Personagens Principais Jasão – filho de Éson, legítimo herdeiro do trono de Iolco Medéia – filha de Eetes, feiticeira
Personagens Secundárias Pélias – rei ilegítimo de Iolco, tio de Jasão Eetes – rei de Cólquida Apsirto – filho de Eetes, irmão de Medéia
Interpretação O pai de Jasão foi destituído, pelo irmão, do trono de Iolco. Jasão é salvo da perseguição do tio e educado pelo Centauro Quíron (centauro – metade cavalo – simboliza a banalidade, perseguição dos desejos materiais). Ele carrega a legitimidade do trono, porém com uma tendência a queda material em função de sua educação. Além disto, Jasão perde uma sandália no caminho para Iolco. A sandália protege o pé – a alma – lembrando o “coxo” de Édipo (igualmente com a alma deformada / problemática). Como no caso de Édipo, Teseu e outros heróis mitológicos, Jasão precisa demonstrar sua capacidade de ser um rei justo (conhecedor de si mesmo – voltado para o espírito – e com os desejos harmonizados) e para tanto deverá vencer suas perversões. Como todo mito grego, esta é mais uma batalha travada na alma humana.
O nome da nau construída para a jornada de Jasão, Argo, remete a cor branca, cor da purificação. A ouro-cor do velocino representa a espiritualização, e o carneiro exprime a inocência (sublimação). O velocino é vigiado pelo dragão, símbolo tanto da perversão dominadora como da devassidão (com frequência o dragão é o guardião da virgem). Jasão precisa matar o dragão, matar a perversão dentro de si, sublimando seus desejos ilegítimos para reinar justamente em Iolco. Tratar-se de uma jornada de conquista da força de espírito (verdade) e pureza da alma.
Todavia o velocino representa tanto o ouro-cor como o ouro-moeda, portanto, tanto a espiritualização como a exaltação impura dos desejos. O valor simbólico do velocino para Jasão dependerá de como ele for conquistado.
Os argonautas tem que enfrentar as turbulências do mar para chegar a Cólquida onde está o velocino (mar simboliza a vida cujos perigos devem ser encarados – perigos submersos no subconsciente). Devem especialmente atravessar as Simplégades, duas rochas que se chocam e podem esmagar a Argo (rocha e esmagamento simbolizam o esmagamento da matéria sobre o espírito humano). Eles sobrevivem a travessia, mas a destruição do leme é um mau presságio.
Eetes, rei de Cólquida, impõe duas condições para que Jasão leve o velocino. Antes de enfrentar o dragão para ascender ao prêmio, ele deve arar o campo com touros indomáveis que sopram fogo e têm pés de bronze, semear o campo arado com dentes de dragão e, finalmente, enfrentar os homens de ferro que brotarão das sementes.
Vários significados neste desafio:
Arar a terra significa governar a terra de forma fecunda.
Domar os touros (sopram a chama devastadora e com pés de bronze, i.e. alma endurecida) simboliza domar sua perversão titânica, o perigo do abuso brutal inerente à pretensão ao poder.
Dragão remete também a perversão dominadora.
Vencer os homens de ferro, de alma endurecida, que nascem da inveja que o poder desperta.
Jasão não enfrenta esta tarefa com auxílio de instrumentos ou conselhos concedidos pelos deuses olímpicos de qualidade sublimada, mas sim, com o auxílio de Medéia, evoca a titânica Hécate. Ele não vence os homens de ferro com a força e coragem, mas com o uso de uma artimanha: atira uma pedra entre eles provocando intriga e jogando uns contra os outros. Porém a intriga não vence a injustiça, ao contrário, propaga-a.
O herói não enfrentará o dragão, matando-o em um ato heroico como símbolo real de libertação da perversão totalitária, mas fará uso de uma poção mágica preparada por Medéia para adormecer o dragão. O velocino não foi conquistado mas sim roubado. Seu valor simbólico não será a espiritualização do ouro-cor mas a perversão do ouro-moeda.
Fugindo de Cólquida com o velocino roubado, Medéia e Jasão matam Apsirto e atiram seus pedaços ao mar para retardar Eetes e escapar. O filho morto, a verdade sacrificada, em pedaços seriam as desculpas mentirosas atiradas ao rei-pai-espírito para fugir a culpa. Medéia destrói em Jasão o espírito sob forma de arrependimento, condenando-o definitivamente a perdição.
A ligação de Jasão com Medéia não é uma união de duas almas. Mas fruto do desejo físico (Eros flecha Medéia) e interesse (Jasão teme enfrentar os desafios). A feiticeira reina sobre as forças terrestres com o auxílio do poder demoníaco. Ao unir-se a Medéia, Jasão apela às forças demoníacas do subconsciente para avançar, e não se purifica no combate. Os artifícios de Medéia, utilizados por Jasão, são um insulto ao espírito, um pacto demoníaco. Jasão vendeu sua alma.
O fim de Jasão é contado em outras narrativas. Naturalmente, ele será um mau rei e expulso de Iolco. Mais tarde tenta livrar-se da influência da feiticeira que rebelada mata seus filhos. Representando as forças destruidoras do subconsciente, Medéia, de quem Jasão quis servir-se para alcançar a vida sublime, é o instrumento fatal da sua perdição e sofrimento. Jasão vai repousar à sombra da Argo, mas o mastro cai sobre sua cabeça e o mata. O símbolo da esperança heroica da sua juventude torna-se o símbolo da ruína final de sua vida.
Notas
Apolônio de Rodes nasceu em Alexandria (morreu em Rodes) no início do século III aC. A Argonáutica é sua obra mais conhecida.
Como todo mito grego há diferentes versões episódicas. Mas estas não interferem na interpretação do mito.
Entre os Argonautas mais importantes encontram-se também Orfeu, Teseu e Hércules, todos heróis que padecem da banalização titânica (dominação social perversa) e dionisíaca (devassidão – incapacidade de uma escolha justa e ligação amorosa duradoura).
Os poderes diabólicos de Medéia ainda seriam usados para matar o rei Pélias, e o rei Creonte e sua filha Creusa (por quem Jasão queria trocá-la). Abrigada por Egeu em Atenas, tentará envenenar o então príncipe Teseu. Expulsa também de Atenas regressa à Cólquida.
A tragédia Medéia de Eurípides é normalmente comentada como uma demonstração do poder do amor tanto para o bem como para o mal. Não podemos mais apreciar esta tragédia dentro da trilogia original para buscar compreender melhor o que nos queria dizer Eurípides. Mas buscar uma interpretação de Medéia como algo com relação ao amor ou uma leitura da alma feminina é mirar somente a fabulação sem nenhum valor simbólico (e uma ofensa às mulheres).
Assim como Medéia para com Jasão, Fedra também é a instigadora do castigo a Teseu.
留言