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Invasão Vertical dos Bárbaros de Mário Ferreira dos Santos


Lutar pelo nosso ciclo cultural, fortalecer os aspectos positivos para impedir o desenvolvimento do que é negativo, eis o nosso dever.


Lutemos pelo homem concreto. E o homem concreto é aquele que afirma o que nele há de maior e que o distingue dos animais; a vontade justa e culta, o entendimento claro e purificado, e o amor que se exalta na verdadeira caridade. E tudo isso é realmente Cristo em nós. – Mário Ferreira dos Santos


Esta obra é uma denúncia da invasão vertical dos bárbaros, que, preparando-se e desenvolvendo-se há quase quatro séculos, alcançaria nos anos 1960 (quando o livro foi escrito) um estágio intolerável, e que nos ameaçava definitivamente.


(Os quatro séculos mencionados acima se referem à data próxima ao segundo período dentro do Kali-Yuga (Idade de Ferro) na divisão quartenária dos ciclos cósmicos – ver Les Quatre Âges de l'Humanité de Gaston Georgel. Dividindo a última etapa do Kali-Yuga na mesma metodologia quartenária teríamos a derradeira fase de um primeiro subciclo histórico do Kali-Yuga (e deste Mavantara) iniciando-se em meados da década de 1960.)


Os bárbaros aqui estão no sentido do que não é civilizado, do que é inculto, do que combate toda e qualquer manifestação da cultura. Bárbaros que já se acham inseridos na civilizaçãoatuando desenfreadamente para dissolver a nossa cultura, solapando os seus fundamentos, e preparando o caminho à corrupção mais fácil do ciclo cultural, como aconteceu no fim do império romano, e como acontece agora entre nós.


Há disposições prévias corruptivas, que estão em todo ciclo cultural, e atuam desde o primeiro momento, com maior ou menor intensidade, para destruir a forma do ciclo que repelem. Os elementos ativos corruptores, guiados por uma inteligência, de vontade maliciosa, sempre souberam se aproveitar do barbarismo como instrumento para solapar a cultura. E então, mais do que nunca, manejavam com uma habilidade de estarrecer, dispondo de meios capazes para tal, imprimindo ao trabalho corruptivo uma intensidade e um âmbito nunca atingidos em momento algum.


Se conhecemos os elementos corruptores e os opomos de modo eficiente com elementos conservativos, a corrupção final pode ser desviada para mais distante, prolongando o ciclo da cultura atual. Se esta mesma cultura traz em seu bojo ideais supremos da humanidade, como (1) o império da justiça, (2) a moderação, (3) a prudência sábia e santa, (4) a coragem moderada e justa, (5) a elevação da mulher e da criança, se (6) pregamos a igualdade entre os homens, defendendo o direito de cada um ao lado dos seus deveres, se (7) admitimos que se deve dar a todos oportunidades iguais, se (8) afirmamos a liberdade e negamos as algemas e as coações opressoras, se (9) pregamos o amor entre os homens, e o apoio mútuo, que fará que cada um ajude ao seu próximo, se (10) desenvolvemos a ciência, (11) democratizamos o saber e (12) elevamos o padrão da vida humana, se nosso ciclo, em suma, reúne, numa síntese feliz, tudo quanto de grande anelou a humanidade, e se ainda não atualizamos tudo o que podemos e devemos realizar, como, então, desejar a destruição deste ciclo para volver ao dente por dente, olho por olho, às polaridades senhor-e-escravo, bárbaro-e-culto, opressor-e-oprimido, fiel-e-infiel?


A destruição de nosso ciclo cultural se completaria com a ruptura da tensão dos seguintes aspectos formadores da cosmovisão ocidental:

  • O universo é criatura, inclusive o homem;

  • Os povos irmanam-se pela mesma fé, e todos são iguais perante Deus;

  • A divindade é providencial; ou seja, providencia (tem uma vidência pro, vê, dispõe com antecedência o que pode acontecer, o possível histórico);

  • O homem é um ser inteligente e livre, que pecou livremente;

  • Contudo, pode salvar-se, graças a um mediador (Cristo), e pela livre escolha da salvação, ou por uma graça divina (gratuita ou não);

  • A paz reinará quando a boa vontade dominar entre os homens, a vontade sadia, liberta dos vícios que a condenam ao erro.


