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Bhagavad Gita

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 10 de jul.
  • 7 min de leitura
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A alma não nasce nem nunca morre; nem tendo existido uma vez, nunca deixa de existir. A alma não nasceu, é eterna, sempre existente, imortal e primordial.”

– Krishna ressalta a natureza da alma, tema central do poema


Você tem direito ao trabalho, mas nunca ao fruto do trabalho.”  

– Krishna articula sobre a importância da abnegação



Interpretação

O culminar da imagem de Deus como uma visão da Verdade pode ser encontrado talvez até 500 a.C. no poema Bhagavad Gita, a “Canção de Deus”, um produto da civilização indiana clássica. Por volta de 1800 a.C., as civilizações florescentes ao redor do rio Indo foram acometidas pelos invasores do oeste. A linguagem desses invasores era sânscrito, também a linguagem do Bhagavad Gita. O sânscrito estava relacionado ao persa e mais distante aos idiomas gregos, latinos e germânicos. Esses invasores, que se chamavam arianos, que significa “nobres”, impuseram seu governo por conquista. Da guerra e destruição emergiu uma nova civilização que produziu rica poesia, incluindo o Bhagavad Gita, no formato épico.


A religião desse povo era o hinduísmo, uma religião politeísta que rejeitava a noção de que o mundo dos deuses é finito, e está disposta a reconhecer qualquer novo poder divino capaz de oferecer benefícios sobrenaturais à comunidade de fiéis – uma profunda visão espiritual do mundo onde toda a natureza é vista como uma manifestação do divino. O sacrifício é fundamental para essa adoração, sendo usado para oferecer homenagem aos deuses em troca de suas bênçãos e para evitar o mal. Deuses individuais podem assumir muitas formas, como na religião egípcia. Tal qual na Ilíada de Homero e nos escritos de Marco Aurélio, essa noção politeísta do divino pode promover uma imagem de um Deus todo-poderoso e universal.


O Bhagavad Gita faz parte de um trabalho mais longo, o Mahabharata (como uma capela dentro de uma catedral), poema que apresenta uma história épica de guerra. Seu autor é desconhecido. A guerra no Bhagavad Gita é um símbolo do conflito de vida em andamento e da luta pela sabedoria de caminhar na vida de uma maneira que seja significativa para o indivíduo. É a luta entre duas tribos em guerra: é também uma luta entre certo e errado e entre o bem e o mal. No início da história, Arjuna, o herói, não entende a natureza de sua luta e deseja se retirar da guerra, mas Krishna intervém.


A verdade é uma ideia central do Bhagavad Gita. A primeira palavra no poema é dharma, ou “verdade” – refere-se às responsabilidades ou deveres morais de um indivíduo, e é considerado de acordo com Rta – a “ordem e costume” que tornam possível a vida e o universo (dharma está conectado à verdadeira natureza da realidade e aos princípios que mantêm a ordem).


Nesta alegoria, Krishna, o cocheiro de Arjuna, também é a imagem do deus supremo do universo; Arjuna representa todos os homens, a alma. Krishna explica a Arjuna como ele deve viajar pelo campo de batalha da vida, para onde direcionar a alma. A declaração de Mahatma Gandhi (1869-1948) refletem o tema do Bhagavad Gita: "é mais importante acreditar que a verdade é Deus do que que Deus é verdade" – a verdade vem primeiro. A mensagem de Krishna para Arjuna é que ele deve ser firme na verdade e deve travar a batalha da vida entendendo o que é a verdade, pois a Verdade é Deus.


O Bhagavad Gita também explica que, por trás das diversas e distintas manifestações do divino, há um ser divino subjacente que é tudo e que Krishna é as manifestação deste ser supremo. A presença de Deus está em toda parte ao longo de todas as coisas do universo. No Bhagavad Gita, Deus se torna visível a Arjuna em sua verdadeira forma. Este Deus está em toda parte do universo – o universo está contido em um átomo desse ser divino e, em todas as pessoas, há uma parte desse ser divino – o atman, o espírito divino em cada um de nós.


Após esse vislumbre da majestade de Deus e do entendimento de que Deus é tudo, um indivíduo pode chegar a uma compreensão de seu papel no universo criado por Deus. Esse papel é a nossa alma. Essa ideia contrasta com os pontos de vista nas Mediações e na Ilíada. Marcus Aurelius não tinha certeza da existência da alma – se existia, ele acreditava que chegava ao fim com a morte. Para Homero, esta vida é o que temos e devemos viver.

No Bhagavad Gita, a alma perdura, é eterna e é divina. A tarefa da humanidade é purificar a alma e ganhar sabedoria, alcançar a verdade para que a alma possa obter a liberdade final.Esta libertação final é o próximo passo de todos. O corpo é visto como uma prisão – os desejos corporais são o resultado de um conhecimento falso e da falsa sabedoria (e.g. o desejo de poder e riqueza, a luxúria – apenas ilusões). A sabedoria permite que uma pessoa comece a livrar-se dos falsos desejos, das falsas pulsões.


