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Tristão e Isolda


Tristán e Iseo (La muerte) por Rogelio e Egusquiza y Barrena (1910)

Personagens Principais Tristão – filho de Brancaflor (irmã de Marcos) e Rivalino (nobre herdeiro de Leônis) Isolda (a loira) – filha dos reis da Irlanda Marcos – rei da Cornualha, tio de Tristão e marido de Isolda (a loira) Brangia – criada de Isolda (a loira) Isolda (das mãos brancas) – filha do conde Riol de Nantes

Personagens Secundárias Rouault de Foitenant – conselheiro em Leônis, cria Tristão após a morte de Rivelino Morholt – gigante guerreiro da Irlanda, tio de Isolda (a loira) Gorvenal – sábio escudeiro que ajuda a criar Tristão Gormond – rei da Irlanda, pai de Isolda (a loira) Audret, Guenelon, Gondoïne e Denoalen – barões de Marcos, tramam contra o casal Frocin – anão corcunda, feiticeiro, inimigo de Tristão e Isolda Loira Isolda – irmã de Morhlt, feiticeira, mãe de Isolda (a loira) Dinas de Lidan – senescal (nobre-camareiro) do rei Marcos Kaherdin – irmão da Isolda (das mãos brancas)

Interpretação A narrativa de Tristão e Isolda pertence ao ciclo arturiano que, entre outras, representa a cristianização das ilhas britânicas, integrando a nova religião com os mitos célticos.


O rei Marcos representa a condição do homem caído, o rebaixamento ontológico do nível humano ao animalesco. Ele não tem possibilidade de salvação, tanto que não quer ter filhos – o fim da linha existencial humana. Marcos contrasta com Tristão que apresenta o modelo de comportamento masculino nobre, reunindo em si as melhores habilidades humanas. Mas Tristão, como diz seu nome, é triste, pois ele representa a tristeza do homem rebaixado do Paraíso e agora consciente da sua necessidade de redenção. Tristão quer recuperar seu potencial humano (consciência), a sua condição humana original – a possibilidade da salvação.


A condição existencial do homem após a queda é o de uma ferida incurável, como as três sofridas por Tristão. O homem caído está à deriva e em submissão aos elementos, como Tristão colocado numa embarcação sofrendo do envenenamento de Morholt. Tristão representa o drama do homem caído.


O amor de Tristão (representa o homem que quer recuperar sua humanidade perdida) por Isolda (representa a pureza espiritual) é a paixão da Terra em relação ao Céu. O homem desesperançado a deriva encontra seu objetivo existencial. Para aproximar-se de Isolda, Tristão terá que vencer o dragão, ou seja, as forças naturais e instintos humanos incontroláveis, passo necessário para ser merecedor do Céu. Tristão ainda travará várias lutas contra gigantes (Titãs da Teogonia de Hesíodo) e anões (exprimem as forças obscuras que existem em nós), representantes simbólicos dos elementos infernais das profundezas que se opõem a ligação da Terra com o Céu.


O filtro de amor ingerido por Tristão e Isolda expressa uma saída do mundo, da vida social – o filtro legitima aquela transgressão de adultério. Com o final do seu efeito ambos retomam a consciência do mundo – neste momento crucial está extinta a bruxaria pagã e é estabelecido o cristianismo como regra da existência humana – a história deixa de ser celta e passa a ser cristã. Findo o efeito do sortilégio, é preciso que eles se amem com consciência verdadeira. E Tristão será absolutamente fiel, obsessivamente cultuando aquele amor do Homem para com o Espírito – amor que só é possível de realizar-se plenamente no Céu. A morte de ambos é a transferência daquela possibilidade de amor para outro nível de existência que não a Terra.


A obra representa o estabelecimento de uma nova dimensão humana, a dimensão espiritual – o reestabelecimento da Ordem (do homem caído e perdido ao homem capaz se salvar-se).


 


Notas

  • A origem da história de Tristão e Isolda perde-se na tradição oral celta (nome genérico do povo que ocupou as ilhas britânicas e compôs, sobretudo, a Cornualha, o País de Gales, a Irlanda e a Bretanha na França (via Inglaterra), além de outras partes do mundo como Portugal – teve seu auge em torno de 500 a.C.).

  • Pertence legitimamente ao ciclo bretão, que representa simultaneamente a luta bretã contra o invasor anglo-saxão, a cristianização das Ilhas Britânicas (com a respectiva suspensão da tradição mágica pagã) e a invenção do cavalheirismo.

  • A história passa-se entre a queda do Império Romano (476) e a coroação de Carlos Magno (800). O cenário é a Cornualha (Cornwall), a Irlanda e a Bretanha, na França. Os celtas tentam impedir o avanço dos anglo-saxões – clima de guerra e os principais heróis são os Cavaleiros da Távola Redonda e o rei Arthur, símbolo da resistência do mundo céltico (bretão) ao avanço do mundo anglo-saxão (apenas a Irlanda até hoje resistiu).

  • A busca do Graal (por Arhtur e o Cavaleiros da Távola – lutam pelo Graal, lutam pelo sangue de Cristo) representa é a integração da cultura céltica com a religião cristã – uma história mitológica. Procurar o Graal é unir as tradições europeias com a nova religião (cristianismo). Tristão e Isolda é apenas uma das histórias do mito arturiano.

  • Ler O Mistério do Graal de Julius Evola para entender o significado da busca na construção do cristianismo na Europa.

  • Druida = autoridade spiritual céltica.

  • Inúmeras narrativas de Tristão e Isolda – pela primeira vez na forma escrita (os celtas não tinham escrita) – surgem por volta do século XII. Nenhuma versão é considerada oficial. Os estudiosos separam estas versões em duas famílias: a version commune, mais crua (base desta interpretação), e a version courtoise, mais sutil.

  • Na cultura céltica o rei era sagrado com uma cerimônia na qual ele tinha relações sexuais públicas com uma égua (que depois era morta e servida ao público), garantindo assim uma qualificação divina para sua prole.

  • Até 800 virtualmente apenas o clero sabia ler e escrever. Carlos Magno cria a primeira escola para educação dos nobres em Aix-la-Chapelle (França) organizada pelo padre escocês Acuíno.

  • Há inúmeras cenas inspiradas por histórias mitológicas gregas: (1) orelhas de cavalo/burro do rei (Midas da Frígia), (2) retorno incógnito de Tristão a Cornualha (Teseu), (3) tributo em moços e moças devido à Irlanda (Teseu), (4) ferida fétida de Tristão (Filoctetes), (5) tentativa de Isolda assassinar Tristão no banho (Clitemnestra e Agamemnon), (6) Tristão tem um tutor que o educa (Ilíada), (7) gigantes enfrentados por Tristão simbolizando os titãs (Teogonia de Hesídio), (8) substituição das velas brancas por negras (Teseu e Egeu).

  • Tintagel = cidade central do mito arturiano.

  • O episódio onde Isolda trama a morte de Brangia inspirou a mesma peripécia no conto de Branca de Neve.

  • Anel de jaspe que Isolda entrega a Tristão = o jaspe é a pedra na qual teria sido esculpido o Graal. A pedra teria sido retirada da testa de Lúcifer quando da sua queda sobre a terra.

  • Isolda das mão brancas representa o contraponto do rei Marcos – amores ilegítimos.

  • Richard Wagner aborda apenas os aspectos românticos, e nada dos simbólicos, em sua ópera.

  • A ária Liebestod (Morte de Amor) cantada pela personagem Isolda (a loira) ao final da ópera de Wagner é uma das mais belas na história da música:


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