Os princípios cristãos, acima descritos, são constituintes da espinha dorsal da nossa cultura, o que não impede que, nela, sobrevivam resquícios da cosmovisão grega, da cosmovisão islâmica, da cosmovisão hebraica e também de outras cosmovisões; contudo, subordinadas à concepção cristã.


As crescentes ameaças a estes princípios podem ser dividias em duas partes: a primeira (1) concernente aos temas eminentemente mais adequados à sensibilidade e à afetividade do homem, e a segunda (2) referente à intelectualidade humana:



(1) Invasão bárbara na sensibilidade e afetividade humana Aqui os bárbaros atacam a essência (areté) humana valorizando tudo quanto em nós afirme a animalidade (alma animal e sensitiva – ver Da Alma de Aristóteles) através dos seguintes estratagemas:


Exaltação da força: veneração da força física ou habilidade atlética como exemplo máximo da natureza humana, e.g. idolatria de esportistas, tornando-os exemplos a serem seguidos pelos jovens.


Valorização exagerada do corpo: abandono do equilíbrio na máxima culta “mens sana in corpore sano”, cuidado excessivo do corpo e abandono do desenvolvimento racional. Aumento da visualidade à custa da audição, pois é mais fácil ver, contemplar, do que ouvir com atenção. O que se ouve com atenção guarda-se mais facilmente na memória, e a voz interior é mais lógica e mais segura que as imagens visuais soltas da fantasia. O ouvido, em geral, não fantasia, mas a visão, sim (inclui-se aqui a leitura pois a palavra é para ser ouvida e não ser vista).


Supervalorização romântica: exagerada valorização romântica sobre a sensibilidade, a sensação, os sentimentos comuns, a intuição sensível, a fantasia, e a sem-razão (alma sensitiva). Os frutos do romantismo (fins do século XVIII até meados do século XIX) são observados nos niilistas, satanistas, vitimistas e desiludidos de toda espécie – foi um dos períodos em que melhor se cultivou o solo europeu para a grande messe satânica dos frutos malditos. Foi a época da benção e da maldição. Tudo o que foi grande, amesquinhou-se; tudo que era nobre, vulgarizou-se; tudo que era superior, deprimiu-se.


A superioridade da força sobre o Direito: o direito natural é substituído pela vontade do legislador. Depois desta passagem do direito natural ao direito positivo o Direito deteriorou-se ainda mais com o neoconstitucionalismo (teorizado nos anos 1980) onde o que vale é a vontade do juiz da vez. No Brasil, assim como em outros países, a decadência do Direito já assumiu proporções catastróficas.


A propaganda tendenciosa e valorização do inferior: mídia e indústria de entretenimento, infestadas da mais desenfreada propagando do inferior e do primitivo, tornam-se meios de vulgarização intelectual. O criminoso é apresentado como exemplo, a fraude como habilidade intelectual (as vítimas como tolos ingênuos), o religioso como lunático fundamentalista, o pecador como virtuoso… sexualismo, delinquência, afrontas à moral, vida irregular são acentuadas com requintes publicitários. O crime é ideologicamente desculpado como resposta a problemas sociais, amplia-se a leniência, e avoluma-se a criminalidade.


