Em 13/10/1307 o rei Felipe IV da França atraiçoa e encarcera os templários.
Os manuais, os professores de ginásio, a mídia popular e a sabedoria convencional descrevem o advento da modernidade pela recusa da autoridade da Igreja, pelo descrédito da filosofia aristotélica, pelo primado das ciências de observação sobre as antigas deduções metafísicas e pelo culto da liberdade individual em oposição à obediência passiva que havia caracterizado, segundo se diz, a conduta do homem medieval.
Tudo isso é meticulosamente errado. A autoridade do Papa cresceu formidavelmente no período renascentista até fazer da Igreja a organização centralizada e altamente burocratizada em que se tornou. O aristotelismo perdeu prestígio na física, é verdade, mas começou a imperar, como nunca antes, no mundo das letras e das artes. A ciência de Galileu e Newton fazia pouco caso da observação da natureza, preferindo a construção de modelos matemáticos sem equivalência na realidade sensível. E o poder dos governantes cresceu desmesuradamente, impondo a administração centralizada e sufocando as liberdades locais e grupais que haviam vigorado durante toda a Idade Média.
Não há um só historiador profissional que não saiba dessas coisas, mas a tentação de definir uma época tão-somente pela letra do discurso dominante, sem o necessário contraponto entre as ideias e os fatos, parece ser mesmo irresistível. Quase nunca se menciona, por exemplo, que só no Renascimento o Papado obteve pleno domínio das universidades, que até então desfrutavam de uma invejável autonomia. E não faz sentido querer enxergar uma apoteose da liberdade individual precisamente na época do surgimento dos regimes absolutistas que só viriam a cair três ou quatro séculos mais tarde.
Em vez de tentar encontrar um desenho geral, uma definição de conjunto ou o perfil essencial da Modernidade, Olavo de Carvalho destaca certos traços singulares que dissolvem o estereótipo dominante, sublinhando alguns fatos de extraordinária importância que a imagem popular consagrada nega, omite ou distorce. A correção desta visão distorcida e reconquista da verdade é importante tendo em conta que ela orienta a conduta e compreensão das pessoas no presente, afetando sua capacidade de apreensão da realidade.
Não é fácil fazer um traçado uniforme de um período histórico. Até a poucos séculos a humanidade estava espalhada em vários focos distantes, com completo desconhecimento entre si, o que torna difícil falar em uma história da humanidade, pois diferentes civilizações desenvolveram-se de maneira independente, sem pontos de contato ou paralelismo entre elas – tal dificuldade foi também constatada por Eric Voegelin (1901-1985). Atualmente os melhores historiadores têm uma consciência muito aguda de que no estudo de qualquer cultura é preciso ter muito cuidado para saber quais são os elementos que estão efetivamente interligados e quais que são totalmente inconexos, acabando com a ilusão da unidade de um “espírito da época” (ideia que nasce no século XIX com Hegel), – pode-se usar tal termo tendo em mente representar apenas a opinião das classes falantes, i.e. os formadores de opinião dos quais falava Guy Debord (1931-1994) – podendo numa mesma sociedade conviver diferentes grupos com concepções de mundo até antagônicas.
Aquilo que nós chamamos de Modernidade é resultado de uma mutação geral do espírito europeu, mas ainda muito nebulosamente caracterizado. Em primeiro lugar no aspecto cronológico, não há consenso da data do seu início, com opiniões caindo no prazo que vai do século XI ao século XVIII. Também é difícil caracterizá-la ideologicamente, ou psicologicamente, identificar a real substância das modificações. Isso se deve ao fato de não haver nenhuma mutação unívoca, nada que provocasse uma mudança uniforme e coerente. Em todos os movimentos que se observa, em todas as mudanças históricas da época, há sempre um aspecto dialético, às vezes, de uma complexidade inabarcável.
Portanto, não se pretende criar aqui um retrato da modernidade, mas sim destacar certas correntes de acontecimento que foram se potencializando umas às outras para desencadear o processo que hoje nós chamamos de Modernidade, elementos que se consolidaram na cultura, tornando-se pontos de referência para a atual sociedade.
Um deste elementos é a maior unificação das civilizações, até então inconexas, a partir das grandes navegações iniciadas ao final do século XV, dando início a movimentos históricos de extraordinária importância, e que prossegue até hoje, e.g. ocidentalização de partes do Oriente, cristianização ou islamização de parcelas da Ásia e da África. O caso da China é um bom exemplo: ela começou a se ocidentalizar com a chegada dos primeiros missionários cristãos, mas deu um passo enorme na ocidentalização quando adotou o marxismo com a revolução de 1949, implantando um modelo copiado dos soviéticos, que por sua vez fora inventado na Alemanha. E uma nova etapa neste processo ocorre com a maciça entrada de capital americano, ou seja, o monge português que chega na China ou no Japão no século XVI é um capítulo de uma história que prossegue hoje. Este processo foi iniciado com o desenvolvimento da técnica naval pelos europeus que alcançaram a superioridade técnica neste campo num efeito gradativo de vários séculos.
Também elemento característico da modernidade é a matematização da natureza, ou seja, a ciência moderna – um processo que se desenvolve ao longo dos séculos e cristaliza-se com a ciência de Galileu Galilei (1564-1642), Isaac Newton (1643-1727) e René Descartes (1596-1650) – o desenvolvimento dos instrumentos matemáticos evoluem até o detalhe infinitesimal que levarão gradativamente a cálculos cada vez mais complexos, que eram antes inviáveis, permitindo assim a matematização da física. Com estes novos instrumentos matemáticos Galileu pretendeu encontrar as regras, os elementos matemáticos, que presidiriam a natureza, todo o universo – encontrar, como ele dizia, a linguagem matemática com que Deus escreveu o universo.
Os primeiros sucessos obtidos por Galileu e Newton deram a percepção de que existiria por trás do mundo das aparências sensíveis e mutáveis uma estrutura matemática do que seria a verdadeira realidade, remetendo a uma visão da concepção platônica. Platão sugeria através do Mito da Caverna que o mundo dos sentidos é um fluxo permanente de aparências que nada significa em si mesmo, mas que remetem a uma outra realidade suprassensível (mundo das ideias ou formas) de ordem sobretudo geométrica, sendo esta prioridade geométrica uma figura de linguagem com a qual ele designava a simples passagem do mundo sensível ao suprassensível.
As figuras geométricas apresentam uma claridade e lógica interna que os entes corporais existentes não possuem, sendo aquelas naturalmente mais inteligíveis que as formas sensíveis – as figuras geométricas têm uma inteligibilidade autoevidente, alcançável sem a necessidade de acrescentar nenhum dado externo, necessitando apenas o uso da inteligência através da mera análise. Isto marca uma profunda diferença entre o estudo da geometria e, por exemplo, o estudo da biologia (o estudo da geometria é analítico e o da biologia sintético – demanda a síntese de diferentes informações em novos conceitos). Esta maior inteligibilidade das formas geométricas levaram Pitágoras e Platão a considerá-las como símbolos de um mundo mais elevado (não quer dizer que o mundo mais elevado seja constituído de figuras geométricas).
As realidades matemáticas, e.g. as figuras geométricas, têm uma forma de existência que não é do mundo sensível, e tampouco do pensamento humano; pois uma vez imaginadas parecem ganhar vida própria, com regras invioláveis (e.g. ao cortar um quadrado na diagonal obtêm-se sempre dois triângulos isósceles). Embora não tenha existência corpórea os entes matemáticos apresentam uma estrutura interna e rigidez própria, fazendo de seu conjunto um símbolo ideal do mundo inteligível. Contribuía também para isto a necessidade de subir um grau de abstração para passar do conhecimento dos corpos sensíveis ao conhecimento das realidades matemáticas. Esta passagem da percepção concreta para o pensamento abstrato era vista na acadêmia platônica como uma espécie de aprendizado disciplinar – aprender a passar do mundo sensível para o mundo inteligível e operar com graus de abstração cada vez maiores, funcionando como um símbolo da ascensão da alma desde a condição carnal até o mundo divino. E este simbolismo fez então com que estas ciências geométricas e matemáticas adquirissem grande prestígio, como que de uma coisa divina.
Na escola pitagórica já existia a ideia de que Deus criou o mundo mediante leis matemáticas, ou seja, de que os números, as formas, as proporções, são como que o segredo por trás de Deus – as leis divinas que estariam por trás de tudo. Isso não quer dizer que a escola pitagórica conhecesse essas leis, pois uma determinação divina não pode jamais ser reduzida aos seus aspectos matemáticos ou geométricos. Por exemplo, o fiat lux (faça-se luz) no Gênesis: ainda que possamos compreender a luz matematicamente i.e. reduzi-la a uma série de fórmulas, sua existência não pode ser jamais considerada como um fato de ordem geométrica ou matemática – a noção de existência é completamente alheia ao mundo matemático. O mundo matemático lida apenas com formas, quantidades e relações. Algo como existir ou não existir é absolutamente indiferente à matemática – um equivalente matemático do conceito de existência é absolutamente impossível.
Porém, a carga simbólica das formas geométricas sugere aos seres humanos uma maior aproximação com o mundo divino. Seria como existissem três mundos: o mundo das formas sensíveis abaixo do mundo divino inatendível e entre ambos o mundo das formas inteligíveis. Com o progresso da técnica matemática surge a ideia de aplicá-la ao estudo das ciências naturais, ou seja, um retorno ao platonismo e ao mito das formas geométricas como sinais do mundo divino. E Galileu já afirma claramente que Deus escreve o mundo com caracteres matemáticos. Com Galileu, sobretudo Newton, dissemina-se a ideia de que a ciência havia realmente captado as leis fundamentais do universo, e que essas leis se expressavam matematicamente. O que era apenas simbólico no platonismo assume caráter científico nesta época.
