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FHC mente em defesa da descriminalização das drogas


The creatures finally decanted were almost subhuman; but they were capable of performing unskilled work and, when properly conditioned, detensioned by free and frequent access to the opposite sex, constantly distracted by gratuitous entertainment and reinforced in their good behavior patterns by daily doses of soma, could be counted on to give no trouble to their superiors. Aldous Huxley – Brave New World Revisited

Em seu artigo O Desafio das Drogas publicado no jornal O Estado de São Paulo em 06/12/2009 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender a descriminalização do consumo de drogas, ou seja, que consumidores não sejam processados legalmente por portar e/ou consumir drogas ilícitas. Em defesa de tal posição FHC faz referência à experiência portuguesa onde desde 2001 as drogas foram descriminalizadas: elas permaneceram proibidas e pessoas flagradas com quantidade inferior a dez dias de consumo individual não são processadas mas sim encaminhadas para tratamento. O artigo alega que após a promulgação da nova lei o consumo de drogas em Portugal “reduziu, em especial entre jovens de 15 a 19 anos.” Surpreendido com a informação busquei entender a experiência portuguesa e encontrei a fonte de tal afirmação. Trata-se de um white paper assinado por Glenn Greenwald em abril de 2009(1), sob auspício da americana CATO Institute, intitulado Drug Decriminalization in Portugal: Lessons for Creating Fair and Successful Drug Policies. Não só FHC usa esta fonte. O estudo de Greenwald correu o mundo e gerou matérias pró-liberação das drogas nos dois lados do Atlântico. Revistas de grande circulação como a inglesa The Economist e a americana Times já usaram o material de Greenwald para sugerir uma vida mais fácil aos viciados(2).

E o que conclui o estudo de Greenwald? Ele afirma que a descriminalização em Portugal foi um “retumbante sucesso” e que “deveria ser cuidadosamente considerada pelos legisladores ao redor do mundo”. Ele baseia sua conclusão nas seguintes observações:

  • Argumenta não ter havido aumento no consumo de drogas (medida em qualquer momento da vida do pesquisado) após a descriminalização.

  • Alega redução de consumo junto aos grupos populacionais mais jovens. Isso seria particularmente relevante quando comparado a outros países europeus, mais intransigentes com os viciados, onde o consumo teria aumentado. Greenwald ainda explica que esta queda não impactou o consumo total devido a um suposto efeito do corte das idades, com pessoas mais velhas que nunca provaram drogas sendo substituídas por mais jovens que já as provaram.

  • E ainda afirma que Portugal estaria agora entre os países de menor consumo de drogas, principalmente em comparação aos países onde as leis são mais rígidas.

Achei estranho que um americano liberal (na conotação desta palavra nos EUA, i.e. esquerdista) fosse o arauto de tamanhas conquistas, enquanto os próprios portugueses estariam mais tímidos quanto aos propalados resultados de sua própria política. Assim, resolvi pesquisar as fontes primárias citadas por Greenwald em sua pesquisa, e descobri que a realidade é bem diferente do que ele apregoa. Vejamos os fatos:

  • Conforme o II Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoactivas na População Portuguesa(3) publicado em 2007 o consumo de drogas ilícitas aumentou no país. Segue a comparação dos percentuais de consumidores (que consumiram drogas em qualquer momento de suas vidas) dos diferentes grupos etários entre 2001, ano da entrada da lei em vigor e do primeiro inquérito nacional, e a segunda e mais recente pesquisa:

Tabela 1: Consumo de drogas ilícitas em algum momento da vida (Portugal)


Não há como negar o evidente aumento de consumo. Olhando os dados primários entendemos por que Greenwald não reporta os números acima em seu estudo e prefere focar nos grupos populacionais mais jovens enquanto erroneamente comunica uma não-existente estabilidade no consumo de drogas no país. Nota-se ainda que a tentativa de explicação para a (não-existente) estabilidade apesar da queda entre os jovens, em função do efeito de corte das idades, não se sustenta. Em 2001 o consumo entre jovens adultos de 25-34 anos era de 12.9%, levemente superior ao do grupo etário imediatamente inferior de 15-24 anos com 12.4%. Logo, seria impossível um aumento de 12.9% para 19.0% junto aos jovens adultos se não houvesse um real, e significativo, aumento de consumo, já que os entrantes nesta faixa etária vinham de um patamar de consumo inferior a base anterior (i.e. 12.4% versus 12.9%).

