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Um Dia na Vida de Ivan Denisovich de Aleksandr Solzhenitsyn


Personagens Principais Ivan Denisovich Shukhov – homem simples, injustamente preso, suspeito de traição Personagens Secundárias Aliocha – preso batista Gopchik – preso por levar comida aos nacionalistas ucranianos, lembra Ivan de seu filho Tiurin – preso há 19 anos, líder da brigada 104 a qual pertence Ivan Fetiukov – preso que perdeu toda sua dignidade Tsezar Markovich – preso culto, diretor de cinema Kolia Vdovushkin – preso assistente de enfermaria, poeta Buinovski – ex-capitão da marinha preso por corresponder-se com um capitão inglês Pavlo – preso, ajudante de Tiurin no comando da brigada Ivan Kilgas – um dos principais trabalhadores da brigada junto com Ivan Senka Klevshin – preso surdo Volkovoi – tenente, chefe da segurança (volk = lobo – aspecto lupino dos guardas)

Interpretação O livro apresenta um dia na vida do prisioneiro Ivan Denisovich num campo de trabalhos forçados no Cazaquistão siberiano. Através de seus olhos tomamos conhecimento dos diferentes tipos, mais cultos e experientes que Ivan, prisioneiros daqueles campos de concentração. Entre estes se destacam o heroico ex-capitão da marinha Buinovski, do poeta Kolia que só podia escrever por estar preso, o intelectual Tsezar e o batista Aliocha.

As terríveis condições impostas aos prisioneiros não são apresentadas com indignação, culminando com Ivan considerando aquele dia como tendo sido positivo – “Um dia sem uma nuvem carregada, sombria. Quase um dia feliz.”. A narrativa seca transfere toda a indignação ao leitor. O autor faz uma devastadora denúncia dos campos de concentração soviéticos preservando oa humanidade dos prisioneiros.

Mais que uma crítica às condições cruéis dos presos, das arbitrariedades do Estado e do totalitarismo comunista, Soljenitzen apresenta o comportamento humano quando submetido a tais condições. Onde o ser humano se vê completamente nu – sem posses, sem família, sem nada – e tende a animalização, materialização completa da existência, focando nos elementos básicos para sua sobrevivência. Soljenitzen parece querer demonstrar ser impossível destruir completamente a humanidade de um homem, e que mesmo nestas condições deploráveis os melhores aspectos humanos podem medrar.

O injustiçado prisioneiro Ivan reduz sua existência ao mais básico instintos de sobrevivência. Conseguir algumas gramas a mais de pão ou uma bota mais resistente, esquentar o corpo sempre que houver alguma oportunidade e evitar a solitária são os tipos de preocupações que ocupam sua existência. Não há tempo para lamentar as arbitrariedades e injustiças a ele impostas. Para Ivan, a única forma de sobrevivência é aceitar a situação e seguir as regras de conduta dentro do campo, e ainda encontrar prazer em uma tarefa bem executada.

Cada qual reage a sua maneira. Ivan, Tiurin, Aliocha, Buinovski e outros, mais ou menos conscientemente recusam-se a perder sua condição humana. Nem todos conseguem. E Aliocha é o único que se eleva acima daquela terrível situação apresentando a vitória da fé sobre a adversidade (“Devemos orar pelas coisas do espírito, de maneira que o Senhor Jesus arranque os resíduos do mal de nossos corações...”) – assemelhando-se a experiência real de Viktor Frankl num campo de concentração nazista, para quem aquele que conhece o sentido de sua vida tem mais chance de sobreviver. Mas só quem viveu tal experiência pode criticar a forma alienada e materialista que Ivan lida com sua situação.

É na humanidade destas personagens tão realisticamente descritas que se encerra a devastadora crítica àquela situação totalitária.


 

Notas

  • Aleksandr Isayevich Solzhenitsyn (1918-2008) nasceu em Troitse-Lykovo, cerca de Moscou, na Rússia.

  • Outras obras relevantes do autor: O primeiro círculo (1968 – romance), Arquipélago Gulag (1973 – testemunho) e Agosto, 1914 (1984 – romance).

  • Solzhenitsyn foi internado num campo de concentração no período de 1945-1953 (escrevera uma carta com críticas a Stalin). Em 1950 foi transferido para o campo de trabalhos forçados em Ekibastuz no Kasaquistão que lhe proveu o material para Ivan Denisovich.

  • Um Dia na Vida de Ivan Denisovich foi publicado em 1962 durante o programa conhecido como de-Stalinização patrocinado por Nikita Khrushev, e tornou o autor uma celebridade. Foi a primeira revelação literária das condições nos campos de correção soviéticos, e um prenúncio de sua obra-prima Arquipélago Gulag. O livro vendeu um milhão de cópias nos primeiros seis meses, sendo que cada cópia era lida por várias pessoas que a passavam de mão em mão.

  • A publicação do livro teve um efeito devastador na imagem da União Soviética trazendo arrependimento a Nikita Khrushev por ter permitido sua publicação (em 1964 Leonid Brezhnev proibiu a circulação do livro).

  • O livro é escrito num linguagem simples, pouco educada, refletindo a personagem principal, dando uma impressão de maior realidade à narrativa.

  • A discussão de Markovich sobre o filem Ivan, o terrível de Sergei Eisenstein é preciosa e típica da Rússia de então: um filme (obra de arte) deve ser julgado apenas por seu aspecto estético ou deve também considerar os aspectos ideológicos e aderência à realidade (no caso o filme é sobre uma personagem histórica).

  • A poetiza russa Anna Akhmatova replico a um amigo que dissera “não gostar” do livro: “Que tipo de comentário é esse – “eu gosto” ou “eu não gosto”? O ponto é que o livro precisa ser lido por duzentos milhões de russos.”

  • GULAG (Glavnoye Upravleniye Ispravitelno-trudovykh Lagerey i Kolonij) ou Administração Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias.

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