A valorização da memória mecânica: a memória culta não é mecânica mas eidética – não se pede mais que uma pessoa desenvolva ideias mas que memorize dados. O ensino e testes escolares fomentam o problema. A valorização da memória mecânica acaba levado a uma valorização também exagerada da cibernética, na qual se colocam esperanças desmedidas (antecipação do ardil da Inteligência Artificial). Mas jamais a cibernética superará a memória eidética, nem a criação de ideias, nem a dialética bem entendida. Ela é um auxiliar de grandes recursos, mas num âmbito determinado. Pretender que ela possa substituir totalmente o cérebro humano é a mais tola ideia que poderia surgir, e uma manifestação de barbarismo intelectual da pior espécie. “Não são poucos os que sonham com um grande cérebro cibernético para dirigir a humanidade, como um César dos césares. (…) Que belo sonho de bárbaro! Nenhum bárbaro, em nenhuma época, sonhou coisa tão extraordinária!”


A valorização da horda, do tribalismo, estimulo ao sectarismo e exclusivismo: multidões desenfreadas nas ruas, que são o caminho para as grandes brutalidades e injustiças, movidas por paixões, sobretudo o medo, aguçadas pelos exploradores eternos de suas fraquezas, pelos demagogos mais sórdidos, passam a ser exemplos de superioridade humana. As tribos são formadas por componentes mais emocionais que racionais, alimentados com sentimentos de injustiça e superioridade, e.g. movimentos sociais e minorias vitimizadas – movimentos inconscientemente a serviço dos candidatos a tirano.


A exploração sobre a sensualidade: nas épocas de depressão ético-cultural, a sensualidade recebe um estímulo como em nenhuma outra, aguçando os instintos mais baixos – estimulo da concupiscência obstaculizante da sabedoria. A libertinagem desenfreada abre as portas ao consumo de drogas que estimulem, porque os libertinos sentem embotar os sentidos, arrefecer as carnes, o cansaço ameaça-os devorar num tédio de morte, ponto final inevitável de todo desenfreio, porque a própria natureza se rebela com os excessos, e cobra caríssimo pelas nossas faltas. O número sempre crescente de desgraçados, de viciados, de drogados cresce desmedidamente, e devora uma grande parte da juventude, envelhecida e inutilizada em seus primeiros anos.


A disseminação do mau gosto e acentuação da repetição: a boa educação é ridicularizada, os clássicos são abandonados em prol do popular, na moda e nas artes em geral impera o grotesco, a alta cultura desaparece, tudo se rebaixa ao populacho pois intencionalmente abandona-se a elevação intelectual das massas e a formação de elites. O excesso da repetição em todos os setores impede um maior desenvolvimento cultural e inibe a capacidade criadora. Só há alta cultura onde há criação constante e a criação exige inovações reais (não as falsas inovações, que são o repetir de formas já superadas ou sua deformação) – uma cultura, enquanto criadora, é uma cultura viva, em ascensão.


Acusações ao Cristianismo e proliferação dos credos primitivos: o Cristianismo é combatido e denegrido, florescem cultos primitivos e sincretismos forçados para substituí-lo. O clero é destruído desde dentro, o culto é transformado em happening, e propagam-se os blasfemadores. Perde-se o sentido de transcendência e ordem.


A influência do negativo: aumento desmedido da negatividade em relação aos principais valores. Tende-se a negar tudo quanto de superior o ciclo admirou e realizou. Há uma completa inversão da escala de valores e todos os setores são atingidos pela ação negativista. Tudo é “relativizado” e “desconstruído”, prolifera o materialismo, o ceticismo, o agnosticismo e o ateísmo, o homem perde seu chão, perde a capacidade de dialogar com seu semelhante, e a sociedade atomiza-se.


A exploração viciosa do esporte: perde-se o aspecto de saudabilidade, sociabilidade e aprendizagem do autocontrole proporcionados pelo esporte em proveito dos seus aspectos comerciais e emotivos.


O problema ético: com o afastamento da religião perdem força as virtudes cardiais da prudência (bom senso, ocupação), temperança (renúncia, autodomínio), fortaleza (coragem superação), e justiça (convivência, bem comum). A ética do bárbaro é a ética do dente por dente, do olho por olho. É a ética da vingança, é a norma do que deseja apenas o castigo, do sádico que só se satisfaz ao ver o adversário morder o pó da derrota. Não é o que vence e dá a mão para levantar o vencido. Não é o que busca a solução que o tornará amigo de seus semelhantes. Não é o que ama, mas o que odeia.