O processo acima coincide com uma espécie de matematização geral da vida social. Gradativamente temos o progresso do comércio, a disseminação do uso da moeda nas transações comerciais, o surgimento do sistema bancário (desvinculação da riqueza do substrato material), e o embrião da contabilidade com as partidas dobradas do frade italiano Luca Pacioli (1447-1517) – o mundo ficava mais complexo e gerava instrumentos para lidar com esta complexidade. Tudo convergia para aumentar o grau de abstração da sociedade e dar à técnica matemática enorme prestígio.
O sucesso da ciência matemática de Galileu foi tamanho que imediatamente se espalhou por boa parte da Europa criando a ilusão de que tudo aquilo que não pudesse ser medido e comprovado matematicamente não existia – a realidade matemática se impunha sobre a realidade sensível como se tivesse num grau mais elevado de realidade. O impacto desta ideia foi tão profundo que um dos principais elementos usados pelos protestantes contra a doutrina da presença real do Cristo na hóstia foi o fato de que tal presença não era matematicamente verificável (hoje os protestantes gemem sob o chicote do materialismo que eles próprios colocaram na mão dos materialistas).
Edmund Husserl (1859-1938) afirma em A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1936) que a ideia de reduzir a natureza a um conjunto de regras matemáticas é processo similar ao da modificação técnica da natureza. Como a natureza é irregular e aproximativa, enquanto as possibilidades humanas de ação são limitadas, naturalmente o homem procede a uma simplificação da natureza, uma geometrização do mundo. Mas esta geometrização ou matematização da visão do Cosmo não expressa uma maior aproximação à realidade sendo mesmo apenas uma simplificação (redução a uma forma elementar) para adaptar à nossa capacidade de compreensão – uma manipulação técnica da realidade. A crise das ciências é o esquecimento de que os objetos se apresentam ao nosso conhecimento de maneira alheia ao homem – os objetos são captados por nossos sentidos dentro de uma estrutura espacial e sequência temporal. Nas raízes da modernidade estava o desrespeito ao objeto em função do culto a razão humana.
A ciência é um recorte de um certo campo fenomênico na qual se imagina que pode haver algumas constantes que o definam e o expliquem, ou seja, recorta-se o campo de fenômenos em função das constantes que se imagina estarem lá, para depois se cria uma série de investigações possíveis que vão confirmar se essas constantes existem ou não – trabalha-se sempre dentro de um campo predeterminado. A própria delimitação do objeto já contém a insinuação das constantes ou leis que devem ali ser descobertas. Assim toda a discussão se dá dentro de um horizonte predeterminado, com procedimentos e critérios de veracidade padronizados numa discussão mecanizável. Consequentemente, a contribuição das percepções individuais diretas vai se tornando cada vez menor – em debate científico só se pode dizer algo que já esteja traduzido nos termos daquela ciência, com veracidade ali admitida. Isto acaba criando objetos que só existem para aquela ciência, mas que não existem na realidade – não são objetos da experiência. Curiosamente a ciência que começa com o espírito experimental isola a experiência concreta e só aceita a experiência científica dos objetos abstrativamente recortados e definidos, e não a experiência dos objetos reais.
Este fenômeno terá consequências devastadoras nas ciências humanas. Logo na formação da sociologia com o francês Émile Durkheim (1858-1917), define-se fato social como aquele que acontece na sociedade sem que ninguém o tenha decidido. Ou seja, aquilo que não depende da vontade de ninguém. Mas como saber o que depende ou não da vontade se já se limitou o campo de investigação àquilo que não depende dela? É evidente que em qualquer ação humana existe um conjunto de automatismos nos quais você se apoia, mas existe também a interferência da vontade. E a tensão entre esses dois elementos é um dado fundamental de qualquer ação. Ou seja, aquilo que deveria ser o objeto central de interesse da sociologia, que seria a distinção entre os fenômenos voluntários e inconscientes, já está abstraída e isolada desde o início.
Karl Marx (1818-1883) diz estudar o funcionamento do sistema capitalista a partir de uma abstração e não dos fatos, definindo o capitalismo por um determinado mecanismo econômico que ele chama de mais-valia (diferença entre o valor final da mercadoria produzida e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho que seria a base do lucro no sistema capitalista) – este mecanismo abstrativamente definido seria a essência do capitalismo. Com isto Marx ignora todos outros fatores econômicos como as regulamentações, os empresários, a formação de lideranças empresariais, e todo o entrelaçamento da atividade econômica com as atividades sociais, culturais, religiosas, morais, psicológicas, etc. O capitalismo que Marx descreve é um mero modelo lógico que ele imagina em sua cabeça, inventado por ele. – não é o capitalismo real. E Marx parte desta abstração para definir que todos os aspectos culturais, religiosos e morais seriam derivados da busca pela mais-valia, apesar de que todos aqueles aspectos humanos fossem anteriores ao capitalismo, e.g. a religião seria apenas um elemento ideológico destinado a sustentar a exploração da mais-valia apesar da religião já existir milhares de anos antes, e ignorando mil anos de tradição de doutrina católica contra a exploração dos juros. Este tipo de aberração intelectual ocorre em função da delimitação inicial por um conceito abstrato sem nenhuma ligação com a veracidade concreta dos fenômenos.
É o que Eric Voegelin mais tarde chamará de o imperialismo do método – o método passa a determinar o objeto (o método é eleito, o método cria o objeto, e todas as suas conclusões já estão, de certo modo, predeterminadas no método). Isto é agravado com a influência do kantismo onde o homem pouco ou nada sabe do mundo objetivo e tudo que ele sabe parte de uma projeção das estruturas cognitivas dele próprio – a coerência interna entre método e resultados passa a importar muito mais do que a coerência entre a ciência e o seu objeto externo – o objeto externo praticamente deixa de existir.
Em vez de uma época de pura racionalidade científica, a Modernidade foi, no seu início, e prolongando-se pelo menos até o século XVIII, a apoteose da magia, da alquimia, da astrologia e do ocultismo. As denominações de Era da Crença e Era das Luzes são meras figuras de linguagem que não encontram respaldo na realidade.
Apesar das limitações e dos abusos desmascarados da ciência, o mundo moderno caiu no cientificismo, onde a experiência direta humana é relegada ao ao meio literário e artístico. Um mundo no qual as pessoas acreditam que aquilo que é determinado pela comunidade científica é mais seguro e objetivo do que impressão pessoal. A credibilidade, a certeza maior ou menor de um conhecimento, não depende do número de pessoas que a comprovam. Ao contrário, se precisa de muita pessoa para comprovar é justamente porque não é tão certo. O grupo pode dar credibilidade mas não garante a verdade. É o caso da testemunha ocular de um crime que não consegue provar o que viu, o consenso é de que não houve crime, mas aquela testemunha contém a verdade – o que o indivíduo diz já não pesa absolutamente, tudo precisa ser confirmado por uma comunidade (o império do eu, inaugurado por René Descartes, se torna a completa anulação do eu).
A reforma protestante também provoca profundas mudanças sociais. Lutero não pensava em fundar uma nova igreja quando pregou suas 95 teses (um apanhado de críticas fundadas e teses teológicas duvidosas) nas portas da Igreja do Castelo de Wittenberg, mas a incapacidade das autoridades eclesiásticas em lidarem com o assunto provocou a celeuma que levou a ruptura. A discussão centrou-se no elemento doutrinal, discutindo diretamente o conteúdo do escrito ou dito, sem o exame das motivações psicológicas. Talvez por influência do neoplatonismo que tendia a ver tudo como sub specie aeternitatis (sob o aspecto da eternidade), sem considerar a mediação histórica humana.
O debate levou ao Concílio de Trento (1545-1563) na busca de uma uniformidade dogmática e a uma maior centralização administrativa para assegurar aderência ao acordado. Dentro do protestantismo temos a centralização de poder inédita alcançada por João Calvino (1509-1564) na Suíça que visava o controle de toda a vida social e particular das pessoas, incluindo rede de espiões para informar o que cada um fazia até dentro de suas casas – Calvino acreditava que assim estava santificando as pessoas. Os espiões de Calvino é uma antecipação da polícia secreta soviética, ele também cria a mobilização da sociedade civil e da militância (ler de The Revolution of the Saints: A Study in the Origins of Radical Politics (1965) de Michel Walzer) – uma configuração proto-totalitária.
Outro elemento que formatará a modernidade surge nas universidades: a discussão sobre a natureza das ideias gerais ou dos conceitos gerais que vai gerar o nominalismo. Ao interpretarem a ideia platônica de que a espécie é mais real que os indivíduos que a compõe (e.g. o conceito de gato seria mais real que os gatos reais e concretos) deparara-se com a interminável escalada de conceituações de individualidades diferentes para compreender o que seria o mais real. Diante deste problema alguns lógicos Guilherme de Ockham (1285-1347) e Pedro Abelardo (1079-1142) acabaram propondo que os conceitos gerais não seriam coisas existentes, mas apenas pensamentos nossos – um nexo lógico que só existiria na nossa mente. Descartam a teoria platônica das formas e retornam ao aristotelismo. Mas paradoxalmente o nominalismo fortalecerá o nascente platonismo na ciência.
