Personagens Principais Filoctetes – amigo de Hércules e herdeiro de seu arco e flechas Odisseu – comandante da expedição grega Neoptólemo – filho de Aquiles Personagens Secundárias Aquiles – herói grego (aparição como deus ex machina) Coro – suporte narrativo
Interpretação A peça inicia expondo duas equações, duas morais distintas: (1) a equação de Neoptólemo que objetiva a vitória através da força e da coragem, sendo que o objetivo pode ser sacrificado por amor ao meio. Ou seja, não se pode triunfar por qualquer meio e a qualquer preço. E (2) a de Odisseu que visa o triunfo por meio da astúcia, da fraude. A mentira é vista como meio de salvação. O meio está no discurso e não no fato.
Vemos a passagem da idade homérica para a idade política assentada na mentira já historicamente presente na época de Sófocles. É a perda da idade da inocência na convivência humana, perde-se a virgindade moral. Testemunhamos um ato fundador de perversão e degradação da linguagem, onde o mal não chega a articular-se socialmente senão através da mentira (a essência do político).
Mas o velho dramaturgo de Colono vai lembrar-nos da nossa imperfeição, da nossa dimensão humana entre o Céu e a Terra (o detentor do arco divino é vitima de repulsiva ferida). Neoptólemo entende que os deuses vaticinaram que o arco não terá efeito em Tróia sem Filoctetes, são indissociáveis. Neoptólemo reconhece sua própria humanidade em Filoctetes e recusa-se a quebrar sua palavra. Sua nobreza dissolve a obstinação deste último, libertando-o e curando-o, e salva também a campanha grega. Reconhecermo-nos no outro é a equação que deve permear as decisões morais.
Outros ângulos interpretativos:
A tensão ontológica entre o indivíduo e a sociedade.
Tratado sobre a velhice (foi escrito logo depois de Édipo em Colono – Édipo também velho). Sófocles tinha sido levado à justiça por seu filho que alegava que o pai não tinha mais competência para administrar seus bens. Sófocles vence a pendenga. Tal como ele, os heróis das suas últimas peças ainda detêm grandes virtudes que devem ser respeitadas pela sociedade.
Identificação com Alcibíades, um mau caráter que era indispensável para Atenas. As vitórias militares de Alcibíades davam a impressão aos atenienses que ele detinha um poder especial (o arco invencível), mas não deixam de reconhecer seus graves problemas morais (a ferida putrefata).
Notas
Sofócles (496-406 a.C.) nasceu em Colono (vila próxima a Atenas, onde morreu).
Escreveu 123 peças das quais apenas sete no chegaram completas: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona, Electra, Filoctetes, Ájax e As Traquínias.
Quando se trata da força educativa da tragédia grega, Ésquilo e Sófocles têm que ser analisados em conjunto. Sófocles é inferior a Ésquilo no vigor da mensagem religiosa, mas é melhor poeta, grande criador de personagens inspirados pelo ideal da conduta humana. Sófocles foca sua atenção no indivíduo, vê o homem eterno, corajoso e sereno perante a dor e a morte, tendo na escolha da vida honrada sua única saída - o ideal da conduta humana.
Com exceção de As Traquínias, a demais peças de Sófocles levam o nome do protagonista que encara uma crise cujo desastre só pode ser evitado caso ele traia seus ideais. Apesar das tentativas de persuasão em contrário, o protagonista não cede e sofre por isso. Os protagonistas nestas seis peças são personagens profundas, ao mesmo tempo desagradando e causando admiração na audiência.
O monumento perene do espírito ático na sua maturidade é constituído pela tragédia de Sófocles e a escultura de Fídias - representam a arte do tempo de Péricles.
No diálogo platônico Hípias Menor (cerca de 395 a.C.) Sócrates sofisma para defender a equação odisseica implicando que o mais sabedor e competente também é o que mente melhor (o melhor médico sabe matar melhor outro homem), o ignorante (mesmo que bom) é inferior ao mentiroso. O sofisma aqui está em que poder fazer o negativo não implica em praticá-lo ou assim o querer, e o homem bom é aquele que podendo praticar o mal não o faz por sua bondade.
O Príncipe de Maquiavel dará dimensão programática e pragmática ao modelo de Odisseu de Filoctetes sofismado por Sócrates no diálogo Hípias Menor. Maquiavel liberta o político do fardo ético-metafísico clássico (Ética a Nicômaco de Aristóteles - bem intrínseco) e do fardo ético-teológico da Igreja (bem transcendente) de seu tempo. Ao abandonar Filoctetes em Lemnos pensando no melhor para sua expedição Odisseu comporta-se como o príncipe idealizado por Maquiavel. O bem não pode ser defendido do mal de modo eficaz senão pelo mal. O problema é encontrar o homem bom disposto a praticar o mal visando o bem comum. Estes são raros, pois os bons afastam-se do caminho do mal e os maus não visam o bem comum.
Pergunta: o fim justifica os meios? Resposta: Depende do fim almejado, depende de cada situação concreta. São decisões morais.
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