O caminho da sabedoria é nos levar a um estágio que libere a alma da escravidão do corpo para a eternidade. Sabedoria para livrar-se dos desejos ilegítimos que não levam a nenhuma libertação final, pois após a morte, o indivíduo torna-se alguma outra criatura. O destino que um indivíduo depende das suas escolhas em vida, e o afeta por muitos ciclos de morte e renascimento. O Bhagavad Gita é sobre fazer as escolhas corretas, sobre escolher com sabedoria. Ações terrenas são boas ou más e têm duradoura consequências. Opções usando a verdadeira sabedoria permitem que uma pessoa, em última análise, ganhe a liberdade eterna.


A sabedoria consiste em entender o karma, i.e. a tarefa a que um indivíduo foi atribuído por Deus, seu papel nesta existência. A escolha de aceitar o karma deve ser feita com total entendimento da dificuldade em executar este dever. Krishna ensina Arjuna que seu dever é combater aquela guerra, e aquele que renuncia à sua tarefa designada está condenado à reencarnação e sofrimento eternos. Aceitar a tarefa atribuída com medo também leva a inúmeros ciclos de reencarnação. Aceitar a tarefa com um coração inteiro permite que um ser suba um passo ou dois. Aceitar a tarefa com espírito supremo, com uma consciência e compreensão totalmente obedientes, podem levar à libertação final e à pura felicidade na unificação com Deus, que é a liberdade final. A decisão de seguir seu dharma pode trazer um ser à libertação – até o maior pecador pode ser libertado fazendo sua tarefa ao máximo.


A religião do Bhagavad Gita não é uma renúncia à vida, mas um chamado a apreender o significado final da vida e sua luta inerente. O Bhagavad Gita responde às perguntas sobre Deus, o bem e o mal, e o destino, e também lida com verdade, dever, justiça e amor:


  • Deus é tudo, Deus é eterno e permeia todo o universo.

  • O bem é seguir a missão designada, o mal é olvidá-la.

  • Todo indivíduo, cada partícula do universo, tem um destino, e o indivíduo deve ter a sabedoria para conhecer seu destino e aceitá-lo.

  • A verdade é tudo e todas as coisas.

  • Dever e responsabilidade são atribuídos por Deus e podem diferir do que outras pessoas recomendam. Deus está acima de tudo e de todos.

  • A justiça última está em todas as partículas do universo, de bom grado e alegremente, realizarem a vontade de Deus. O Bhagavad Gita não separa o mundo, Deus, o destino, a vida e o governo – estão todos misturados na visão total do mundo e da justiça. A justiça não é dos homens, mas faz parte da ordem divina, e o justo é inabalável e firme na verdade.

  • O amor levou Krishna a tomar forma neste mundo para que Arjuna pudesse vê-lo. O amor de um indivíduo é ficar absolutamente imerso no divino – abandonar todas as coisas que nos desviam do caminho de Deus.


A mensagem central do Bhagavad Gita é que Deus criou muitas estradas para a verdade, e cada pessoa deve encontrar seu próprio caminho. Essas estradas podem incluir sacrifícios, uma vida de piedade religiosa, contemplação e estudo, e a inescapável luta pela libertação.


O hindu nunca procura definir absolutamente o mundo dos deuses. Existem muitas formas diferentes de Deus, e cada uma pode ter um papel em levar um indivíduo à compreensão da verdade. A forma ou cerimônias de Deus não são importantes. O que é importante é o entendimento de que Deus é a Verdade. Esse entendimento dá coragem para viver a vida e seguir o karma – esta é a verdadeira ambição, a verdadeira honra.


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O Bhagavad Gita, como a Divina Comédia, é uma das maiores obras de educação já composta, elevando-nos da escuridão de uma vida sem significado à clareza da sabedoria de Deus – Dante e Arjuna tiveram a visão da glória divina. As antigas civilizações da Grécia e da Índia podem ter tido algum contato entre si – a transmigração da alma também estava no pitagorismo. No entanto, para aquela civilização indiana estas semelhanças não teriam significação histórica, mas apenas representariam a sabedoria divina eterna que é a guardiã da história.


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Notas


  • Estima-se que o Bhagava Gita, poema indiano de cunho filosófico e místico, tenha sido composto entre os séculos II e I a.C., mas sua datação ainda é tema de debate.

  • Embora tradicionalmente atribuído ao sábio Veda Vyasa, o Bhagava Gita é considerado uma obra composta por múltiplos autores.

  • Composto em forma de diálogo, o poema é contém 700 versos divididos em 18 capítulos, sendo parte do épico Mahabharata.

  • O Bhagava Gita combina muitos elementos diferentes da filosofia de Samkhya e Vedanta. Como texto religioso contribuiu à nova ênfase na devoção, que desde então permaneceu como caminho central no hinduísmo.

  • Mahatma Gandhi considerava o Bhagavad Gita uma obra religiosa par excellence, lendo diariamente suas passagens na busca de coragem para enfrentar a vida.

©2019 by Cultura Animi

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