Para Aristóteles abstraímos da percepção sensível uma figura esquemática que conservamos da imaginação. Partindo desta figura esquemática, anotando os seus traços distintivos, separando aqueles traços que são necessários para que aquele ente seja o que é e não outra coisa, chega-se então ao seu conceito, ou seja, a forma inteligível que está dada dentro do ente sensível. Partindo desta ideia, acreditou-se nas universidades da época que era possível obter muito conhecimento a partir da análise dos conceitos gerais. Com o nominalismo (negação da maior realidade dos conceitos gerais) concluiu-se que uma conhecimento analítico e classificatório dos conceitos como as universidades buscavam até então não era suficiente, e talvez nem sequer viável. Tudo o que pode-se conhecer são os entes individuais e as relações entre eles – não seria possível conhecer nada deles pela mera apreensão da sua forma inteligível (sua forma substancial). Tudo que nós poderíamos fazer seria comparar e medir – nasce daqui a ideia de que todo conhecimento é apenas relacional ou comparativo. Paradoxalmente este golpe no platonismo acaba fortalecendo sua nascente ascendência na ciência, ou seja, a confiança na medição e na matemática. A teoria nominalista que deveria induzir a cultura em geral a uma atitude de relativismo e de ceticismo, teve exatamente o efeito contrário – já que nada conhecemos com certeza, então nos apegamos aos pesos e medidas, e apenas o universo matematizável passa a ser o padrão de certeza.
Os movimentos artísticos também provocaram mudanças na percepção do mundo. A partir de meados do século XV os papas aspiram transformar Roma na imagem do Céu na Terra, dando início a uma série de construções que buscaram inspiração no neoplatonismo iniciado pelo filósofo realista florentino Marsílio Ficino (1433-1499), e esta nova arquitetura romana diferenciava-se da gótica. O conceito central da arquitetura gótica é isolar o fiel do mundo exterior e fazê-lo penetrar num universo de pura espiritualidade, simbolizado sobretudo pela dimensão vertical. O formato estreito com a luz vindo de cima como que eleva o fiel, enquanto as gárgulas do lado de fora marcam o limite entre o mundo profano e aquele espaço sagrado. No platonismo há uma gradativa transmutação das percepções sensíveis em conceitos gerais, que por sua vez ascendem ao mundo das ideias. A nova arquitetura de inspiração neoplatônica afasta-se da ideia de ruptura gótica e representa uma gradualidade na escalada espiritual, conforme observa-se na Basílica de São Pedro arquitetada por Donato Bramante (1444-1514) onde a construção leva o fiel progressivamente até o centro culminante na grande abóbada – também demarcando a posição imperial da Igreja no centro da cidade e da civilização (ler Pintura e Sociedade (1951) de Pierre Francastel (1900-1970)).
Por esta mesma época se difundia na pintura o uso da perspectiva com um ponto de fuga (introduzido no tratado De Pictura (1435) do arquiteto italiano Leon Battista Alberti (1404-1472)), permitindo que o desenho represente a estrutura real do olho humano. Com Rafael (1483-1520) a perspectiva começa a coincidir com a hierarquia de importância dos elementos desenhados (e não mais apenas para estruturar o espaço). Rafael coloca o ponto culminante do desenho no ponto de fuga, distribuindo o restante em círculos concêntricos, do centro para a periferia, exatamente como na estrutura das novas catedrais. Nesta concepção de círculos concêntricos da estrutura do Universo é disposta no sentido oposto à estrutura da escalada espiritual humana – a ordem da construção (criação divina do mundo) é inversa a ordem da percepção (retorno do homem a Deus). Com advento da técnica perspectiva, a realidade deixa de ser apenas aludida (estruturas verticais com o mais importante acima) e passa a ser representada de forma translúcida.
Também surgem novas técnicas narrativas a partir do século XVI, florescendo entre elas a falsidade autobiográfica – e não há melhor forma de perder o controle da própria vida do que uma falsa autobiografia. Os exemplos são inúmeros: Michel de Montaigne (1533-1592) falseia sua própria história, pondo em dúvida suas meditações; no caso de Descartes isto é escandaloso; e a autobiografia de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é totalmente inventada – demonstrando a falta de percepção de unidade da própria personalidade.
Entre os séculos XV e XVI expandiu-se o estudo daquilo que viria a ser denominado de humanismo. Era o estudo devotado dos clássicos da Antiguidade, distinguindo, portanto, entre letras humanas e letras divinas. Estes estudos começam no século XI e centravam-se na modelação das virtudes humanas – moldar a base moral e comportamental sobre a qual a piedade cristã pode ser vertida, formando uma personalidade equilibrada, Deste ensino floresceram gênios extraordinários da filosofia e das letras como Hugo de São Vitor (1096-1141), São Boaventura (1218-1274) e São Tomás de Aquino (1225-1274). O nível de compromisso e integridade na busca da verdade empreendido pelos escolásticos no século XIII desapareceria da filosofia nos séculos seguintes, apesar da escrupulosidade prometida pelo método científico. Os filósofos modernos abandonam a confrontação com as possíveis objeções observadas nas summas medievais, estando muito mais interessados em apenas impor seu ponto de vista, e.g. em Meditações Metafísicas (1641) Descartes deixa de fora muitas objeções que poderia ser feitas as suas ideias, e Galileu argumenta apenas teoricamente, com experimentos meramente ilustrativos (retóricos) – as teses de Galileu não estão provadas até hoje. A falsificação autobiográfica supracitada é um rompimento com a busca medieval da personalidade equilibrada. Francis Bacon, formulador do chamado método científico moderno, nunca fez experiência alguma – o apelo à experiência era apenas um elemento retórico para dar credibilidade àquilo que Bacon desejava impingir aos leitores.
O campo da literatura ficcional, o aprimoramento das técnicas narrativas segue uma linha oposta ao distanciamento científico do objeto real. Desde as primeiras narrativas ficcionais modernas, como os romances picarescos espanhóis, até a Modernidade, você vê que a literatura evolui de personagens esquemáticos e abstratos para personagens cada vez mais concretos e mais próximos da experiência direta.
Na literatura do século XX as personagens já estariam totalmente fragmentas, impossibilitando o delineamento de uma personalidade. As personagens de Marcel Proust (1871-1922) e James Joyce (1882-1941) são fragmentos da vida psíquica. Também a psicanálise minou a ideia de uma personalidade formal através do conceito de inconsciente (bloco impessoal que seria a força dominante) – só o fato disto ser teorizado já demonstra o quanto a imagem de uma personalidade constituída está corroída (Freud acreditava que a personalidade poderia ser reconstruída, mas, é claro, mediate vinte anos de psicanálise regiamente pagas).
Evoluindo ao longo do tempo as personagens já não são mais definidas por traços uniformes e constantes, ganhando elementos contraditórios, como se em vez de uma pessoa cada um fosse várias. E portanto, a avaliação moral desses personagens se torna cada vez mais difícil, fazendo com que cada vez mais entrasse na literatura aqueles elementos que depois o crítico americano Lionel Trilling (1905-1975) delinearia como complexidade, ambiguidade, ironia, paradoxo, etc. Porém, essas personagens, na medida que isso acontece, tornam-se cada vez mais parecidas com o homem real e concreto.
Com isto se tem uma crescente de dificuldade em emitir-se um julgamento moral sobre as personagens, pois a história que está sendo contada é a história do leitor. Quando se examina a própria alma com minúcia, detecta-se vivências interiores que não se enquadram com a imagem que gostamos de ter de nós mesmo. A autoanálise é um processo de aprofundamento da observação direta, onde a radical sinceridade e a fidelidade à memória são fundamentais. Este mesmo elemento de sinceridade torna-se cada vez mais necessário na literatura. Porém, as observações literárias e o conhecimento que se adquire por meio da literatura, estão radicalmente excluído do debate geral das ideias, e especialmente das ideias científicas – estabeleceu-se uma diferenciação entre o domínio público, que seria o domínio da ciência, e o domínio pessoal, que seria o domínio da literatura e das artes. Mas esta é apenas uma convenção cultural que se sobrepõe à realidade da experiência, restringindo a discussão pública àquilo para o qual há algum conceito estabelecido e excluindo a experiência literária.
É a distinção que o escritor americano Saul Bellow (1915-2005) apontou entre os intelectuais que lidam com ideias gerais e os que ele chama de escritores, que são aqueles que lidam com a experiência genuína – a experiência genuína sendo excluído do debate público e encaixilhada numa dimensão denominada experiência pessoal. Mas dificilmente encontra-se algum livro de ciência social do século XIX que trate de problemas tão graves quanto aqueles que se encontram, por exemplo, nos livros de Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
No século XX, alguns poucos cientistas sociais perceberam que isso era um erro, e que se deveria resgatar toda a multidão de conhecimento que está depositado na literatura, dando-lhe uma relevância científica. Eric Voegelin é um destes cientistas, usando as obras de literatura como documentos históricos. Porém este apego de Voegelin à experiência direta não tem lugar no meio universitário – a experiência pessoal direta e a experiência científica estão ainda incomunicáveis entre si.
A natureza caótica resultante do crescente contato entre diferentes agrupamentos sociais fez germinar a ideia de ordem. Um dos efeitos da busca por esta ordem é a substituição das relações humanas naturais e espontâneas por relações legais. Por exemplo, até o século XIX não havia noção de casamento civil. Você se casava perante a natureza, perante Deus ou perante a igreja, não perante o Estado. Este processo de substituição será uma constante na Modernidade.