Valorização do criminoso: Para o bárbaro, o criminoso é relativizado: segundo o seu crime atinja a tribo ou a alguém da tribo, ou se atinge quem não é da tribo ou se, além disso, é inimigo. No primeiro caso, há crime pleno; no segundo, atenua-se e, no terceiro, anula-se. O crime não é concebido enquanto em si mesmo, ou em relação à coletividade, mas apenas em relação ao objeto da lesão criminosa, a vítima. Cresce a leniência policial e legal, estimulando a criminalidade. O barbarismo também está na benevolência exagerada ou ideologizada.



(2) Invasão bárbara na intelectualidade humana Há, na sociedade humana, muitas formações aparentemente cultas e civilizadas, mas que, na verdade, seu conteúdo é bárbaro, e bárbara também é sua causa eficiente. São assim bárbaros em sua causa eficiente, em sua causa material e em sua causa final, mas apresentam formas distintas. Essas formas, porém, não são substâncias, como se estuda na filosofia, mas apenas acidentais, dando, contudo, a impressão de que sejam realizações que decorram normalmente de uma origem culta. São por isso pseudomorfoses. Já tratamos de diversos aspectos que aparecem cultos na sociedade, mas que têm uma origem bárbara. Seguem agora as manifestações dessa espécie que estão mais ligadas à parte intelectual ou têm a presença do entendimento mais acentuada.


A desvalorização da Inteligência: desvalorização da filosofia especulativa como meio de buscar a verdade e fastar-se da falsidade. O bárbaro, por suas condições, tem verdadeira ojeriza da inteligência plena. Sua inteligência permanece quase totalmente dentro do campo da cogitativa, que é um grau primário daquela. Sua esquemática é fundada nos sentidos, e seu pensamento situa-se apenas nos dados da memória e no material oferecido pela fantasia, pela imaginação, sobre os quais ele trabalha, construindo esquemas de primeiro grau de abstração, já que os esquemas de segundo e de terceiro graus exigem maiores esforços, aos quais, em geral, não alcança em seu conteúdo noemático, mas apenas nominaliter. O resultado é a dificuldade que tem em compreender tais esquemas, e procura esconder a sua insuficiência, negando valor ao que o suplanta – ridicularização da sabedoria.


Desvalorização da Vontade: vontade é uma oréxia (apetite) do bem, um apetite intelectualizado que busca o Bem. O bárbaro entende a vontade como mero desejo, livre volição, reduzindo ao ímpeto meramente animal.


Barbarização da Ciência e da Técnica: o afastamento da busca da Verdade (desvalorização da Inteligência) e do Bem (desvalorização da Vontade) faz o cientista desligar-se da filosofia perene (per annus) e entregar-se a aridez de sua especialidade, nada mais entendendo o que estiver fora dela. Os cientistas tornam-se estranhos e desconhecidos, ignotos, incomunicáveis uns aos outros, servindo a algum César, que deles surja e que é sempre bárbaro, e que nos transformará em cobaias, em tubos de experiência, em coisas numeradas e protocoladas. A Técnica (téchne, arte) também é desfigurada, a busca do Belo é desvalorizada.


A luta contra a universalização do conhecimento: o estudo dos primeiros princípios é desterrado da maioria das escolas. O cepticismo e o agnosticismo produziram seus frutos. Há legiões de professores cépticos e agnósticos, que dizem que nada podemos saber dos primeiros princípios, fechando as portas do conhecimento aos jovens e aos futuros cientistas e professores. A ignorância é usada pelos tiranos como arma para formar legiões de servidores. Combatem a universalidade do conhecimento, restringindo a formação a especialistas em áreas cada vez mais delimitadas – redução do homem a uma engrenagem na máquina a serviço do Poder.


