Laranja Mecânica (1971)
- Cultura Animi
- 12 de fev. de 1971
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de set. de 2023

“Choice! The boy has no real choice! Has he? Self-interest! The fear of physical pain drove him to that grotesque act of self-abasement! Its insincerity was clearly to be seen. He ceases to be a wrongdoer. He ceases also to be a creature capable of moral choice.”
– Capelão da prisão diante do efeito da técnica Ludovico em Alex
Quando do seu lançamento, Laranja Mecânica chocou em dois aspectos: (1) as cenas de violência e (2) o tratamento ao qual Alex (personagem principal) era submetido para eliminar sua capacidade de escolha moral.
Meio século depois vemos que as cenas de violência empalidecem diante de qualquer videogame – demonstrando o quando decaímos neste período no qual a violência só aumentou. E isto relaciona-se diretamente com o segundo aspecto.
Se no filme tínhamos um estado totalitário empregando métodos imorais no combate a violência, no mundo real a situação tornou-se muito pior. A “técnica Ludovico” do filme (uma crítica às tolas ideias de B. F. Skinner) deu lugar, no mundo real e concreto, à ilusória “ressocialização” do detento, que, combinado à leniência das leis, ao engodo do garantismo penal e ao “desencarceramento”, despeja um exército de criminosos nas ruas. Mas se a técnica Ludovico ainda pretende ser ciência, as ideias atuais são mera expressão de desejo ou ação ideológica. Todas estas técnicas e ideias esdruxulas partem da crença que o homem não nasce, mas é construído. E sempre que o homem quer brincar de deus, pessoas são assassinadas.
O serial-killer Lázaro (recentemente abatido) e o terrorista muçulmano Usman Knan (matou dois e feriu três na ponte de Londres) eram criminosos perigosos já detidos que passaram por programas de ressocialização e foram precocemente devolvidos ao convívio social. Deu no que deu. Estes são apenas dois exemplos mais infames de uma situação que cresce exponencialmente há anos.
Tal qual no filme, vive-se num mundo onde o Estado é cada vez mais totalitário e, portanto, pernicioso à sociedade. Somente um Estado poderoso em demasia frente ao indivíduo pode perpetrar ideias e programas de tamanha crueldade contra um povo cada dias mais desamparado e impotente, e que ainda é depenado financeiramente para financiar seus algozes e suas ideias criminosas. Se no filme a opinião pública e as eleições podiam ainda reverter o quadro, nossa real distopia já não deixa muito espaço para alguma esperança.
O filme é uma adaptação da novela homônima de Anthony Burgess, e que foi catapultada para fama pelo trabalho de Kubrick. Publicada em 1962, a novela foi inspirada por rufiões russos que Burgess encontrou em São Petesburgo. Kubrick utilizou a edição americana que eliminou o último capítulo do original (o 21º, que seria a idade da maturidade para Burgess), no qual Alex está pensado em abandonar a violência e assumir uma vida benfazeja. Burgess queria deixar explícita a superioridade moral da livre escolha de Alex sobre seu imposto condicionamento científico.
Não há possibilidade de uma efetiva ressocialização sem o arrependimento sincero e aceitação das consequências de seus erros. E isso é muitas vezes impossível para certas pessoas, como os criminosos viciosos e os bestiais. Para Aristóteles haveria três grandes vícios morais e tipos correspondentes:
Tipo Vicioso: É aquele sujeito que não se arrepende de ser mau, porque ele constrói uma vida baseada no mal e acha que o mal é melhor do que o bem. Ele é criminoso por definição – é o estelionatário, o assaltante de banco, o petista. Ele é criminoso porque acha que a vida de crime está certa. Esse não tem solução porque ele não se arrepende, é incurável. Não tem outro jeito a não ser separá-lo da sociedade, porque ele é cronicamente criminoso.
Tipo Bestial: É o sujeito que já tem um aspecto animalesco e já não se parece com um ser humano. Seu crime é o do bestial, o do sujeito que é louco e mata por prazer. Ele não reconhece fazer algo errado. Para o bestial a solução é o hospício. Outras patologias mentais que não a bestialidade também podem ser perigosas para o convívio social. O louco não tem consciência de fazer o mal.
Tipo Intempestivo: O terceiro tipo de crime é o do intempestivo, aquele sujeito que não tem controle sobre suas emoções. É o fulano que mata alguém numa briga de trânsito, por exemplo. Uma pessoa como essa não é uma pessoa má em si, o que se comprova pelo arrependimento que é instantâneo. O sujeito sente culpa e remorso. Este tem solução. Para o intempestivo é possível um tipo de punição associada a uma compensação.
As leis a as penalidades devem duras, muito duras. Leis débeis são um convite ao vício. Penas pesadas são importantes na educação da alma, um suporte no controle dos baixos instintos.
Filme Nota 5 (escala de 1 a 5)
PS: No filme, o governo pretende usar a técnica Ludovico para esvaziar as cadeias de criminosos comuns, abrindo espaço para o encarceramento de “inimigos do Estado”. A comparação com as recentes ações do STF brasileiro soltando criminosos e corruptos, enquanto ilegalmente prendendo conservadores não parece ser mera coincidência. O tempo dirá.