Esta substituição cresce progressivamente na sociedade moderna, técnica, industrial, e altamente burocratizada. Na Idade Média não existia um abismo entre o indivíduo e a sociedade, as emoções e motivações humanas eram mais compreensíveis, e as experiências humanas mais transparentes a todos (ler Life in the Middle Ages (1928) de George Gordon Coulton (1858-1947)). Mas à medida que essas relações sociais baseadas na pessoa humana direta vão sendo substituídas por relações legais e burocratizadas este quadro muda drasticamente. Por exemplo, o funcionário que é obrigado a exercer a sua função implacavelmente, a despeito de todas emoções pessoais envolvidas, acaba distanciando-se das emoções alheias para poder suportar seu trabalho. Ele não buscará participar das emoções das outras pessoas, porque sempre não vai aguentar – suas ações tornam-se cada vez mais impessoais, como se o regulamento burocrático fosse uma realidade e as pessoas envolvidas meras estatísticas. O funcionário pode agir brutalmente e sem remorsos pois o outro foi coisificado, não é mais uma pessoa pela qual se possa ter empatia.
Esse elemento impessoal passa a constituir-se na experiência cotidiana. O mundo da experiência direta humana, o mundo das emoções humanas diretas, não tem lugar na estrutura administrativa, e então não pode ser objeto de uma discussão pública – só se pode discutir aquilo que está enquadrado nos conceitos gerais, nos dados estatísticos. E na mesma medida em que a convivência na sociedade moderna se despersonaliza, a literatura se personaliza cada vez mais (como descrito acima) e se torna uma espécie de refúgio.
Outro refúgio que surge é a convivência pessoal direta, mas vivida em termos que já não podem corresponder inteiramente às categorias sociais admitidas. Não havendo mais aquele sentimento de participação comunitária no qual as emoções das pessoas envolvidas são translúcidas para todos, desenvolve-se como compensação a necessidade de uma aproximação maior entre as pessoas fora do quadro social admitido e legítimo, como, por exemplo, a busca do amor pessoal em quantidade e intensidade que as épocas anteriores desconheceram – isto explica a revolução sexual, a intensificação de adultérios, gayzismo, pornografia, e outros desvios morais e anímicos. Os indivíduos não aguentando viver dentro daquele quadro de impessoalidade mecânica e burocrática buscam, às vezes desesperadamente, um alívio para isso.
Uma mera condenação moral nunca resolverá esta necessidade premente criada pelo artificialismo da vida moderna. Max Weber afirmava que as pessoas buscam refúgio na convivência pessoal, porque na sociedade, no seu trabalho, no exercício das suas funções públicas, elas não são pessoas, são apenas funções. A tendência geral da sociedade moderna é de tratar os indivíduos apenas pela sua função e não como individualidades concretas e diferenciadas.
A pressão das necessidades emocionais humanas, não podendo ser descarregada na vida social pública e oficial, tem que encontrar outros canais, como, por exemplo, a psicoterapia – a maioria das pessoas que fazem psicoterapia não apresentam quadro clínico, apenas não têm com quem conversar. Em The Wreck of Western Culture (2010), o sociólogo australiano John Carroll (1944- ) demonstra como desde o século XIX (antes do surgimento da psicanálise) grande parte a vida real das pessoas fugia para o mundo dos sonhos, ou seja, o indivíduo leva uma vida impessoal no cotidiano e comporta-se como realmente é nos sonhos. É de se perguntar se Sigmund Freud (1856-1939) teria a ideia de procurar a realidade da alma no mundo dos sonhos se ela não tivesse sido empurrada para lá por fatores sociais – a impessoalidade moderna provocando a fuga para a intimidade, a fuga para os sonhos, a fuga para os contatos através de internet, a fuga para pornografia, a fuga por sexo. O início da despersonalização da vida social pode ser conectada com a regulamentação da Universidade de Paris (comentada abaixo).
Em seu livro, Teoria de Direito e do Estado (1940), Miguel Reale (1910-2006) cunha o termo jurisfação para descrever esta passagem das relações naturais para o campo das relações legais. E esse processo é absolutamente avassalador, não tem limite. Um dos elementos fundamentais da democracia moderna é a existência de um poder legislativo, um poder real e, em princípio, soberano em relação ao executivo e ao judiciário, e cujas decisões literalmente têm poder de lei sobre os outros – uma corporação de centenas de pessoas fazendo leis o tempo todo, regulando cada vez mais coisas que antes não eram reguladas. E a sociedade acostuma-se de tal modo com estas novas proibições que elas às vezes lhe parecem a própria garantia dos seus direitos e das suas liberdades, quando na verdade elas representam mais restrições. O romance Michael Kohlhaas (1810) de Heinrich von Kleist (1777-1811), baseado na história factual do mercador Hans Kolhase (1500-1540), exemplifica este processo de escalada de restrições.
Neste mesmo sentido de alargamento de condicionantes temos a crescente importância dos documentos – exposta ficcionalmente por Luigi Pirandello (1867-1936) no romance O Falecido Mattia Pascal (1904) no qual a personagem descobre que os documentos têm mais realidade que ela. Acostumamo-nos de tal maneira com a crescente importância dos documentos pessoais como se eles reforçassem nossa identidade, como se a identidade oficialmente admitida começasse a prevalecer sobre os dados da experiência direta – começasse a imaginar que a sua identidade é aquela que a sociedade confere, e não aquela efetivamente existente por natureza. Automaticamente se torna difícil conceber que uma pessoa humana seja algo por si mesma, sem o reconhecimento da sociedade, e este será o argumento fundamental do assassino movimento abortista – o abortista já não enxerga a sua identidade em si mesmo, quanto mais em um ser humano intrauterino sem documentos, sem uma figura projetiva concedida pelo Estado, pela sociedade. Todos os argumentos do mundo não bastam para convencer um abortista convicto que ele está errado, é preciso antes mudar a percepção que ele tem de si mesmo – um processo mais profundo e complexo, que às vezes pode acontecer mais facilmente por alguma experiência traumática que ele tenha do que por qualquer argumentação. O homem tem uma identidade inerente, inata e eterna, mas muitos foram persuadidos de que são apenas um papel social determinado pelo Estado e a sociedade.
Essa superestrutura burocrática, que se sobrepôs às individualidades concretas, retroage sobre a individualidade e cria novos tipos de individualidade que antes não existiam. Os regimes totalitários são o aperfeiçoamento extremo da burocratização, onde as pessoas não são reconhecidas pelo que são, mas pela posição social, frequentemente imaginária, atribuída por outros. Assim conseguimos entender como o povo alemão se calou diante do Holocausto, não eram pessoas nos campos de concentração mas “uma raça inferior que explorava e ameaçava os alemães”; bem como explica como os comunistas russos e chineses puderam assassinar 100 milhões de seus conterrâneos em tempos de paz – o genocídio é a expressão natural da despersonalização. Na modernidade foram criados os meios técnicos para cometer atrocidades (e.g. aborto, genocídio) sem que o impacto delas retroaja sobre a alma dos algozes.
O crescimento das ordens religiosas durante a Idade Média levou a um maior nível de organização e a um ensino mais aprimorado – florescimento intelectual dentro da religião cristã. Deste florescimento nascem novas formas de devoção e oração solitária, em contraposição com o culto coletivo predominante – uma espécie de individualismo religioso. Grande parte da vida religiosa passa na solidão da alma que busca a Deus. Este processo ocorre simultaneamente com a negação protestante de doutrinas fundamentais, rompendo com um milênio e meio de tradição cristã, e inaugurando uma espécie de anarquia geral onde o único ponto de convergência dos cristãos é a Bíblia. E para muitos a única forma de interpretar as escrituras seria individual. Isto dá força ao individualismo: legente entre os protestantes e orante entre os católicos.
Do ponto de vista da cultura popular, este individualismo é tido como sinônimo de maior liberdade individual – peso menor da autoridade e maior autonomia e iniciativa individual. Mas individualismo e liberdade são completamente diferentes, e este crescente individualismo seria ambíguo. A iniciativa individual estimula a competição entre os indivíduos, e naturalmente alguns desses indivíduos se saem melhor e adquirem sobre os outros uma autoridade e um poder direto, já não mediado por instituições tradicionais como a igreja. Assim o surgimento do individualismo é também o surgimento de uma autoridade individual e pessoal que antes não existia. E, portanto, é um elemento fundamental da centralização do poder.
A crescente complexidade dos empreendimentos militares favorece o individualismo na forma do culto do indivíduo heroico – aquele que impõe a sua vontade aos outros, como aparece claramente nas obras de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Esta mesma complexidade brota em quase todas as esferas sociais, exigindo uma centralização cada vez maior, e também um poder cada vez maior aos governantes. É nesta mesma época, a partir do século XIV, começa a formação dos estados nacionais. Observa-se que nesta época todos os movimentos político-religiosos buscavam a centralização do poder pugnando contra o inimigo da ordem sociais. i.e. o caos – a implantação da ordem central é uma das características distintivas e uniformes da modernidade.
Aquele universo de Rafael, onde o ponto central é também o ponto de culminância, em torno do qual tudo se dispõe harmonicamente em círculos concêntricos é o modelo para tudo, o modelo que todos estão buscando – sem esta ideia da organização do espaço visual, talvez a noção de um projeto centralizador de poder seria impossível – as próprias figuras de linguagem se reportam à ideia de uma estrutura disposta em torno de um centro. Em geral, todos os esquemas interpretativos da realidade, aparecem primeiro nas artes plásticas, na narrativa, no teatro, e aos poucos se transformam em concepções filosóficas.