O desvirtuamento da Universidade: Ao aceitar a implementação das universidades (criação da Igreja Católica), o papa Inocêncio III (1160-1216) pediu que fosse ela sempre um foco de ideias sãs e não a propulsora de erros que dessem resultados maléficos. Porém as universidades tornaram-se mais maléficas do que benéficas – os grandes erros filosóficos que solaparam o pensamento sólido dos medievais foi propagado pelas universidades que se colocaram ao lado das teses bárbaras na luta contra a cultura.


Separação entre Religião, Filosofia e Ciência: degradação que se observa nos ciclos culturais à proporção que o período sacerdotal é substituído pelo aristocrático e, principalmente, no período de domínio político do empresário utilitário. As três áreas perdem contato entre elas e passam a ser dominadas por bárbaros que não mais falam entre si, que desentranham velharias relegadas do passado como se fossem novidades inauditas, retornam a velhos erros já refutados como se fossem verdades retumbantes, buscam formas ritualísticas e litúrgicas primitivas como se fossem elas o mais alto gesto simbólico do homem em penetrar no transcendental. Estas áreas passam a operar não a serviço do homem, mas como instrumentos voltados para sua escravidão.


A luta contra o criador: abandono da criação que deseja erguer o homem aos degraus mais elevados. Desconfia-se, nega-se, anetematiza-se o criador. O que vale é a falsa criação, caracterizada por tomar abstratamente um valor, que é integrante de uma totalidade, e exagerá-lo de tal modo que se julgue que isso é criador. Hoje não se desejam mais os criadores, mas os repetidores. E a criação é trocada por inovação, i.e. o pseudo-diferente sem nenhuma qualidade. O que o bárbaro quer é a horizontalidade tribal, a homogeneidade plana, o vale, o pântano, onde há lugar para todos os sapos e vermes.


O conceito de Deus: criação de um falso conceito de Deus para então combatê-lo. Quando não ateu, a religião do bárbaro caracteriza-se pela visão mais deformada possível da divindade.


O fetichismo: retorno à esquemáticas mentais pueris como nominalismo, materialismo, evolucionismo, apego a bandeiras políticas como a panaceia de todos problemas sociais (e.g. alfabetização, fome zero, saúde pública), positivismo, cientificismo, etc.


A incompreensão entre Ética e Moral: crença na polícia e nas leis para substituir a Ética e a Moral. O bárbaro ataca as bases da ética e da moral de modo a convencer, sobretudo à juventude, que as exigências nesse setor são falsas e injustas. Assim, dando ampla vazão aos seus pulsões concupiscentes, fácil será manejar a juventude transviada para os destinos que pretendem. A primeira providência é afirmar o relativismo da moral, a segunda é que nos cabe satisfazer os nossos desejos, a terceira é que não há, além deste mundo, nenhum prêmio, nenhum castigo, tudo se acaba, quando nós acabamos. Aqui o bárbaro faz uso do relativismo e do hedonismo.


Diálogo de surdos: crescimento da incapacidade de comunicação entre as pessoas. Perda da clareza das ideias, perda do conteúdo noemático (semântico) dos termos. As palavras não são mais usadas para descrevem a realidade e sim como expressões emocionais ideologicamente manipuladas. Esvaziamento das palavras, dos seus verdadeiros conteúdos etimológicos e intencionais, para, deste modo, mais eficientemente perturbar as consciências humanas, e fazer com que a confusão, no campo das ideias, avassale todos os setores, a fim de favorecer ideias, que servem a interesses inconfessáveis. Degradação da linguagem não é apenas a perda da acurácia gramatical e pobreza de vocabulário, mas sim perda do domínio da capacidade de verbalizar seus sentimentos e testemunhos. E assim o homem ignaro torna-se o homem-número, o homem-máquina, o homem instrumento, o homem-troço, o homem automatizado, o homem cibernético, o homem que renuncia a sua inteligência e a sua criação para tornar-se uma coisa entre coisas, uma peça de um jogo trágico ao sabor dos interesses dos novos cesariocratas que pretendem dominar o mundo.


