática, mas ele desenvolveu um estilo pessoal pontuado por inovações. Este estilo é marcado, principalmente, (a) pelo aproveitamento das composições widescreen em que o quadro é preenchido com vários assuntos e detalhes que competem pela atenção do espectador, (b) pela sobreposição de várias faixas de som emanando de diferentes personagens de tal maneira que a audiência precisa decidir a quem ouvir, e (c) pelo uso de diversas personagens em situações paralelas que podem ou não se cruzarem ao longo da narrativa.
Altman posa de cronista do comportamento humano do seu tempo, porém seu progressismo o leva a uma visão ácida, muitas vezes, panfletária da sociedade. Quase todas suas personagens tendem a ser hipócritas, psicóticas, fracas ou moralmente falhas em algum aspecto, com poucos chegando a um final feliz, denotando um cinismo ideológico mais que uma tentativa genuína de evitar a repetição de mitos convencionais do cinema.
Seguem comentários dos filmes que melhor refletem o estilo pessoal do diretor:
M*A*S*H (1970): A equipe de um hospital de campanha durante a guerra coreana usa humor e diabruras para manter sua sanidade diante do horror da guerra. Baseado no romance homônimo de Richard Hooker (1924-1997). Nesta comédia Altman abandonava as técnicas narrativas convencionais de Hollywood em favor de um estilo pessoal caracterizado por diálogos sobrepostos, atuações improvisadas, edição elíptica, composições em panavision, zooms para dar movimento, e o uso de várias personagens com tempo e espaço limitados. O progressismo do diretor ficava evidente nos gratuitos ataques ao patriotismo, religião (Altman até copia a blasfema paródia da Santa Ceia que Buñuel filmara quase uma década antes em Viridiana), heroísmo e outras instituições, sendo tudo apreciado pelo espírito de rebelião para o qual os señoritos satisfechos da geração baby boomers eram então levados pelo cabresto através de manganilhas como o movimento dos direitos civis, a cultura de drogas, e as manifestações contra a Guerra do Vietnã. Foi o primeiro sucesso de crítica e público de Altman, e catapultou a carreira dos atores Donald Sutherland e Elliot Gould, bem como introduziu uma série de atores estreantes. O acrônimo do título significa Mobile Army Surgical Hospital.
Nashville (1975): A vida de inúmeras pessoas na capital do Tennessee se cruzam de maneiras imprevisíveis. Altman retorno ao modelo de M*A*S*H, usando até o carro de som com propaganda política que circula pela cidade no lugar dos alto-falantes com anúncios do hospital de campanha. Não se trata de uma visão honesta de Nashville e da country music, mas sim do olhar distorcido de um progressista hollywoodiano – Altman quer criticar toda a sociedade americana. Com quase três horas de duração o filme pode ser insuportável para quem não gosta de música country, porém as letras das músicas ajudam a entender as personagens. Algumas das narrativas paralelas são humanas e tocantes, porém o conjunto artificialmente montado para atender à ideologia do diretor é hiperbólico e deprimente.
A Wedding (1978): A filha de um novo-rico de Louisville se casa com o descendente de uma família aristocrática de Chicago, mas a recepção na propriedade da família do noivo é boicotada pelos convidados. O filme remexe com todos os clichês relacionados com uma cerimônia de casamento na tentativa de fazer uma sátira ácida. O filme tem seus momentos, mas a superficialidade da tentativa de exposé da instituição matrimonial (e familiar consequentemente) resulta numa série de banalidades e frases vazias. Altman casou-se três vezes, e aparentemente não conseguiu separar seu fracasso pessoal do mundo fora de seu umbigo. Como quase sempre acontece nos filmes de Altman, há uma cena gratuita, que nada colabora com a narrativa, de gente divertindo-se com o consumo de drogas (maconha neste caso), parece um merchandising encomendado por traficantes, mas é apenas a expressão do inferno progressista.
Short Cuts (1993): Replicando a estrutura de Nashville, o filme intercala 9 histórias envolvendo 23 diferentes personagens em Los Angeles durante as horas que antecedem um terremoto. O roteiro é inspirado em várias histórias de Raymond Carver (1938-1988), mas o diretor troca a compaixão do autor e a epifania de suas personagens pela mera observação passiva ou satírica. Altman parece estar mais preocupado em demonstrar seu virtuosismo técnico do que com o destino das personagens do filme. E de fato, a amarração das diferentes narrativas é bem-feita, e algumas passagens entre elas inspiradas, mas as histórias são vazias de emoção e significado – Short Cuts é forma sem substância. Quase todas as personagens são negativas, até irritantes, apresentando uma Los Angeles, de moral frouxa, violenta, e pueril. Uma crítica pessoal à sociedade angelina, ou Altman projetando seu millieu hollywoodiano sobre toda a cidade? Short Cuts inspirou outros filmes que se passam em Los Angeles, como Magnolia (1999) de Paulo Thomas Anderson e Crash (2004) de Paul Haggis.
Gosford Park (2001): Na década de 1930, um grupo de pretensiosos ricos e famosos se reúne para um fim de semana em uma casa de campo. Mas quando ocorre um assassinato, todos são suspeitos. Julian Fellowes, que trabalhou com Altman no roteiro deste filme, inspirou-se aqui para criar a série televisiva Downton Abbey (2010-2015). O diretor acerta ao fugir do estilo visual demasiado preciso dos filmes de época, criando algo mais solto e espontâneo, com a câmera em constante movimento. Mas a narrativa nunca se define claramente: como filme policial falta suspense e dificuldade em desvendar a identidade dos assassinos, as personagens são algo caricatas para um drama de diferenças de classe durante o declínio da aristocracia inglesa, e a entrada do desajeitado inspetor de polícia é demasiadamente deslocada para fazer rir. Foi o último filme digno de nota de Altman, então com 76 anos de idade.