As universidades medievais formam-se por desejo dos estudantes que arrecadam os recursos necessários para contratar professores – geralmente o reitor da universidade era um estudante. A força motriz era o simples desejo de conhecimento (ler The Concept of a University (1974) de Kenneth Minogue (1930-2013)), as funções sociais desempenhadas pela universidade eram meramente acidentais. Com o crescimento do corpo discente a universidade começa a ser vista como uma força anárquica que, dentro do espírito moderno, precisa ser organizada e controlada. Os poderes centralizadores, principalmente Igreja e governos locais, disputam o controle das universidades, com o Papa temporariamente ganhando a disputa – predomínio do espírito centralizador.
Posteriormente a Universidade de Paris criou e regulamentou o conceito de plano de carreira, burocratizando a atividade intelectual. Uma vez regulamentada a profissão será fiscalizada por um grupo de fiscais igualmente profissionais, e o exercício da vida intelectual sincero é substituído pela necessidade de desempenhar o papel social requerido – quem controla a universidade passa a influenciar o desenvolvimento intelectual na sociedade (a universidade assim se integra no esquema de poder estatal).
A centralização das universidades inicialmente coordenada pela Igreja criou inconscientemente o monstro que, passado para o controle estatal, seria instrumentalizado para atacá-la. Esta instrumentalização estatal só cresceu ao longo do tempo, assumindo uma atmosfera totalitária que extrapola os campus universitários e invade todas instituições, inclusive empresas privadas com seus códigos de conduta politicamente corretas que fiscalizam a vida dos funcionários até fora da empresa.
Entre os séculos XV e XVII surgem projetos de poder, alguns declaradamente de escala mundial. Os mais óbvios são os de Francis Bacon (1561-1626), Maquiavel, Thomas Hobbes (1588-1679) e do educador tcheco John Amos Comenius (1592-1670) que em seus escritos fez a primeira proposta detalhada de um governo mundial (ler Beyond Borders: The Proposals of John Amos Comenius for a Democratic World Government (2014) de John Taylor).
A ideia de controle total, ordem absoluta em um futuro planejado, já está dada por Francis Bacon no romance utópico incompleto Nova Atlântida (1626) onde uma elite científica conseguiria planejar o futuro de forma precisa. Nos comentários dos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1517), Maquiavel cria a concepção de estado totalitário que denominou como Terceira Roma – um estado que suga o prestígio do Cristianismo para servir a seus propósitos. Thomas Hobbes escreve o Leviatã (1651) convencido de que sua proposta seria a solução universal para o apaziguamento dos conflitos humanos. Machiavel também acreditava que sua proposta da Terceira Roma seria um apogeu social. A busca da ordem incitava as pessoas a criarem modelos ideais. Isto aparece claramente também em Descartes que se propõe a descobrir o segredo fundamental ignorado por toda a humanidade anterior – não é descobrir algo ainda desconhecido, mas descobrir o universo inteiro que as pessoas não compreendiam.
Neste período, a busca pelo poder começa a apelar a um número crescente de pessoas, e, também vai exacerbar o óbvio desejo do ocupante do poder em defendê-lo. Dois processos opostos, um divisor e outro centralizador, sendo que ao longo do tempo o centralizador vence. A globalização, uma administração mundial inalcançável ao povo, a burocratização total, seria a culminação deste processo de centralização do poder.
Vê-se que aquele individualismo não gerou maior liberdade, mas sim centralização (nos indivíduos que se destaca – governantes) e massificação/equalização (dos demais que se submetem àquele – povo) – toda a malha de organizações e poderes intermediários que existia na Idade Média é dissolvido. Desde então o poder estatal só cresce, tendo no totalitarismo socialista/comunista o ápice deste processo, onde só existe a nomenclatura acima e o povo abaixo. Com o esvaziamento dos grupos religiosos e empresariais sobram apenas duas estâncias: quem tem o poder e quem não tem o poder, quem pode e quem não pode. A cresça moderna no crescimento da liberdade é uma ilusão.
A palavra liberdade é um fetiche da modernidade, entendida como um elemento positivo, substantivo, quando não o é – a liberdade é sempre a liberdade de alguma coisa, a liberdade ante alguma coisa, por vezes como fatores antagônicos, e.g. Abraham Lincoln (1809-1865) centralizou a economia e aumentou o controle estatal para manter a liberdade dos EUA diante da pressão econômica das potências europeia. A liberdade é uma escolha, é uma distribuição razoável da sujeição a certas forças para se livrar de outras.
Em nome dos direitos dos homens são criadas cada vez mais leis, o que é absolutamente auto-contraditório. A cada novo direito surge uma nova lei, mas este novo direito provavelmente será a obrigação de outrem – o seu direito será a obrigação de um terceiro. E esta obrigação implicará em sansões legais para estimular sua efetivação, assim cada novo direito pode levar a novos tribunais, novos funcionários, mais fiscais, enfim, mais opressão.
Este processo de idealização quase psicótica da liberdade (assim como da igualdade) iniciado neste período veio na esteira do processo centralizador, que por sua vez não teria nenhum poder de persuasão sobre as pessoas se ele não estivesse fundado numa concepção do mundo racional promovida pela nova ciência de Galileu, Newton, Descartes e outros que acreditavam poder reduzir toda a estrutura do universo a um certo grupo de fórmulas, alcançando a total racionalização da experiência humana.
Regimes totalitários como fascismo, nazismo, socialismo e comunismo eram impensáveis na Idade Média, tampouco a ideia de um sistema legal que se sobrepusesse ao conjunto das relações naturais – ambos frutos da centralização do poder.
Outra corrente de acontecimento relevante na formatação da Modernidade foi a perda de objetividade no debate público conforme observado no reingresso da astrologia no contexto cultural ocidental no século XIII com Guido Bonatti (falecido 1296-1300), que vai se disseminar entre as classes dominantes nos dois séculos seguintes. Há intensos debates no século XV com linhas favoráveis (Pietro Pomponatti (1462-1525)) e contrárias (Pico della Mirandola (1463-1494)) à astronomia com argumentações retóricas. O principal problema é que se debatiam posições a favor e contra sem nunca abordar o fenômeno em si – debatia-se a validade de um corpo de doutrinas imaginário.
O argumento contrário de Pico della Mirandola teve grande impacto: a astrologia seria contraditória ao pretender simultaneamente fazer previsões sobre o futuro e orientar as pessoas quanto às suas ações, o seja, se o futuro está previsto não há nada a fazer, e se há algo a fazer é porque não está previsto. Ocorre que esta questão já fora resolvida por Tomás de Aquino na Suma Contra os Gentios (escrito em quatro livros entre 1259-1265). Aquino entendeu que não se tratava de contrapor duas teorias (predestinação e livre arbítrio), mas sim de medir o coeficiente do possível e do impossível – toda e qualquer situação humana se compõe de uma graduação destes dois elementos (toda situação envolve um grau de imutabilidade, sem o qual a ação transcorreria no vazio). Já estava demonstrado com Aquino que não existe nem predestinação nem livre arbítrio absolutos, pois o exercício do livre arbítrio depende da algo predeterminado.
O simples fato de algo já equacionado há dois séculos estar sendo debatido sem bases objetivas já denotava que havia algo de errado. Todo o debate renascentista sobre astronomia, e que voltou a ser discutido no século XX, ignora que Aquino já havia delimitado o problema central, ou seja, em que medida a ação dos astros sobre o ser humano pode ser observada ou comprovada ou negada objetivamente, preferindo discutir a validade moral e teológica de algo que não possui unidade teórica suficiente para tal.
O debate saia da congregação universitária, do escrutino do público intelectualmente treinado, e direcionava-se a um publico mais amplo e leigo no assunto – a abordagem medieval, como a summa, é tediosa para o leitor moderno dado seu meticuloso nível de exame e argumentação. As discussões filosóficas, e mesmo as científicas, tornam-se superficiais, onde não ser intelectualmente convincente tornou-se normal.
Esta perda de objetividade na busca da verdade será um constante na modernidade. Tendo como uma de suas causas a organização burocrática da atividade intelectual iniciada na Universidade de Paris supracitada, a partir da qual, cada vez mais, o indivíduo aparece no debate público representando alguma instituição, alguma corrente de ideias ou autoridade, pela qual está falando. O debate cultural moderno perde sua substantividade por esta suposta autoridade (argumento de autoridade) implícita nas instituições e ideologias que impulsiona as vozes no debate público onde todos são chamados a tomar uma posição sobre todo e qualquer assunto, e assim o fazem tentando enquadrar a questão dentro de seus preconceitos ou ideias do grupo ao qual está subjugado, deixando escapar o objeto em discussão – remetendo ao esquecimento alertado por Edmund Husserl referido acima.
Adaptando do conceito aristotélico de substância, um objeto é um núcleo em torno do qual se articula um número indefinido de perspectivas que se pode lançar sobre ele (perspectiva rotatória). A substância nunca está acabada, pois a maior parte das substâncias existem como entidades temporais – uma substância é uma matriz de transformações, um conjunto de possibilidades. A perspectiva rotatória é a verdadeira natureza da percepção humana que nunca vê um objeto sob apenas uma direção ou somente um aspecto – ao ver um objeto imediatamente percebemos nele uma série de determinações presentes, algumas essências, outras acidentais.
