“(os vencedores da disputa política)… precisarão dominar-se, para estabelecer leis comuns que tanto beneficiem os vencidos como a eles próprios, recorrendo a meios duplamente compulsórios para a todos obrigar a obedecer essas leis, com respeito e temor: temor, a fim de demonstrar-lhes que lhes são superiores pela força; e respeito, por se revelarem capazes de dominar os apetites e de se submeterem voluntariamente às leis.”
– Platão (337a), condição sem a qual não há possibilidade de harmonia social
Sócrates absteve-se de agir na vida política porque entendia que sua capacidade de ajudar o Estado estava em outra esfera (ver Apologia de Sócrates) – compreendia sua função de brâmane e a incompatibilidade da mesma fundir com a de xátria, pois a aprendizagem (voluntária) não se dá através quem detém o poder (a força).
Platão logo chegou a conclusão de que as aspirações de Sócrates não poderiam vir a realizar em nenhum dos Estados existentes, e afastou-se do Estado por não dispor do poder necessário para pôr em prática o que a sua consciência lhe ditava como sendo bom. Mas sua aspiração continuou sempre a visar o objetivo de realizar o melhor Estado e conjugar estas duas coisas que na Terra estão geralmente dissociadas: o poder e a sabedoria (ver O Sentido das Castas).
A experiência de Platão em Siracusa exemplifica o quanto o poder pode corromper um líder e, com isto, conspurcar uma sociedade – Platão abandona a ideia do rei filósofo em favor das leis, apenas as leis poderiam realmente liderar uma nação (A República dá lugar às Leis).
Daí a importância de uma Constituição, escrita pelas mentes mais justas e preparadas, que ordene a sociedade de forma perene, impedindo que os governantes que se alteram no poder prejudiquem drasticamente a nação. Os Estados Unidos é um excelente exemplo desta regra, e não é surpresa que em seu momento de crise aguda testemunhemos sua constituição ser questionada e atacada pelos candidatos a tirano.
O Brasil também exemplifica a mesma regra, mas de forma negativa. O insucesso civilizacional brasileiro caminha em paralelo as suas sucessivas constituições, e a nação flerta constantemente com o caos mediante a atual constituição, historicamente a pior já redigida, e uma corte suprema (STF) que a perverte constantemente.
Platão considerava que o caminho dialético socrático para o belo, bom e verdadeiro levava ao verdadeiro conhecimento. Por esta via se conseguia remontar acima do mutável até o estável, da diversidade à unidade, sendo esta estabilidade e unidade a essência dos fenômenos – o verdadeiro Ser. Assim, a teoria das ideias platônica captaria o sentido e essência da dialética socrática.
Partindo da investigação de cada virtude, em separado, Platão demonstra que toda tentativa de definir cada uma delas em si própria leva necessariamente à síntese de todas numa só virtude, a partir da qual é possível conhecê-las todas:
A virtude consiste no conhecimento do Bem pela via da educação, sendo este conhecimento a única base sobre a qual a comunidade humana pode edificar-se
Nesta carta Platão afirma de maneira mais explícita o que insinuara no Fedro com relação ao ensinamento apenas oral das “coisas de maior valor”. Platão não quis escrever nem desejou que algum de seus discípulos escrevesse sobre o que ensinava sobre os “princípios supremos da realidade”. Acreditava que a maioria do discurso escrito sobre esses temas seria danoso em função das reações que provocaria em numerosas pessoas que não entendendo aquelas coisas, as ridiculizariam e desprezariam, ou ficariam cheias de presunção pensando ter entendido o que de nenhuma maneira são capazes de entender.
Tais assuntos são destinados a poucos que teriam condição de entendê-los, pois o caminho que conduz a verdade é complexo e árduo (o discípulo precisa ter uma “boa natureza” para percorrê-lo, i.e. preferir “a arete ao prazer e a luxúria”) – e só podem ser ensinados mediante uma série de discussões feitas com perseverança e em estreita comunhão entre quem ensina e quem aprende. A verdade então se ilumina na alma do aluno e depois se alimenta por si mesma. As verdades supremas se resumem em poucas proposições, de sorte que quem as compreendeu grava-as na própria alma e não as esquece nunca.
Notas
Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou na próxima Egina.
Filho de Ariston, descendente do rei Codro, Perictíone e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.
Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).
Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “A mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”
Os subtítulo dos diálogos, e.g. Fedro, sobre o Belo, foram dados por Trasilo no século I, na Biblioteca de Alexandria que então comandava.
Treze cartas, de autoria duvidosa, chegaram até nossos dias. Independentemente da autoria, a Carta VII é um documento único entre as epístolas gregas, sendo de grande importância para entender Platão, sua filosofia, e seu tempo: a história política da Sicília (do mundo mediterrâneo), a história das autobiografias, e muitos outros temas.
Ao avaliar a relação entre as ideias de Platão e a realidade de seu tempo, a Carta VII iguala-se em importância à República e às Leis para o entendimento da política platônica.
A Carta VIII é uma continuação da Carta VII,mas sua legitimidade é muito questionada.
Importantes figuras políticas de Siracusa mencionadas na carta: Dionísio I (tirano desde 405 a.C. até sua morte – c. 430-367 a.C.), Dionísio II (filho e sucessor de Dionísio I – c. 397-343 a.C.), e Dião (cunhado de Dionísio I e aluno/amigo de Platão – c. 408-354 a.C.).
Dois eventos marcaram a decepção de Platão com a política: a tirania do Governo dos Trinta e a condenação e morte de Sócrates. Mas mesmo como filósofo nunca abandonou a questão política, sempre buscando a reconciliação da pólis com o cosmo.
Platão era odiado pela corte em Siracusa por apontar os problemas do sistema, enquanto governantes e cortesões buscavam apenas explorá-lo.
Platão sugeriu a Dionísio II levar uma vida de disciplina diária que o leva-se ao autocontrole e às virtudes, para então formar uma comunidade existencial ao seu redor que comunga-se daquelas virtudes – formação de um núcleo do qual se buscaria a regeneração da pólis.
A democracia pode ser tão cruel quanto a tirania, sendo mais fácil se livrar desta (e.g. eliminando o tirano) do que se libertar de toda uma sociedade degradada.
O Brasil produziu sete constituições desde sua independência em 1822 (1824), 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988). A Constituição de 1988 é notoriamente desestabilizadora da vida nacional, seu advento provocou enorme insegurança jurídica, dificultou a governabilidade, inibiu os negócios e investimentos internos e externos, sem falar nos conflitos sociais que gerou, em níveis jamais antes experimentados.