Nominalismo e realismo: crença na vitória do nominalismo sobre a realismo das ideias, sendo que para isto se apegam ao conceito de realismo exagerado. Mas o que se afirma de real aos universais é que têm eles fundamento nas coisas às quais se referem. Não são entidades de per si subsistentes, mas apenas esquemas noéticos-eidéticos que construímos com fundamento real nas coisas como nós as conhecemos, segundo a realidade que damos a essas coisas. Esquecem que o nominalismo foi totalmente derrotado na longa e extraordinária polêmica dos universais. Afastamento da capacidade de compreensão da realidade e estreitamento do horizonte de consciência.


Preconceitos prejudiciais: perda do patrimônio cultural da humanidade por preconceito a tudo que é passado (mas também não cair no preconceito a tudo que é moderno – saber reconhecer a qualidade em qualquer época, não cair na esparrela de ser um “homem do seu tempo”).


A desumanização do homem: rebaixamento do homem a uma posição secundária diante dos objetos como a cultura (no Renascimento), o dinheiro (no Mercantilismo), o Poder (nas ideologias coletivistas), a Natureza, a cibernética (que substituiria o homem), etc. A arte torna-se quantitativa e abstrata, ludicamente desumanizada.


Os negativistas: o negar da concepção religiosa do mundo fundada numa filosofia positiva que parte da afirmação do ser e tentam explicar o mundo como ele é. Fomento das filosofias da negação que negam a positividade e se colocam no niilismo, filosofias modernas auto-contraditórias que negam a possibilidade do conhecimento, (ver Filosofias da Afirmação e da Negação de Mário Ferreira dos Santos).


Os ismos: perda da ciência especulativa (da busca das causas até os primeiros princípios para entender o mundo real) em prol das meras opiniões (doxa). A ciência especulativa é, assim, uma libertadora da humanidade. Ela nos libertará dos ismos, que são excrescências de um primário e das pretensiosas posições adversas, que tanto mal nos têm feito.


Proletário, tema de exploração ideológica: em todas as épocas da humanidade os que apenas são prestadores de serviço foram sempre vítimas de exploradores astuciosos. Assim sempre foi, e assim ainda é. A vida do proletário é feita de necessidades, seus problemas são sempre de urgente solução, porque não pode esperar, porque não espera seu estômago, que pede alimentos; seu corpo, que pede vestes. O proletário há de ser sempre o grande procurado, o grande explorado pelos que desejam ascender aos altos postos, pelos que não podem se erguer por si mesmos, porque, na verdade, não são grandes, mas podem erguer-se sobre as esquálidas costas do proletário aos postos grandes para parecerem grandes. O sedento de poder, aquele que não pode sofrer a sua inferioridade, aquele que não suporta dentro de si a sua pequenez, quer o cargo elevado, porque julga que ocupando um pedestal, e estando, mais alto que os outros, é realmente maior que os outros. E em busca deste poder vai prometer aos proletários aquilo que nunca dará, sempre culpando os outros pelo drama resultante de suas falsas promessas enquanto tudo faz para mantê-los na ignorância e na miséria.


A especulação na baixa dos valores: tudo quanto é de menos valia é exaltado, a mediocridade é exaltada, o inferior é erguido. É a “rebelião das massas” enunciada por Ortega y Gasset na segunda metade dos anos 1920.


A propaganda desenfreada: propaganda desenfreada do que é mau, dando a impressão que a maldade dominou totalmente. Não há mais corações que se exaltem, não há mais gestos de nobreza, não há mais homens que olhem os seus semelhantes como seus amigos. E isso não é verdade. Mas a mentira organizada da mídia dá a impressão do inverso. É uma estimulação constante para que se veja o contrário, para que o contrário se dê, para que o contrário seja a regra.