Ao restringir o objeto (substância) a um conjunto de determinações matemáticas estamos declarando sua independência de outros objetos. O processo de abstração matemática permite conceber certos objetos separados do universo em seu entorno, ganhando a possibilidade de manipulá-lo livremente – a redução da complexidade ontológica do objeto o torna mais acessível à ação humana. Se por um lado isto permite avanços técnico, por outro a matematização cria certos hábitos mentais que nos fazem perder de vista a unidade do real. Matemática e lógica não lidam com a realidade, lidam com a estrutura das possibilidades consideradas em si mesmas, independentes até da existência do mundo – levando à tendência de abolir qualquer objeto que não seja redutível às determinações matemáticas.
Se na Idade Média predominava os interesses cognitivos nos trabalhos filósofos, a partir da modernidade a maior parte das obras que adquirem uma importância no debate cultural são obras que propõem alguma coisa, que têm uma agenda a defender: Machiavel quer a Terceira Roma, Hobbes propõe um novo modelo de governo, Bacon tem um projeto político-cultural – todos escrevem na clave apelativa (modelo de Karl Bühler) desejando exercer uma certa influência, angariar simpatia para sua causa. Diferente, por exemplo, de Aquino na Suma Contra os Gentios onde ele não faz uma exortação à conversão dos gentios, mas sim uma sondagem da verdade até suas últimas consequências.
Os procedimentos usuais de investigação e prova usados no período escolástico são gradativamente substituídos por procedimentos extraídos da retórica antiga, sobretudo do livro As Instituições Oratórias de Quintiliano (35-100). Assim o elemento psicológico começa a pesar, às vezes, mais do que o elemento lógico, ou seja, já não se trata tanto de provar, mas de persuadir Na arte da persuasão as provas são escolhidas não pela sua validade objetiva, mas pelo seu poder persuasivo. Isto é notório nas obras de Galileu (conforme citado acima), assim como em Giordano Bruno e Descartes.
Outro aspecto marcante na formatação da modernidade é a presença das sociedades secretas. O processo histórico da modernidade só poderá ser entendido quando detectarmos claramente o que foi colocado e evidência e o que foi ocultado ao longo do processo. Francis Bacon (1561-1626) diz em Meditationes Sacrae (1597) que “conhecimento é poder”, porém o conhecimento não se reparte igualmente na sociedade, e o poder acaba sendo de alguns homens sobre os demais. Pior, a busca do conhecimento volta-se ao acréscimo do poder de certas elites, que muitas vezes desejam permanecer ocultas. A manipulação da ciência, a falsidade científica e a ocultação da verdade transformam-se em instrumentos de poder.
A presença do elemento secreto (como a experiência e imaginação – mediação não-científica – requeridas na produção do conhecimento científico) e a ocultação premeditada formam uma das bases da modernidade. Isto explica fenômenos como a completa falsificação da biografia de Isaac Newton, cuja verdade só foi revelada após quatro séculos quando John Maynard Keynes (1883-196) deparou-se com manuscritos de Newton e revelou no ensaio Newton, the Man (1946) as ligações do polímata inglês com o ocultismo.
The Royal Society, fundada em 1660 para promover a ciência, nasce do Invisible College – parte torna-se pública enquanto um núcleo segue discreto ou secreto. O mesmo acontece no Partido Comunista cuja estrutura sempre contém uma ala secreta, em comando do processo, por trás de sua existência pública. O conhecimento é meio de controle e o controle pode ser prejudicado se todos os elementos que estão no comando forem visíveis e estiverem acessíveis à ação de terceiros.
Em Fire in the Mind of Man (1980), James H. Billington (1929-2018) demonstra como o fraternité do lema da Revolução Francesa foi herdado de sociedades secretas e ocultas, como os maçons, e tornou-se uma ideia inflamatória que levou à Comuna de Paris, mas depois foi extinta no que diz respeito às revoluções populares até ressurgir com nacional-socialismo na Alemanha dos anos 1920 – mescla entre organizações públicas e sociedade secretas. Mas infelizmente há uma dificuldade (inerente ao secretismo) ou má intenção (coaptação) dos historiadores e catedráticos em lidar com este aspecto do processo histórico, impedindo sua melhor compreensão e capacidade de entender os acontecimentos atuais.
Em O Despertar dos Mágicos (1960), Jacques Bergier (1912-1978) e Louis Pauwels (1920-1997) sugerem que a sociedade secreta de tipo maçônico seria no futuro o modelo de organização política. E de fato as reais atividades do Bilderberg Group, do Council on Foreign Relations, ou da Trilateral Commission não são noticiadas pela grande mídia – Jacques Bergier trabalhou no serviço secreto francês e testemunhou o nascimento do poder globalista, que iria, nas décadas seguintes, crescer sem que nada aparecesse na mídia. Os militantes progressistas que acreditam lutar contra o establishment nem desconfiam que são marionetes destes grupos e das grandes fundações, ou seja, a essência do establishment – alheamento completo sobre qual é a força histórica real por trás de suas próprias ações.
As forças que buscam o controle global são manejadas nas sombras. Não dá para compreender o mundo islâmico sem as tarikas de natureza discreta, o mundo sino-russo é subordinado a seus serviços secretos, e o Ocidente está nas mãos dos grupos citados acima. A mídia transformou-se em instrumento de reengenharia social, voltada à ocultação e direcionamento da informação para a manipulação das massas. Os grandes veículos de comunicação concentram-se cada vez mais em poucas mãos, facilitando o este processo. A mentira é ocultada e esquecida mas os fatos que ela gera progridem, tornando a sociedade neurótica. Não há forma de escapar desta patologia sem trazer à luz o que está oculto.
Outro elemento constante na atual sociedade, e uma das raízes da Modernidade, é o partidarismo corporativo. A possibilidade de participar do poder, mesmo que quase sempre ilusória, é, na prática, fenômeno recente na história humana. Paralelamente, a crescente urbanização social atomizou o indivíduo, anônimo e frustrado no processo de adaptação àquela nova situação. Quando, no século XIX, Karl Marx cria o engodo de luta de classes dá àquele indivíduo a possibilidade de integrar algo (a luta de classes) conferindo-lhe uma significação para sua vida, ele deixa de ser um átomo isolado e passa a participar da epopeia revolucionaria, ganha uma rede de contatos que lhe dá uma sensação de segurança, e adquire um fundamento ético para sua conduta (tudo o que é a nosso favor é bom, tudo o que é contra nós é mau – a noção de justiça de Trasímico em A República de Platão) – este canto da sereia aos ressentidos sociais ganharia ainda mais vigor com a hodierna mania vitimista. E o comportamento corporativista aplica outra camada de ocultação sobre o debate cultural.
O mundo moderno tem a capacidade de paralisar o cérebro humano. Com o distanciamento da realidade, a perda do sentido de transcendência, o desvirtuamento do sentido trágico da vida humana, o bombardei de informações contraditórias, o homem pode passar a aceitar qualquer coisa, desistindo de buscar entender o mundo e seu papel nele. Alguns equivocadamente apelam a profecias e teorias escatológicas. Uma fuga do processo da busca da Verdade que se tornou demasiadamente complexo e doloroso. E este é o ponto principal: não podemos abdicar do dever fundamental da inteligência em troca de um alívio postiço. Pois é a busca da Verdade que justifica a nossa presença no mundo.
A Modernidade é uma época marcada pelo florescimento de falsas narrativas biográficas e autobiográficas. O hiato entre a historiografia profissional e as crenças culturais vigentes alargou-se ao ponto de que o homem medianamente culto de hoje em dia vive num espaço histórico bastante fantasioso. A exploração dos elementos mencionados neste seminário deve concorrer para estimular os interessados na Verdade a crer menos nos mitos culturais estabelecidos do que na força da investigação sincera.
Seguem sugestões de leitura para aprofundamento no assunto:
Les XVIe et XVIIe Siècles (1953) de Roland Mousnier: considerado obra padrão a respeito deste período, pela riqueza de informações e de perspectivas diferentes sobre as quais o período é enfocado. Restrição com a equivocada tomada da cosmovisão científica moderna como uma conquistada definitiva. à luz da qual as concepções do período anterior poderiam ser julgadas.
Galileo Was Wrong: The Church Was Right de Robert A. Sungenis: funciona como antídoto ao erro da obra acima de Mousnier. Rompe dogmas científicos demonstrando que as teses de Galileu não estão provadas até hoje.
Voltaire Méconnu:. Aspects Cachés de l'Humanisme des Lumières (2005) de Xavier Martin: demonstra como Voltaire nunca foi um apóstolo da liberdade, mas sim um indivíduo que sempre se posicionou do lado dos mais poderoso, que subscrevia genocídios, e era tão antissemita quanto Hitler.
Luther and Lutherdom: From Original Sources (1904) de Heinrich Denifle: meticulosamente apresenta que Lutero inicialmente não buscava fundar uma religião, demonstra suas graves contradições ao longo do processo, a até seu desrespeito ao texto bíblico.
Astrology and the Seventeenth Century Mind: William Lilly and the Language of the Stars (1995) de Ann Geneva: apresenta o grande astrólogo da corte inglesa William Lilly que tinha então mais autoridade que a Igreja.
The Pagan Dream of the Renaissance (2002) de Joscelyn Godwin: sobre o retorno da astrologia, alquimia, e outros cultos trazidos nos braços do interesse renascentista pela antiguidade.
The Fated Sky (2007) de Benson Bobrick: conta a história da astrologia no Ocidente.
Theatre of the World (1969) de France A. Yates: estuda a coincidência do surgimento da ciência moderna com o ressurgimento do teatro – processo é incentivado pela redescoberta da arte da memória greco-romana (técnica mnemônica baseada na distribuição dos argumentos e das ideias por uma figura espacial).
