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Aparição de Vergílio Ferreira

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • 11 de out.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de out.

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Não há sentido para a vida, há apenas o sentido que damos a ela.”

– Alberto sintetiza o núcleo do seu pensamento existencialista, a loucura imanentista



Personagens Principais Alberto Soares – narrador, professor Dr. Moura – amigo de Álvaro Sofia, Ana e Cristina – filhas de Moura Chico – engenheiro, 30 anos Carolino (Bexiguinha) – aluno do 7º ano do Liceu


Personagens Secundárias Álvaro e Susana – pais de Alberto Tomás e Evaristo – irmãos de Alberto Isaura e Júlia – esposas de Tomás e Evaristo Alfredo Cerqueira – marido de Ana Bailote – camponês que se suicida


Interpretação

O protagonista, já velho, narra fatos, ideias e experiências do período que, logo após a morte do seu pai, viveu em Évora como professor do Liceu. Aquela perda recente o colocou num estado de questionamento existencial, de luto, sombrio e descrente. Álvaro sentia-se completamente só, sem céu, nem inferno, nem eternidade após a morte, e busca justificar o milagre da vida perante o absurdo da morte. Ao final acredita que o importante é valorizar a vida, não a morte, e quem constrói essa vida seria o homem, e continua a interrogar-se, pois, acredita ele, que o homem só é quando ele próprio é interrogação (uma variação da tolice "cogito, ergo sum" originada da distorções heideggerianas da fenomenologia de Husserl).


Intoxicado de Sartre e Heidegger, o autor escrevia o primeiro romance existencialista em português, onde pretendia tornar o homem visível a si mesmo – colocar em causa a relação do homem consigo mesmo. O termo aparição quer designar a revelação instantânea de si a si próprio; a consciência absoluta da nossa existência num momento fugaz, uma epifania.


O romance é enfadonho como toda obra sartriana. Diante da natural nesciência das grandes questões o existencialista rebela-se e descarta toda metafísica. A antimetafísica desconecta o homem da realidade, enveredando-o na insanidade, explicando muito sobre a decadência espiritual, moral e intelectual hodierna.


Segundo G. K. Chesterton “a man who won’t believe in God will believe in anything”, e este homem acaba endeusando a si mesmo e/ou alguma ideologia anti-humana como o socialismo, ecologismo ou transgeneridade. Em mentes débeis, esta ausência da transcendência é perigosa. Daí a importância de Carolino e o assassinato de Sofia.


Muito se especula sobre o sentido daquele assassinato. Representaria o absurdo da vida? A morte da pureza num mundo corrompido? O fracasso da transcendência? A revelação existencial através do sofrimento? O ponto de viragem da consciência de Alberto que percebe que o sentido da vida não está fora de si, mas na própria experiência do ser, mesmo que trágica? Nenhuma destas conjecturas fazem sentido.


Carolino era um jovem perturbado, e foi levado a extremos pelas ideias de Alberto. Ideias trazem consequências, elas transbordam para a realidade quando incorporadas no homem ou na sociedade. A rejeição das verdades universais e da ordem transcendente é o cerne da nossa decadência civilizacional.


O homem vive de acordo com as ideias que acalenta, quer reconheça sua origem ou não. Cada ato de civilização é apenas o florescimento de um pensamento anterior, cada decadência é a colheita de algum erro há muito plantado no solo do espírito. Quando os homens deixam de acreditar que existe uma ordem transcendente à qual devem lealdade, libertam-se do princípio da forma e da medida, e o mundo torna-se um campo de apetites e poder. A tragédia da nossa época não é meramente política ou econômica, ela é é metafísica. Desde a negação da realidade dos universais, o homem moderno perdeu o seu centro, e dessa perda resultou a fragmentação da sua alma e da sociedade.


Ideias como as de Alberto causaram a ruína de Carolino com trágicas consequências. Compreender o assassinato de Sofia neste real sentindo é o único benefício que a leitura deste romance pode nos trazer.


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Notas


  • Vergílio Ferreira (1916-1996) nasceu na aldeia de Malo, junto à Serra da Estrela, Portugal.

  • Escritor, ensaísta e professor. Vergílio Ferreira iniciou-se no neorrealismo mas posteriormente enveredou pelo existencialismo.

  • Obra do gênero existencialista, Aparição foi publicado em 1959, e dava início a sua transição para o romance ensaio.

  • Publicado numa época em que o neorrealismo dominava a literatura portuguesa, Aparição rompeu com esse paradigma ao priorizar a interioridade do indivíduo em vez da crítica social explícita, mas sem sair do ardil marxista.

  • Outras obras de destaque incluem Manhã Submersa (1954), Alegria Breve (1965) e Para Sempre (1983), todas de cunho existencialista, amalgamando ficção e filosofia.

  • O protagonista de Aparição, Alberto Soares, seria um alter ego de Vergílio Ferreira, que aparentemente escreveu um romance autobiográfico onde pretende fazer uma radiografia da relação do Homem com a sociedade, com Deus e consigo mesmo.

©2019 by Cultura Animi

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