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Parmênides de Platão


Só um individuo de dotes extraordinários será capaz de compreender que para uma coisa há um gênero à parte com existência independente, e alguém mais dotado, ainda, para descobrir tudo isso e ensiná-lo devidamente aos outros, por meio de uma análise exaustiva. – Platão insinua que certos conhecimentos não são para todos (135a)

Personagens Sócrates – ainda em plena juventude, filósofo Parmênides – principal representante da escola eleática, 65 anos Zenão – discípulo de Parmênides, 40 anos Aristóteles – jovem, membro da oligarquia dos futuros Trinta Tiranos Antifonte – narrador das conversas entre as personagens acima Céfalo – estrangeiro de Clazômenas Adimanto, Glauco – atenienses Pítodoro – amigo de Zenão



Interpretação Parmênides é um diálogo difícil, provavelmente o mais árduo de todos que foram escritos por Platão. É um diálogo muito técnico, em que se leva ao extremo o estudo das dificuldades teóricas do platonismo. Platão discute a teoria das Ideais, o mundo das formas, colocando na boca de Parmênides todas as críticas que esta teoria enfrentava na época. Parmênides quer provar que só o Uno existe, mas Platão demonstra que os dois, Uno e Múltiplo, existem.


O diálogo divide-se em três partes. Na primeira, e mais famosa, são expostas a interpretação e o quadro geral da dialética zenoniana, explicando como seus argumentos pretendiam reforçar as teses de Parmênides, ou seja, que o Todo é o Uno (afirmação da unidade e unicidade do ser). Zenão ataca os adversários da afirmação de que “o Uno é” expondo como a afirmação contrária, i.e. “os muitos são”, gera consequências absurdas – a impossibilidade da tese “pluralística” (oposta a “monística parmenidesiana) seria a confirmação dialética do próprio monismo.


Na segunda parte, Sócrates apresenta a teoria das Ideias, estruturalmente múltiplas – defesa da multiplicidade porém deslocando-se dos adversários dos eleatas (movendo-se das restrições do mundo sensível, alcançando o plano inteligível através da “segunda navegação”). Platão chama atenção para o fato de não se poder trazer para o plano inteligível as mesmas contradições da multiplicidade no mundo sensível, pois todas estas contradições são superadas exatamente com a doutrina das Ideias.


Tal desafio socrático provoca a interferência de Parmênides que assume pessoalmente o ônus da refutação. Porém, num primeiro instante, o mestre eleata limita-se a salientar sete aporias, algumas provavelmente já bem difundidas na época da composição do diálogo. Estas contestações nascem do erro em introduzir as Ideias como “causas”, rebaixando a causa ao mesmo nível dos causados, impossibilitando a compreensão da transcendência das Ideias em seu sentido metafisico.


Segue resumo das sete objeções parmenidesianas à teoria das Ideias, bem como possíveis antídotos a elas:


Ao final desta segunda parte Platão observa que (a) é preciso um espírito privilegiado para compreender a teoria das Ideias, e ainda maior para ensiná-la aos demais, e (b) as aporias a teoria das Ideias fazem parte do próprio pensamento e a própria dialética, sem o que não há filosofia.


Abre-se, assim, a longa e complexa terceira parte do diálogo, antecipado por uma espécie de prólogo metodológico: deve-se expor a hipótese de existência de uma Ideia, e em seguida analisar suas consequências com relação a si mesma e ao seu contrário, e depois repetir o processo com a hipótese de não existência daquela Ideia. Isso deve ser feito não somente para o Uno e o Múltiplo, mas também para as Ideias de semelhante e dessemelhante, de movimento e de repouso, de ser e de não-ser, e assim por diante.