La Philosophie de Pietro Pomponazzi / Pico della Mirandole et la Critique de l'Astrologie (1966) de Eric Weil: descreve o caos resultante da astrologia ser um conjunto de técnicas desenvolvidas por incontáveis pessoas partindo de desencontradas bases teóricas, crenças e técnicas incomunicáveis. A astrologia é um problema científico que ainda carece de estudo objetivo partido de onde Aquino o deixou.
A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1936) de Edmund Husserl: livro fundamental para a compreensão do período. Desmonta a ideia kantiana de que tudo que nós percebemos é predeterminado pela estrutura da nossa percepção.
A Crise da Consciência Europeia 1680-1715 (1935) de Paul Hazard: estuda a mudança da mente europeia no período, é a passagaem da primeira etapa da modernidade para o iluminismo. Obra-prima da historiografia. Segue outro livro dele: La Pensée Européenne au XVIIIème Siècle: de Montesquieu à Lessing (1946).
The Wreck of Western Culture: Humanism Revisited (2004) de John Carroll: analisa as mudanças de mentalidade naquele período, sobretudo a partir de elementos colhidos da pintura.
Notas:
Olavo de Carvalho (1947-2022) nasceu em Campinas, Brasil.
Filósofo, analista político e polemista, tem extensa obra registrada em livros e aulas gravadas.
O seminário Raízes da Modernidade foi ministrado em 6 aulas entre os dias 17 e 22 de outubro de 2011.
Naturalmente não há uma data precisa na determinação do início da modernidade. Porém, simbolicamente, pode-se usar o 13 de outubro de 1307 quando a Ordem dos Templários cai na traição do rei francês Felipe IV, o Belo, considerado o primeiro monarca moderno por subjugar a Igreja e centralizar o poder.
Abstrair é considerar uma coisa separadamente da outra quando na realidade elas estão juntas, ou ao contrário juntá-las quando na verdade elas estão separadas. Ou seja, a abstração é uma capacidade que o ser humano tem de modificar mentalmente a realidade para poder compreendê-la desde aspectos que não se oferecem imediatamente a sua percepção. O processo abstrativo é natural e espontâneo no ser humano, sendo uma capacidade que se apresenta em diferentes graus.
A relação simbólica do mundo matemático com o mundo divino levou a adoção de fórmulas geométricas a diversos ritos religiosos: (a) o imperador chinês percorria um quadrado (referência aos quatro pontos cardeais) ao acordar de manhã, (b) a cruz é um elemento geométrico, e (c) circum-ambulação da Kaaba.
Em Form in Gothic (1911) o historiador Wilhelm Worringer (1881-1965) demonstra como as sociedades mais primitivas, mais indefesas da natureza, sempre criavam uma arte de estilo abstrato e geométrico, buscando um refúgio contra os perigos e caos do mundo físico circundante – uma espécie de autodefesa da inteligência humana contra a confusão do mundo das formas sensíveis. Por exemplo, os aglomerados humanos da maior parte dos povos primitivos (como as tabas) tendiam a se dispor em círculo, como que fechando a comunidade contra o mundo extemporâneo.
O retorno do simbolismo divino da matemática é como uma vingança tardia de Platão em relação a Aristóteles, pois este demonstrou a não existência de formas puras, que só existiriam na mente humana. Aristóteles colocava limites na possibilidade da matemática explicar o mundo físico – a natureza não tem regras mas sim hábitos.
A matemática abrange apenas um aspecto do fenômeno universal. Por exemplo, a lei de atração dos corpos. Em primeiro lugar, eles precisam antes existir, e não existe equivalente matemático para a noção de existência (como objetou Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)) – mesmo tendo todos os dados quantitativos sobre um ente continuamos sem saber se ele existe ou não. Mas temos hoje um recuo do que Leibniz demonstrou no começo do século XVIII. E o problema é que todo o mundo que conhecemos se compõem de corpos, e os corpos naturais se caracterizam pela sua total imprecisão. Tudo na natureza é aproximativo, tudo é marcado pela imprecisão, interpenetração e, sobretudo, pela gradatividade. Esta é a forma básica com que a existência chega ao homem. A física quântica veio a demonstrar esta imprecisão – de certo modo, se o advento da ciência moderna foi uma espécie de vingança de Platão sobre Aristóteles e o advento da física quântica foi a vingança de Aristóteles sobre Platão.
Corporal e imaterial não correspondem a real e irreal, são duas escalas diferentes.
A liberdade protestantista de interpretar a Bíblia a seu próprio modo gerou múltiplas igrejas disputando fiéis entre elas. Permitiu também que cada indivíduo se sentisse no direito de falar como se fosse uma autoridade religiosa – as cobranças morais no meio protestante são muito mais fortes do que no meio católico, cada um investindo-se de autoridade moral da religião para condenar o próximo. Aquilo que começou como individualismo se tornou uma massificação completa, onde todos têm medo de ser denunciados em público. E como também não há a confissão particular, só resta a confissão pública ou a acusação pública. Como não há uma igreja central, a própria vontade popular passa a ser o tribunal, e o fiel não é perseguido por uma autoridade, mas por uma comunidade, o que é mil vezes pior.
Há uma tensão inescapável entre o indivíduo e o coletivo. Não há como escapar da opressão estatal e/ou comunitária.
O surgimento do jornalismo no século XVII e o desenvolvimento da propaganda criaram novos instrumentos de massificação, quando não de manipulação bovina do povo.
A ideia de ordem perfeita repercute até os dias atuais, onde as vozes dissonantes são abafadas, quando não eliminadas fisicamente. Quem não comunga da ordem imposta é, no mínimo, visto como excêntrico – fora da concentricidade rafaelita.
Entre os séculos XV e XVII não surgiu nenhum filósofo ou observador que concebesse uma ideia de para onde aquelas mudanças levariam a sociedade. Quase todos se deixam levar pelo entusiasmo em relação as novas teorias filosóficas, doutrinas e hipóteses, sem ponderar quais seriam as consequências de longo prazo. Esta assombrosa imprevidência histórica repete-se de forma ainda mais grave nos dias de hoje.
A Modernidade adota certas crenças como dogmas, verdadeiros automatismo mentais que moldam a base cultural, e.g. o heliocentrismo no lugar do geocentrismo, e o evolucionismo.
Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883) argumentam que uma corrente política age historicamente mais por aquilo que ela combate e quer destruir do que pelos seus objetivos declarados – o negativismo como prioridade causal (o positivo não é realizado em função dos obstáculos – há que remover os obstáculos). Daí Marx ter escrito tão pouco sobre como seria o socialismo e o comunismo, o foco estava em destruir o que existe no presente – a substância positiva do socialismo sairia naturalmente das lutas pela destruição do capitalismo. Era o que Hegel definia como trabalho do negativo. No movimento comunista a adesão a um corpo de princípios só é exigida dentro do núcleo militante, a todos os demais basta agir contra os inimigos do comunismo.
A mentalidade revolucionária inteira implica a definição do objetivo, a centralização do poder, a indicação de qual grupo social que vai alcançar o poder, e a definição de como este grupo será treinado, adestrado e organizado para fazer isso.
Para Max Weber a história é o conjunto dos resultados impremeditados das ações humanas. Vários fatores confluindo e produzindo efeitos que ninguém havia pensado. É surpreendente que ainda hoje alguém acredite piamente que os propósitos declarados vão predominar sobre o curso anárquico das coisas, em vez de produzir resultados impremeditados.
Os problemas modernos nunca são vistos como produto impremeditado de ações presentes, mas sim com um retrocesso na ilusória inexorável caminhada ao progresso.
Tomás de Aquino seguia, de modo geral, a orientação de Aristóteles de que tudo o que se move no mundo sublunar é predeterminado pelos movimentos dos astros no céu. No entanto, no contexto antigo greco-romano, esta ideia estava associada à divindade dos astros. Aquino entende que os astros são corpos, e Deus move os corpos através de outros corpos, com o predomínio do maior sobre o menor (uma vaga antecipação da lei da gravitação universal). Mas o homem é composto de alma e corpo, existindo nele elementos que se submete à ação de outros corpos e outros elementos que estão sujeitos à ação desses corpos – a sujeição corporal humana e o da liberdade da alma mesclam-se de maneira tão complexa que não pode ser discernida de antemão por meios meramente teóricos. Haveria três vias pelas quais os astros podem agir sobre a alma humana: (a) indiretamente através do corpo, i.e. as percepções sensíveis, (b) modificações introduzidas no próprio corpo, e.g. doenças, e (c) privação da liberdade da alma mediante estados patológicos.
Em Les Conditions de l'Esprit Scientifique (1966), Jean Fourastié afirma que junto com a história do conhecimento (história das ciências), seria preciso escrever a história da ignorância – recuperar aquilo que se esqueceu, que sabíamos e deixamos de conhecer.
Karl Marx diz que a luta entre as classes é a constante da história da humanidade, porém o que é constante é a existência de classes e não a luta entre elas – não há sociedade humana sem classes, a não ser comunidades muito pequenas. A existência das classes é o fator universal, e define a própria existência da sociedade. A conclusão inversa de que a sociedade é definida pela luta entre as classes é inviável pois a luta das classes é um fator inconstante, ao passo que a regra é a existência das classes.
