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Tragédia Grega



A definição de tragédia no contexto do teatro grego é de uma “peça em verso, em que figuram personagens ilustres ou heroicos e a ação, elevada, nobre e própria para suscitar o terror e a piedade, termina por um acontecimento funesto” (Dicionário Houaiss). Falta nesta definição acrescentar que o conflito do protagonista é travado contra forças superiores, como o destino, as circunstâncias ou a sociedade. Na Grécia antiga a tragédia era categorizada pelo local de exibição e sua forma, e não pelo enredo.


As tragédias eram apresentadas em um dos festivais em homenagem a Dioniso, a Dionísia Urbana que ocorriam anualmente no princípio da primavera (mês de março). Os poetas que queriam competir submetiam seu trabalho ao magistrado de Atenas (eponymous archon) que selecionava três competidores. Cada um dos três poetas concorria com três tragédias (trilogia) e um drama satírico de curta duração (peça burlesca e normalmente conectada ao tema das tragédias precedentes – formando a tetralogia).


Não há certeza sobre a ligação de Dioniso com a tragédia. Para Aristóteles a tragédia desenvolvesse do ditirambo, que seria uma forma de coral em louvor a Dioniso, quando o líder do ditirambo separa-se do grupo. Friedrich Nietzsche argumenta sobre o embate dos polos apolíneo (moderação e razão) e dionisíaco (intoxicação e excesso).


Originária do século VI a.C., a tragédia tomou forma no século V a.C.. O drama teria sido inventado por Téspis (610-550 a.C.) ao incluir um ator ao coro (adição do prólogo e discurso ao coro). O século V a.C. foi de extraordinário atividade intelectual em Ática ( região onde situa-se Atenas): é quando se desenvolve a política e a democracia, cria-se o drama trágico e cômico, aparece o gênero literário histórico, sofistica-se a ciência e filosofia, e, sob o governo de Péricles (495-429 a.C.), são construídas as mais famosas obras arquitetônicas, incluído o Partenon na Acrópole. A tragédia alcançou seu zênite entre as duas grandes guerras (Médicas (490-479 a.C.) e Peloponeso (431-405 a.C.)) que marcaram a abertura e fechamento daquele século, nas quais Atenas teve participação destacada como vencedora e depois derrotada.


Os três maiores poetas trágicos foram Ésquilo, Sófocles e Eurípides, autores das tragédias que chegaram até nossos dias. Houve vários outros trágicos (e.g. Ágaton, Astidamante, Carcino, Teodectes e Timóteo), mas apenas fragmentos do seu trabalho são conhecidos. Mais de mil tragédias foram escritas no século V, porém apenas 32 sobreviveram:

  • Ésquilo (7 tragédias de um total de 90): Os Sete Contra Tebas, Agamêmnon, Coéforas, Eumênides, Prometeu Acorrentado, Os Persas e As Suplicantes.

  • Sófocles (7 tragédias de um total de 123): Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona, Electra, Filoctetes, Ájax e As Traquínias.

  • Eurípides (18 tragédias de um total de 92): As Bacantes, As Fenícias, As Suplicantes, Ifigênia em Áulis, Electra, Oreste, Ifigênia em Táuris, Medéia, Hipólito, As Troianas, Hécuba, Andrômeca, Helena, O Ciclope, Héracles, Alceste, Os Heráclias, Íon e Reso (autoria duvidos). Também é de Eurípides o único exemplar de drama satírico sobrevivente (O Ciclope).

O objeto da tragédia era quase que exclusivamente os mitos tradicionais, baseando-se muito ocasionalmente em temas históricos recentes (e.g. Os Persas de Ésquilo). O poeta Ágaston inaugurou os temas totalmente ficcionais, mas aparentemente a novidade nunca alcançou popularidade. Os temas míticos da era heroica ou da guerra de Troia eram abordados de forma a conectar com os eventos sociais e políticos da época, até porque os mitos estão intrinsicamente ligados à natureza humana.


Respondendo a posição de Platão crítica aos poetas, Aristóteles defina na Poética a função da tragédia como a de purgar (catarse) os sentimentos de pena e medo (Platão argumentava que os poetas provocavam tais emoções). A personagem trágica deve (a) ser uma pessoa de relativa importância (acima da média das demais), (b) nem demasiadamente boa ou má (facilitar a empatia com a audiência) e (c) passar por uma alteração significativa de sua sorte em função de um erro (desvio do impulso evolutivo ao Espírito) de sua parte (hamartia). O enredo deve incluir aquela reversão da fortuna (peripeteia) que inclui um reconhecimento (anagnorisis), e sofrimento/ação (pathos – e.g. morte, dor e ferimento).


Apesar de contemporâneos Ésquilo (525-456 a.C. – 69 anos), Sófocles (496-406 a.C. – 90 anos) e Eurípides (485-406 a.C. – 79 anos) apresentam uma graduação na forma como o homem se relaciona com os deuses (o destino ou sua condição humana, i.e. trágica): Ésquilo vê um mundo onde o homem não tem chance de fazer frente as forças do destino, restando-lhe a busca da Diké interior para enfrentar o imponderável e aceitar suas consequências. Já Sófocles foca sua atenção no indivíduo, vê o homem eterno, corajoso e sereno perante a dor e a morte, tendo na escolha da vida honrada sua única saída – o ideal da conduta humana. Finalmente, Eurípides apresenta o homem revoltado com sua condição, cuja alma sucumbe diante da realidade O homem como ele é, segundo Aristóteles, em oposição a como deveria ser apregoado por Sófocles. Vai-se do destino implacável de Ésquilo para a rebelião metafísica humana de Eurípides, passando pela esperança de Sófocles.


