Henri-Georges Clouzot (1907-1977)
- Cultura Animi
- 17 de mar.
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“ I started as an editor, which is very important. I am always in the cutting room. I think you can’t write properly unless you are an editor. I always have the cutting in mind when I'm shooting. Very often I look at my watch and say it’s good for twenty seconds and not more.” – Henri-Georges Clouzot
Excelente artesão, Clouzot era um mestre reconhecido do suspense, uma espécie de Hitchcock francês, mas sem o toque de humor deste último – seus filmes são tipicamente mórbidos e violentos.
Seus filmes misantrópicos são preenchidos por personagens que exibem apenas os instintos mais básicos, desprovidos de sentimentalismo, seu pessimismo ácido retrata as pessoas como predadores e presas empenhadas na autopreservação. Embora todos, tenham suas razões, a motivação é, na melhor das hipóteses, instintiva, e na pior das hipóteses, maliciosa – o mundo de Clouzot se desintegra através da desconfiança, alienação e um doentio egoísmo. Tal visão advém principalmente da adesão do diretor a filosofia existencialista sartriana. Porém, diferentemente do cafetão de Simone de Beauvoir, Clouzot velava sua simpatia pelo marxismo, que só é escancarada em Le Salaire de la Peur.
De saúde debilitada, Clouzot dirigiu apenas 14 longas-metragens, seguem comentários sobre os mais relevantes:
Le Corbeau (1943): Um médico da aldeia francesa se torna alvo de comprometedoras cartas anônimas enviadas aos líderes locais. Mantendo todas as convenções do thriller, Clouzot expõem os defeitos físicos e psicológicos de todas as personagens do filme. A depravação e corrupção reveladas eram demasiadamente desagradáveis e chocantes para a época – não há uma personagem positiva em todo o filme. Retrato sombrio da sociedade que foi condenado tanto pelos nazistas ocupantes como pelos patriotas franceses.
Quai des Orfèvres (1947): Marido ciumento pretende assassinar o suposto amante da esposa, mas já o encontra morto. Inspirado no romance Légitime Défense (1942) de Stanislas-Andre Steeman. O título refere-se ao endereço da Direction Régionale de Police Judiciaire de Paris, então localizada em 36 Quai des Orfèvres. É um filme sobre procedimento policial, com pessoas de ego inflado se espremendo em corredores estreitos e cantos apertados, apresentadas com uma fabulosa fotografia em preto-e-branco. Clouzot sabe que a atmosfera é o que conta, e este filme revela sua capacidade em trabalhar o mise-en-scène – quase dá para sentir o cheiro do suor, a pintura gordurosa e o perfume barato. O grande ator Louis Jouvet interpreta o inspetor de polícia (Antoine), e se destaca dentro do excelente elenco – notar como Antoine desvenda as demais personagens enquanto deslinda o mistério.
Le Salaire de la Peur (1953): Numa decrépita aldeia sul-americana quatro homens são contratados para transportar um carregamento de nitroglicerina em condições precárias. Libelo anticapitalista repleto de personagens estereotipadas em uma América do Sul que mais parece o Inferno. Adaptação da novela homônima de George Arnaud onde o diretor expõe seu compromisso com os amigos marxistas. Embora a configuração seja bastante lenta pelos atuais padrões narrativos, o design visual de Clouzot é magistral: a primeira hora é dominada por sombras constantes e opressivas de prisão lançadas sobre os personagens principais e por figurinos sobrecarregados com faixas verticais ou horizontais. De fato, quando Mario, de Yves Montand, diz "É como a prisão aqui", o sentimento parece quase redundante. A perigosa viagem é apresentada como metáfora do horror existencial que compreende a visão de mundo de Clouzot. Quatro imagens do nada existencial, uma para cada um dos elementos naturais, são exibidas: (1) a explosão que leva ao ar sem deixar vestígios dois dos homens; (2) um poço preto líquido no qual um dos aventureiros é sugado; (3) o próprio fogo destrutivo e abrangente; e (4) o esmagamento por terra do último sobrevivente dos quatro homens – ar, líquido, fogo, terra, horríveis e violentos como as almas dos homens.
Les Diaboliques (1955): A esposa e a amante de um diretor escolar planejam matá-lo com o que elas acreditam ser o álibi perfeito. O roteiro, adaptado por Clouzot de um romance de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, é uma peça de artifício fantástica, mas o realismo da direção torna esta história não-natural de alguma forma provável. Como sempre, o filme é bem atuado, com tensão e suspense, e exibe maldade perversa de caráter num ambiente opressivo e perturbador. Foi o sétimo filme da carreira de Clouzot e o ápice do seu sucesso de crítica e público – extremamente popular na França, ganhou o prestigiado Prêmio Louis-Delluc e se tornou um grande sucesso internacional (Alfred Hitchcock foi um de seus admiradores). Um clássico que influenciou inúmeros outros directors.
La Vérité (1960): Julgamento de uma garota promíscua (interpretada por Brigitte Bardot no auge da fama) para determinar se o assassinato de seu amante foi um crime passional ou premeditado. Depois de abordar os procedimentos policiais em Quai des Orfèvres, Clouzot aludi aos procedimentos jurídicos, num embate entre a moral estabelecida e a decadência espiritual e ética da juvenilidade dos anos 1960. Mas entre a tradição e a nova geração nada se salva através das lentes do misantropo diretor, apresentando a primeira como hipócrita e a segunda em toda sua fealdade. O filme foi projetado para colocar Clouzot nas graças da juventude da época, então obcecada pelos filmes da Nouvelle Vague. Mas apesar de La Vérité ser bem superior ao que a Nouvelle Vague produzia, seu estilo não alcançava a espontaneidade daquele movimento, e.g. as cenas no café soam forçadas, e foi duramente criticado pelos invejosos críticos-diretores da Cahiers du Cinema.
La Prisonnière (1968): Dono de uma galeria de arte revela um lado sombrio, chamando a atenção da esposa de um artista que acaba atraída por ele. Oito anos após La Vérité, Clouzot retorna a tela grande tentando novamente angariar o respeito dos meninos malcriados da Cahiers du Cinema. E novamente o afastamento do seu estilo resulta em um filme inferior a sua obra anterior. A narrativa compreende uma confusa crítica à arte moderna, ao feminismo, e aos costumes em geral, apontando suas hipocrisias. Este foi o último filme de Clouzot e o único em cores, das quais ele faz uso interessante, servindo-se da estética dos anos 60 com algumas imagens genuinamente vívidas, incluindo uma singular sequência de sonho.