Ideias sociais primárias: proliferação das ideias sociais primárias, que prometem o impossível aos homens, e só lhes trazem as mais desalentadoras experiências. Os resultados não corresponderam às expectativas, e se há ainda, em muitos, algumas esperanças de que possa encontrar nessas promessas o caminho das efetividades desejadas, deve-se à pobre advertência dos que não sabem mais distinguir entre o que é quimérico e o que tem probabilidade de realização. Este mundo precisa ser reformado, sem dúvida, mas cuidemos de não trocar o ruim pelo pior.


Cientismo ingênuo: insistência no erro de julgar tudo explicar nos laboratórios, no empirismo vulgar que submete o mais ao menos, no criticismo agnóstico que nega o valor nos nossos conhecimentos, no positivismo vicioso que faz afirmações absolutas partindo de premissas meramente contingentes, no niilismo pessimista que desfalece ante as dificuldades teóricas, e no satanismo negro que tudo subverte na sem-razão e na loucura.



As denúncias de Mario Ferreira dos Santos caíram em ouvidos moucos, e os bárbaros tupiniquins trataram de enterrar nosso maior filósofo no cemitério do olvido. Os pontos de ataque à cultura ocidental por ele levantados nesta obra seguem intensificando-se, acelerando a marcha ao fim do atual ciclo cultural.


Hoje temos pais clamando pelo direito de assassinas seus filhos ainda no ventre da mãe, crianças sexualizadas e mutiladas em proveito de ideologias diabólicas, a sodomia celebrada com orgulho (húbris), a pedofilia seguindo o mesmo caminho… os bárbaros já foram substituídos por demônios e seus servos satânicos.


 


Notas

  • Mário Ferreira dos Santos (1907-1968) é o maior filósofo das Américas. Apenas ele e Bernard Lonergan construíram estruturas filosóficas próprias. Mário é o maior estudioso pitagórico da modernidade.

  • As grandes influências dele foram Pitágoras, São Tomás de Aquino, Aristóteles e Platão.

  • Livros mais destacados: Filosofias da Afirmação e da Negação, Tratado de Simbólica, A Sabedoria das Leis Eternas e Filosofia Concreta.

  • Invasão Vertical dos Bárbaros foi publicado em 1967.

  • O primeiro subciclo no atual Kali-Yuga teria a seguinte divisão quartenária (início – fim): 1382 d.C.------------------------------1641-------------------1835-------------1965-----2030 d.C.

  • O segundo subciclo na última fase do subciclo anterior teria a seguinte divisão quartenária (início – fim): 1965 d.C.-------------------------------1991-------------------2011-------------2024-----2030 d.C.

  • A máxima mens sana in corpore sano vem da Sátira de X de Juvenal (poeta romano 55/60-127 d.C.), apresentada como o aspecto mais desejável na vida.

  • Pseudomorfoses são, na Cristalografia, as formas de alguns cristais que não lhes são peculiares, mas estes por serem produzidos por gases que escapam por aberturas na rocha de configuração determinada, acabam por adotar a forma desta. São assim pseudo-formações (pseudos = falsos e morphósis = formações), pois essas formações não correspondem essencialmente ao que o cristal teria num desenvolvimento normal.