Segue-se o resumo analítico dos argumentos de Parmênides no debate das oito hipótese (e suas antíteses) levantadas sobre o Uno:


Em síntese, a concepção monista dos eleatas não se sustenta, pois cai em aporias insuperáveis. O mesmo acontece com uma posição simplesmente pluralista (como a atomista), Entre ambas (monismo e atomismo) existe a via média que admite a estrutura bipolar da realidade – referente a dois princípios, Uno e Múltiplo indefinido (Díade) indissoluvelmente ligados. Assim, a relação entre as Ideias e as coisas sensíveis deve ser reexaminada à luz desta bipolaridade (Unidade e Multiplicidade).


O diálogo acaba ensinando o mundo das formas de uma maneira indireta. Platão teria deixado para os leitores perceberam o erro de Parmênides em não tratar o Uno como um ser transcendente (ele faz grande confusão entre os significados de Uno – ver esquema abaixo). Didaticamente o diálogo é um fracasso, pois é muito difícil de entender.

Os diversos sentidos do Uno não compreendidos e confundidos por Parmênides:


Zenão e Parmênides olham as coisas horizontalmente onde um dos opostos deve ser eliminado – eles não concebem o não-ser como alternativa, como diferente (ver o diálogo Sofista). Já Platão olha de forma vertical, hierarquicamente diferentes, sendo que o de baixo participa do de cima – reflete nossa natureza tensional, cada indivíduo é único mas também múltiplo como parte da raça humana.

Mas se existe multiplicidade embaixo e unidade em cima, também pela mesma razão, tudo que há embaixo de alguma maneira está embrionariamente nesta unidade – a unidade central em cima teria que ser a origem da multiplicidade embaixo. Mas qual unidade terei acima? Espécies como somatória dos espécimes? Gênero como somatória das espécies? Onde começa esta hierarquia? Há uma unidade acima do mundo das Ideias que não está nos diálogos, que é a ideia do mundo dos princípios que rege todo que há abaixo, onde finalmente há uma unidade.


Platão não trata nos seus diálogos desta questão, e sua solução estaria na agatha dogmata, nos ensinamentos não-escritos, transmitidos apenas oralmente (ver Para Uma Nova Interpretação de Platão de Giovanni Reale).


O coração da filosofia platônica é a ideia de hierarquia entre o mundo sensível (1ª navegação – filósofos naturalistas, pré-socráticos), o mundo inteligível (2ª navegação – mundo das Ideias), e o mundo dos princípios (a segunda parte da 2ª navegação compreendida apenas nos ensinamentos não-escritos):


Uno (Deus)

Princípios – 2ª parte da 2ª navegação (o mundo como Deus pensa)

Ideias/Formas – 2ª navegação (que se unificam nos Princípios)

Múltiplos – 1ª navegação (que se unificam nas Ideias)



 


Notas


  • Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou na próxima Egina.

  • Filho de Ariston, descendente do rei Codro, Perictíone e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.

  • Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).

  • Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “a mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”

  • Os subtítulo dos diálogos, e.g. Fedro, sobre o Belo, foram dados por Trasilo no século I, na Biblioteca de Alexandria que então comandava.

  • Parmênides, sobre as ideias é diálogo legítimo (gênero lógico), provavelmente do período de maturidade, fase da segunda florescência filosófica de Platão.

  • Eleatas – relativo a Eleia, cidade grega situada na Itália meridional (Magna Grécia), sede da escola eleática de Xenófanes, Parmênides e Zenão.

  • Claro <<< >>> Escuro (polos extremos) contraditórios, mutuamente excludentes. Mas quando há uma área cinza isso não representa exclusão, e.g. este carro não é branco (portanto pode ser de outras cores). O não-ser pode existir a partir do momento que é apenas diferente.

  • Monista = um só Ser Supremo / Dualista = Bem e Mal – inviável – Platão não é dualista, o mundo sensível participa do mundo inteligível, o Múltiplo participa do Uno, e a ele está subordinado. Pitágoras, Platão, cristãos e judeus dizem que tudo origina do Ser Supremo – são todos monistas.

