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Metamorfoses de Ovídio


Também o nosso corpo se transforma constantemente, sem pausa alguma, nem seremos amanhã o que fomos antes, ou o que somos. Houve um tempo em que, simples semente, promessa inicial de homem, nos ocultamos no ventre materno. – Livro XI 2014-217, Ovídio explicita a obviedade do começo da vida na concepção

Metamorfoses é uma coleção de histórias mitológicas e lendárias, a maioria extraídas de fontes gregas, nas quais a transformação (metamorfose) desempenha um papel, ainda que menor. As histórias, que não estão necessariamente relacionadas entre si, são contadas em ordem cronológica desde a criação do mundo (a primeira metamorfose, do caos em ordem) até a morte e deificação de Júlio César (a metamorfose culminante, novamente do caos – isto é, guerra civil romana – em ordem – isto é, a Paz Augusta).


Em muitas das histórias, personagens míticos são usados para ilustrar exemplos de obediência ou desobediência aos deuses, sendo suas ações recompensadas ou punidas por uma transformação final em alguma forma animal, vegetal ou astronômica. No entanto, a importância da metamorfose é mais aparente do que real; o tema essencial do poema é a paixão (pathos), e isso lhe dá mais unidade do que todos os engenhosos dispositivos de ligação e enquadramento que o poeta usa. A ênfase erótica que dominou a poesia anterior de Ovídio é ampliada e aprofundada em uma exploração de quase todas as variedades de emoções humanas — pois seus deuses são mais humanos que divinos.


Ovídio não se inibe de alterar o mito para obter efeito poético – mais preocupado com tal efeito do que com a consistência filosófica. Seu tom geral é brejeiro e quase sempre irônico. Embora Metamorfoses contenha muitos mitos que são bem atestados em outros lugares, Ovídio não se limitou necessariamente a mitos maiores ou mais importantes. Várias das histórias que Ovídio conta em Metamorfoses são obscuras e podem muito bem ter sido incluídas para demonstrar sua erudição – outras, como a de Píramo e Tisbe, podem ser invenção do próprio Ovídio.


O emprego do mito por Ovídio antecipa o uso que autores posteriores farão dele, quando os mitos sobrevivem como tropos literários, e não mais como parte de um sistema de crenças. Dada esta separação de Metamorfoses do mito vivo, não deixa de ser irônico que a obra tenha exercido um grau extraordinário de influência direta na literatura e na arte posteriores – livro-fonte para todos os escritores ocidentais do século XII em diante – Chaucer, Dante, Shakespeare, Milton, Goethe, Pound, Eliot ... – e para pintores, escultores e músicos (nenhuma outra obra da antiguidade clássica exerceu maior influência na cultura europeia).


 

Notas

  • Ovídio (43 a.C. - 17 d.C.) nasceu em Sulmo (atual Sulmona), Império Romano.

  • Viveu durante período turbulento da história de Roma: nasceu um ano após o assassinato de Júlio César, entrava na adolescência quando Otávio derrotou Antônio e Cleópatra, e morreu três anos antes da morte de Augusto.

  • Diferentemente de Virgílio (70-19 a.C.) e Horácio (65-8 a.C.), Ovídio nunca foi patrocinado por Augusto

  • Metamorfoses, longo poema escrito (12.000 linhas) em hexâmetro datílico, foi composto ao redor do ano 8 d.C.. Contém mais que 250 narrativas mitológicas.

  • Outros trabalhos de Ovídio incluem a série de poemas romântico-eróticos Amores, Ars Amatoria e Remedia Amoris escritos entre 16 a.C. e 2 d.C.; e Tristia e Ex Ponto escritos no exílio (8 d.C. - 17 d.C.).

  • O relato da criação do mundo (Livro I) baseia-se na cosmologia estoica.

  • As narrativas de Apolodoro de Atenas e Diodoro da Sicília são mais fiéis aos mitos vivos que a de Ovídio.

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