  • Exemplo de nominalismo, conceptualismo, realismo moderado e realismo exagerado no tocante aos conceitos universais: Se tomamos o termo verbal Volskwagen, este em sua silabação é apenas um sopro, um flatus vocis. Mas que se pretende dizer com tal flatus vocis? Tende-se, com tal termo, apontar aos automóveis que levam a marca Volkswagen. Nesse caso há uma intencionalidade nesse termo: designar os automóveis Volkswagen. Tal termo tem, pois, uma universalidade de significação. Chamemos a isso estágio A. Mas que são esses automóveis Volkswagen? Coisas totalmente heterogêneas? Não; são automóveis que têm em comum inúmeras semelhanças que neles se repetem. São produzidos segundo normas preestabelecidas, repetindo todos os mesmos caracteres técnicos, mecânicos, etc. Qualquer pessoa pode compreender isso. Portanto, o termo Volkswagen capta (com-capta) um conjunto de notas que constituem o Volkswagen. Não são, porém, quaisquer notas. Pouco importa que seja verde ou amarelo, etc. Há alguma coisa de imprescindível (de que não se pode prescindir) para dizer que tal automóvel é Volkswagen. Pois tudo isso que intencionalmente nossa mente diz que é imprescindível para que um automóvel seja Volkswagen é o que constitui, em suas linhas gerais, o que foi com-captado, que, do latim cum-capto, dá cum-ceptum, conceito. Então o termo Volkswagen, que aponta aos automóveis, segundo o estágio A é agora uma universalidade de conceituação, ou seja, significa também um universal (conceito). Chamemos a isso estágio B. Mas que fundamento real tem esse conceito? Em que realidade se funda? Funda-se na realidade dos automóveis Volkswagen, que lhes dá o fundamento real, que é o estágio C. Mas a ideia do Volkswagen é uma realidade subsistente por si mesma, independente da mente humana? Se se afirma que sim, temos o estágio D. Pois bem, o nominalista afirma apenas a realidade do estágio A, o conceptualista afirma, além dessa realidade, a do estágio B, o realista moderado, além dessas realidades, a do estágio C, e o realista exagerado, além de todas, a do estágio D.

  • Grandes desumanizadores do século XX: Lênin, Stálin, Hitler e Mussolini.

  • O homem, que outra renda não tem que a do seu trabalho, e que a única riqueza que possui são seus filhos, foi chamado de proletário, porque só a sua prole é o bem que lhe resta, a renda que lhe permitem ter é a que lhe podem dar seus filhos.

  • Somos cidadãos de duas pátrias, da pátria terrestre e de uma pátria celestial; ao mesmo tempo que o ser humano deseja viver plenamente a sua vida, gozar dos frutos terrestres ao máximo, ele também, aspira a gozar dos frutos de uma vida ideal, de uma vida superior e perfeitíssima, porque o nosso anelo não se aquieta, sente-se não se aquietar a não ser na posse plena e integral da felicidade suprema., Há em nós um ímpeto à suprema perfeição. Não nos satisfazemos com as nossas limitações, mas também não queremos abandoná-las; quer dizer, queremos ser homens, mas também ser deuses. O genuíno do Cristianismo não é nem a excessiva ascética, que leva ao completo abandono das coisas que pertencem a este mundo, nem tampouco uma outra ascese, que nos levasse ao abandono total das coisas que pertencem ao mundo das nossas ideias e das perfeições supremas para cairmos no que há de inferior e de mesquinho.

  • A valorização da pátria celestial, sem detrimento da pátria terrestre, é encontrada no pensamento de São Francisco, i.e. na tendência a nos irmanar com as coisas: o irmão Sol, irmã Lua, irmã Terra. São Francisco luta, por todos os meios, para que nos irmanemos, que nos identifiquemos com as coisas deste mundo, sem deixar de também buscar a nossa identificação com o que pertence ao mundo divino. A concepção franciscana é uma verdadeira mediação, posição genuinamente cristã de mediação, de realizar esta união em nós, das duas pátrias.

  • A cibernética (IA) nunca substituirá a sabedoria humana, que é criadora, profunda e nos leva à captação dos primeiros princípios, o fundamento matético. A cibernética estará sempre subordinada ao grau da nossa inteligência. Poderemos, sim, ampliar o campo das nossas máquinas de pensar; mas elas nunca ultrapassarão a profundidade do pensamento humano. Poderá realizar com mais rapidez, com mais precisão, certos pensamentos que podem reduzir-se ao meramente mecânico. Enfim, a máquina só pode realizar aquilo que o homem imaginar e incluir em sua criação.

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