O linguista alemão Karl Bühler (1879-1963) fez uma formulação precisa do modelo tradicional de comunicação, a qual continha três elementos distintos: o falante, o emissor ou o que envia a mensagem; o ouvinte, aquele a quem a mensagem é enviada, a audiência ou o receptor da mensagem; e o mundo ou domínio do objeto. Consequentemente, a comunicação desempenha três funções distintas, que correspondem a esses três elementos mencionados. Bühler denominou essas três funções da comunicação de expressão, chamamento e representação. O modelo tradicional de Bühler sobre a comunicação por meio da linguagem defendia a existência de um sistema tripartido de funções da linguagem, a depender do que ela veicula: se manifesta a emoção humana e os estados da alma do emissor, a função é emotiva. Se representa algo no mundo ou descreve o próprio conteúdo ou tópico veiculado, trata-se da função representativa, referencial ou descritiva. E caso o foco seja orientado para o receptor da mensagem, a linguagem está sendo utilizada na sua função apelativa ou conativa ou de chamamento. Mais tarde, Roman Jakobson (1896-1982) vai desenvolver seu próprio modelo de comunicação de base bühleriana acrescentando as funções poética, fática e metalinguística.
Urbi et orbi locução adverbial latina que significa "à cidade e ao mundo”, ou seja, “a todo o universo”).
A sentença “os ricos ficarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres” nunca se realizou. Os ricos enriqueceram mais, mas os pobres ficaram menos pobres. O real problema é que os poderosos estão cada vez mais poderosos e os impotentes cada vez mais impotentes.
Carroll Quigley (1910-1977) dizia que quando as armas são de fácil manejo, de fácil fabricação, há democratização; e quando as armas se tornam complexas e caras, há uma elitização.
Nenhum dos três métodos usuais de interpretação – método etnológico (como linguagem cultural), método psicológico (como linguagem da psique individual humana) e método esotérico (como linguagem divina) – nos diz o que é o símbolo. Dada a natureza do objeto (perspectiva rotatória), qualquer coisa que digamos sobre o que quer que seja, tem necessariamente uma estrutura simbólica na medida em que não esgota o objeto. Por trás da linguagem existem pessoas reais que estão entendendo infinitamente mais do que está sendo dito. O linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) equivoca-se ao metodologicamente restringir o sentido de uma palavra a diferença entre ela e todas as demais no dicionário, pois assim não consideramos o objeto real que uma dada palavra representa (a linguística não estuda objetos reais, mas somente a diferença entre uma palavra e todas as outras). Uma palavra é um símbolo que se reporta a uma infinidade de conhecimentos que temos em nossa mente. Qualquer palavra, por mais insignificante o objeto que represente, supõe no interlocutor uma infinidade de conhecimentos que seria impossível listar.
A primeira fundação de estado nacional não baseado na centralização do poder se dá com a independência americana (1776). Mas mesmo esta durou pouco, durante a Guerra Civil (1861-1865) Lincoln estabelece um controle social draconiano, e o espírito federativo sofre seu primeiro grande golpe.
O conceito geocêntrico não colocava a Terra no centro hierárquico, mas apenas no centro existencial – o local onde nós estamos. A Terra não era colocada como a culminação do universo. Ao contrário, partindo da Terra tínhamos as esferas planetárias, no alto o céu das estrelas fixas e acima deles o empíreo onde estava Deus Todo-poderoso – a Terra estava o mais afastada possível do centro hierárquico. O conceito heliocêntrico traz para o campo da concepção astronômica exatamente o mesmo que Rafael estava realizando na pintura, ou seja, o elemento físico hierarquicamente preponderante agora é colocado no centro. Isto será acompanhado de toda uma ênfase no sentido simbólico do Sol e na evocação de antigos cultos solares.
No século XX reaparece a ideia pura de império global, desligado de qualquer interesse nacional em particular. Isso foi possível na medida em que as grandes fortunas particulares se sobrepuseram aos interesses nacionais – cresceram de tal maneira que os limites de uma nação já são incompatíveis com os interesses do grupo. Já no século XVIII, a família Rothschild colocava um dos seus filhos em cada país para gerir um banco local, conseguindo driblar os interesses nacionais e fazer com que tudo o que acontece acabe beneficiando de algum modo a família – foi uma espécie de modelo do que veio acontecer com várias outras famílias mais tarde, ou seja, a formação de uma economia supranacional é a condição para que surja a ideia de um governo global não vinculado a nenhum interesse nacional.
Giambattista Vico (1668-1744) dizia que toda a sociedade atravessa ciclos: primeiro o teocrático, depois o aristocrático, seguido do democrático, para descambar no caos, e ressurgir num novo ciclo teocrático. Gaston Georgel (1899-1988) parte da doutrina hindu num esforço de matematizar os ciclos (ver Les Quatre Âges de l'Humanité (1949)). Mas a ideia de ciclos não é matematicamente viável, pois os ciclos são simbólicos. O símbolo é algo através do qual você obtém uma vaga compreensão imaginativa de algo que você não pode controlar intelectualmente.
Santo Tomás de Aquino afirmava que a estrutura do ser é analógica – nós podemos conhecer algo do infinito, da eternidade, apenas por analogia com coisas que se passam no mundo terrestre. Isto não está apenas na estrutura do nosso conhecimento, mas na estrutura da própria realidade – as coisas existentes no mundo temporal são também símbolos de realidades eternas.
Um fato atomístico, i.e. um fato isolado de todos os outros, é impossível, pois não tem uma base onde começar e não tem um ponto onde terminar. Só existem focos de significações analógicas ilimitados que nós conhecemos através da perspectiva rotatória, ou seja, da possibilidade que nós instintivamente conhecemos de poder olhar um objeto sob um número ilimitado de ângulos e com um número ilimitado de conhecimentos resultantes.
O filósofo alemão Ernst Cassirer (1874–1945) dizia que a função da razão é unir e separar – saber o que está unido sobre que aspecto e o que está separado sobre que aspecto, o que é idêntico sobre certo aspecto e o que é distinto sobre outro aspecto. Fazemos isto tempo todo, pois este é o método para entender nossas vidas.
A chamada Pós-modernidade faz parte da Modernidade na medida em que ela aceita como fato consumado toda a destruição que a modernidade fez dos valores antigos.
Os três principais esquemas de poder hodiernos têm problemas estruturais que limitam seu horizonte de consciência. Na busca de entender o que acontece os globalistas não podem se perguntar “e se Deus existe?”; os islâmicos não podem questionar “e se nossa revelação for falsa?”; e o esquema sino-russo não pode inquirir “e se nossa proposta for genocida?”. Estas simples perguntas implicariam a contestação das pretensões básicas de cada um desses grupos.
Em The Temple of Man: Apet of the South at Luxor (1957) R.A. Schwaller de Lubicz (1887-1961) descreve o controle social no Egito antigo através do conhecimento do corpo humano e da relação com a arquitetura. Um resumo do estudo foi publicado em The Temple in Man: Sacred Architecture and the Perfect Man (1949).
De acordo ao escritor francês Georges Bernanos (1888-1948), a democracia pode degenerar em tirania quando prioriza a obediência em detrimento da liberdade e responsabilidade individual. Ele adverte que os “homens obedientes e dóceis” que obedecem às normas sociais estão, na verdade, contribuindo para o aumento da tirania, em vez de lhe resistirem: “Os horrores que temos visto, os horrores ainda maiores que veremos presentemente, não são sinais de que os homens rebeldes, insubordinados e indomáveis estão a aumentar em número em todo o mundo, mas antes que há um aumento constante no número de homens obedientes e dóceis.”
As Constituições são apenas documentos escritos que demandam forças políticas e sociais capazes não só de colocá-las em prática, mas de manter sua interpretação originária – apenas uma classe aristocrática profundamente comprometida com os destinos do país pode garanti-las.
A elite intelectual americana começa a deteriorar-se rapidamente na segunda metade do século XX com a imigração dos marxistas europeus que fugiam da II GG.
Trauma de Emergência da RazãoA razão é uma cruz que carregamos – há uma certa incompatibilidade estrutural entre a modalidade de existência do ser humano e o exercício da razão. Nascemos com a capacidade do pensamento racional, ou seja, o pensamento que tem integridade, o pensamento que não se contradiz. Porém, a razão não funciona sem as informações necessárias, ou seja, temos a capacidade da razão muito antes de ter os meios materiais efetivos de exercê-la. Com isto, muitos complexos e reações neuróticas se estabilizam no indivíduo muito cedo devido ao uso da razão sem a devida experiência. O pensamento humano tenta equacionar tudo de forma proporcional, e podemos definir a razão como senso da proporcionalidade total. Diferente do mero raciocínio, que é o senso da integridade, coerência do discurso, i.e. o mero discurso coerente não basta pra definir a razão.Mas a proporcionalidade total implicaria o conhecimento da totalidade (de tudo que existe), o que é humanamente impossível. Por isso criamos estruturas proporcionais, abrangendo uma fração mínima da realidade. Mas para o homem, essa estrutura proporcional, passa a ser para ele o mundo e a realidade, fazendo de conta que o que está fora não existe. Assim a razão nos induz a viver num mundo de pensamentos, fechados para a experiência – esta tensão entre razão e experiência começa no dia que nascemos e termina quando morremos.
O exercício da razão demanda fé. Não é concebível que uma criatura finita conheça quantitativamente o infinito – o limite do conhecimento coincide com o limite do ser. E o desconhecido não deve aterrorizar o homem que tem fé que Deus fará com que aquela parte ínfima que enxergamos seja harmônica com o todo que só Ele conhece. O homem deve buscar o máximo de certeza dentro dos objetos limitados, mas de tal modo que entre esse conhecimento limitado e o conhecimento divino não exista antagonismo. Esta é a função da fé no conhecimento.