  • Greenwald faz uso de outra pesquisa específica junto às escolas(4) para demonstrar queda no consumo junto aos jovens entre 13-15 anos de 14.1% em 2001 para 10.6% em 2006, e entre 16-18 anos de 27.6% para 21.6% no mesmo período. Porém não faz nenhuma menção ao fato de que os resultados destes estudos serem enviados para The European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs(5) como parte de uma análise para todo o continente europeu. E os dados europeus mostram que a queda de consumo junto a estas faixas etárias observada em Portugal também aconteceu na maioria dos demais países, inclusive muito mais acentuada em alguns destes. Seguem estes dados hierarquizados do maior ao menor consumo (medida em qualquer momento da vida do pesquisado) em 2007, os dados demarcados em amarelo apresentam queda entre as duas últimas pesquisas:

Tabela 2: Consumo de drogas ilícitas em algum momento da vida (jovens de 16 anos)


Portanto, é impossível relacionar a queda de consumo junto aos jovens em Portugal com a lei específica daquele país, pois as quedas de consumo ocorreram na maioria de países com políticas mais rígidas, indicando claramente que outros fatores estão envolvidos no comportamento deste grupo etário. Em nenhum momento Greenwald faz esta análise antes de afirmar uma relação de causa-efeito que, no caso, é insustentável.


  • Também não procede a afirmação de que “agora” Portugal tem um dos níveis mais baixos de consumo de drogas na Europa. Os dados abaixo extraídos do site da European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction(6) mostram que Portugal já estava entre os países de menor consumo antes da nova lei. Os dados abaixo se referem ao consumo de cannabis, a droga mais consumida na Europa:

Tabela 3: Consumo de cannabis em algum momento da vida (público geral)


Não é possível estabelecer uma relação direta do consumo de drogas apenas com a rigorosidade da lei em cada país. Os dados indicam que fatores históricos, culturais e econômicos precedem a questão legal no desenvolvimento do vício.

O estudo de Greenwald ainda cita diminuição no número de doenças e mortes relacionadas com drogas como benefícios da descriminalização implementada em 2001. Porém, uma vez mais não estabelece relação causal coerente. Afinal, tal diminuição pode advir de melhores medidas sanitárias, conscientização sobre AIDS, ou ainda mudança do perfil das drogas consumidas (e.g. redução da heroína e crescimento de drogas sintéticas).

Os números demonstram que Greenwald, provavelmente em conluio com a CATO, construiu uma peça de ficção para vender sua ideologia favorável a descriminalização das drogas. E chama atenção que veículos importantes da mídia mundial repercutem a falsidade, seja por debilidade profissional ou má intenção fomentada pelo Grupo Bilderberg(7).

Quanto ao Brasil é importante ficarmos atentos. O Ministério da Justiça, que via PT e Foro de São Paulo está ligado às FARCS, já está propondo a descriminalização do consumo E os apologistas das drogas, como FHC e o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, já estão em plena campanha para a aprovação deste projeto.

 

Nota 1: O white paper está disponível no site do instituto www.cato.org. Nota 2: Drug in Portugal: Did descriminalization Work? (Times – 26/04/09) e Treating, not punishing (The Economist – 27/08/09). Nota 3: Todos os dados encontram-se no site www.idt.pt. Nota 4: INME – Inquérito Nacional em Meio Escolar 2001 e 2006. Nota 5: Dados do ESPAD disponíveis em www.espad.org. Nota 6: Endereço do site: www.emcdda.europe.eu. Nota 7: Donos e editores de ambas publicações (The Economist e Times) estão sempre presentes nas reuniões do Grupo Bilderberg.

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