  • Quatro estruturas da realidade: Deus cria o mundo físico (corpóreo) e se “retira”, primeiro passo para trás deixa o mundo sutil (psíquico), segundo passo o mundo angelical (espiritual). (Mundo Divino – Mundo Espiritual – Mundo Psíquico – Mundo Corpóreo)

  • A melhor maneira de ensinar algo é fazendo as pessoas usarem sua inspiração divina (dada por Deus) para apreender a realidade, saber o que a coisa é, adquirir o conhecimento. (exemplo medieval do disputatio)

  • A aplicação da palavra gênero para sexo é um retrocesso. A palavra foi criada para estabelecer se as coisas eram “femininas ou masculinas (“a” ou “o”)” pois as cosias não têm sexo – ser humano tem sexo, coisas tem gênero.

  • Fenotípico / fenótipo – você não consegue definir o sexo.

  • Para Kant a realidade forma-se na sua mente, ele é um idealista. Platão acha que até as ideias são extra-mentes sendo que para Kant elas são intra-mentes – Platão é um realista. Hegel é que começa com a tolice de idealismo (o ser é aquilo que está dentro da mente), uma nova corrente filosófica.

  • Ontológico – associado ao ser, a coisa enquanto coisa / Ôntico – refere-se ao ser extra-mente (independente da forma a priori) – termos que surge apenas para fazer a distinção originada do engano kantiano. Para Kant somos prisioneiros de formas a priori / para ele nós não poderíamos entender as coisas como elas são, portanto não poderíamos entender Deus, apenas modelando-o a nossa forma a priori de Deus. É o império da mente sobre a realidade, geradora do idealismo e do relativismo. Kant dizia que “só podemos compreender o mundo pelas formas a priori e não pelo o que ele é” – isso só vai gerar aporias, e.g. uns acreditam na existência de gnomos e outros não, mas para Kant os gnomos existiriam e não existiriam ao mesmo tempo (como o tolo gato de Schrödinger) – o nous é que nos faz perceber a realidade, e.g. a intuição das crianças de entender que a realidade se sobrepõe as suposições.

  • A intelectualidade moderna (onde a perda da intuição te faz intelectual) não percebe a coisa como ela é. O ensino universitário da filosofia se perde nos debates dos problemas kantianos ou sartreanos, são becos sem saída por partirem de premissas erradas. Acaba-se concluindo que não dá para saber nada, descambando no relativismo tão amado pelos aspirantes ao totalitarismo.

  • “Átomo” filosoficamente implica indivisibilidade.

  • Panteismo = o conjunto das coisas existentes é Deus (Espinoza). Vê o mundo como uma totalidade (panteísta moderno, espinoziano) – hipótese de Gaia (e há louco que ainda acha que São Francisco ensinou isso)

  • Infinito = apenas o que não é material é infinito. O infinito matemático é apenas uma potência, não é real, é apenas teórico (não é ato, apenas potência).

  • Paralogismo = lógica falsa (ver Refutações Sofísticas da Aristóteles)

  • Racionalistas = raciocinam exclusivamente por um jogo de palavras lógicas, sem a intuição das coisas (sem intuição ontológica, como quando eu olho algo e sei o que é, ver o real concreto – isto é filosofia)

  • Fenomenologia de Husserl – capacidade de perceber o que a coisa é de forma ontológica (estudo do ser). Você não consegue provar “A = A” pois isso é um conhecimento ontológico

  • A ciência raciocina sobre as coisas mutáveis e a filosofia sobre as imutáveis, sobre as regras de como as coisas funcionam. Os objetos são diferentes mas o silogismo, o esquema mental é o mesmo.

  • Um coelho cortado em dois não são dois coelhos. Uma pedra partida em várias são várias pedras – aqui “forma” é a causa primordial. A divisibilidade ad infinitum só existe em potência e não em ato. A forma define o limite da divisibilidade.

  • Toda filosofia grega tem um processo iniciático: alunos plenos participam com perguntas, antes são apenas ouvintes, e inicialmente só ouvem e não veem (ficam atrás de uma cortina).

  • “ter de” = obrigação / “ter que” = opcional

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