Tragédias seguiram sendo escritas ao longo do século IV a.C., mas seus poetas eram considerados pelos atenienses muito inferiores a Ésquilo, Sófocles e Eurípides (como indica a comédia As Rãs de Aristófanes). Já em 386 a.C. introduziram a competição de Velhas Tragédias revivendo as obras daqueles três. O festival Dionísia Urbana seguiu sendo celebrado até o primeiro século da era cristã, e o teatro de Dionísio abrigou espetáculos até o século IV d.C., mas o fim das apresentações de tragédias não é conhecido.


Apesar da decadência do conteúdo e qualidade das tragédias, o período helenista (323-31 a.C.) assistiu a uma expansão e melhoria na construção dos anfiteatros.

Os romanos adaptaram as tragédias gregas ao latim, e.g. as 11 tragédias de Sêneca (4-5 a.C. – 65 d.C.) sobreviventes são todas adaptações de originais gregas. No império Bizantino as tragédias eram estudadas nas classes de retórica, mas não há registro de serem encenadas. De Bizâncio chegou até nós um peça religiosa (Christus Patiens – século X ou XI d.C.) baseada nas tragédias de Eurípides (“no estilo de Eurípides”).


A tragédia reaparece na Renascença, mas Sêneca e não os gregos influenciam mais seu estilo. No início do século XVII um grupo de artistas florentinos cria a ópera como uma tentativa de reviver a tragédia grega. As peças italianas são traduzidas em inglês e influenciam os dramaturgos ingleses, Shakespeare entre eles. Os gregos influenciaram mais os dramaturgos franceses, como Racine nas tragédiasAndrômaca e Fedra baseadas em Eurípides.


Tragédias gregas seguem sendo encenadas e adaptadas até hoje, porém seu valor mitológico perdeu-se na dramatização humana e alegorias insignificantes.


 

Notas

  • Tragédia em grego é tragoidia, entendida literalmente como canção do bode. A origem do nome é incerta e algumas alternativas são especuladas, destacando-se duas: (a) o primeiro prêmio era um bode (“canção por um bode”), e (b) referência a voz dos meninos que compunham o coro nos primórdios do teatro grego.

  • O festival Dionísia Urbana ganhou relevância durante a tirania de Pisístrato (546-527 a.C.).

  • O desenvolvimento da democracia direta, com suas assembleias e necessidade de atentamente acompanhar longos discursos, compartilha características com o teatro então em desenvolvimento.

  • A tese de Nietzsche sobre o embate dos polos apolínio e dionisíaco está no livro A Origem da Tragédia.

  • Ainda se debate se mulheres e escravos assistiam as tragédias, havendo mais indicações de que a assistência sim os incluía.

  • O teatro aproveitava-se da audiência do festival religioso, mas seu caráter era mais cívico. O financiamento das tragédias era responsabilidade dos cidadãos mais abastados (choregos = líder do coro) por ordem do estado (leitourga = trabalhos voltados ao bem público).

  • O poeta trágico era chamado de didaskalos, ou seja, professor.

  • Os elementos físicos básicos do teatro grego eram: (a) orchestra (literalmente, local da dança), (b) skene (literalmente, tenda – construção atrás da orchestrapara uso dos atores) e (c) auditorium. O exemplo mais perfeito é o de Epidauro (século IV a.C.).

  • O elenco de uma peça constituía-se de atores (hypocrites = interprete ou repondedor) e um coro (chorus = dança). Começo com apenas um ator, Ésquilo introduziu o secundo e Sófocles o terceiro e último. Os atores eram todos masculinos e faziam vários papeis. Tanto os atores como os elementos do coro (12-15 membros, todos masculinos) usavam máscaras (o uso de coturnos foi um desenvolvimento posterior ao século V).

  • Uma peça continha: (a) prologue (discurso introdutório para situar a peça no espaço e tempo), (b) parodos (entrada do coro, identificando-se e normalmente provendo informação de fundo), (c) epeisodia (episódios intercalados com canções do coro – stasimon) e (d) exodos (coro deixa a orchestra).

  • O coro cantava e dançava acompanhado de aulos (instrumento de sopro).

  • Famílias amaldiçoadas – descentes levados a cometer os mesmos erros dos ancestrais (karma): Laios (filho de Lábdaco que combateu o culto de Dioniso / pai de Édipo): raptou Crisipo e foi amaldiçoado pelo pai deste (Pélops). Tântalos (pai de Pélops (pai de Crispo) / avô de Atreu (pai de Agamêmnon e Menelau)): roubou néctar e ambrósia dos deuses para dar mais substância aos homens (pai de Crisipo). Hélio (deus do Sol): contou a Hefesto a infidelidade de sua esposa Afrodite despertando a ira da deusa. Entre seus descendentes estão sua filha Pasífae (esposa de Minos de Creta) e suas filhas Ariadne e Fedra.

  • Sacrilégios cometidos pelos gregos no saque a Toria: (a) Neoptólemo (filho de Aquiles) mata Astíanax (filho pequeno de Heitor) atirando-o do alto das muralhas de Troia, (b) o mesmo Neoptólemo mata Príamo quando esteve estava junto ao altar, (c) Cassandra é violentada por Ájax (o menor) no templo de Atena, e (d) sacrifício de Políxena (filha de Príamo) junto ao túmulo de Aquiles.



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