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Dos Deveres de Cícero

  • Foto do escritor: Cultura Animi
    Cultura Animi
  • há 4 dias
  • 5 min de leitura

Quanto mais alto subimos na vida, mais humildemente devemos caminhar.


Quanto mais leis, menos justiça temos, pois a essência da justiça é a boa fé, a firmeza e verdade em promessas e acordos. – Cícero


Interpretação

Cícero escreveu Dos Deveres na forma de uma carta a seu filho na expectativa de que este aprendesse com sua experiência, com seus erros e acertos. Portanto, o tema é a educação: Como alcançamos o nosso melhor? O que é melhor para nós mesmos? O que é melhor para os outros? E como julgamos o que é melhor? Pois o fundamento da educação é a capacidade de liderar de si mesmo, evitando viver seguindo caminhos falsos e ao final ter que se perguntar “Por que fiz isto?”.


Para Cícero o homem deve ser capaz de chegar ao fim da vida e dizer “Eu me saí bem!”, ou seja, viveu uma vida que retribui ao seu país, à sua família, e aos seus concidadãos.

Ele iniciou-se na advocacia para provar que se pode ser um advogado bem-sucedido e rico, mantendo-se integro. Desde o início de sua carreira jurídica tomou para si casos difíceis e perigosos, defendeu pessoas pobres, assim como as pessoas em problemas políticos. Sempre argumentando os casos com todas suas forças independentemente do quão perigoso poderia ser.


Tendo obtido grande sucesso como advogado, Cicero percebe que o chamado mais alto seria como servidor público, e decide ingressar na política com o mesmo propósito: provar que se pode ser um político de sucesso e honesto. E novamente foi exitoso, ocupando o cargo de Cônsul em comando de Roma enquanto atingia o mais alto nível de confiança pública.


Em 63 a.C., como Cônsul, Cícero enfrentou a facção comandada por Catilina, que inclui entre outros o jovem César, que buscavam derrubar a República e a Constituição para implementar um poder oligárquico. Muitos recomendaram que recuasse dada a força do inimigo, mas Cícero prevaleceu, colocando a salvação de Roma e da Constituição acima de suas necessidades. Mais tarde, quando César triunfou, Cícero também levantou-se contra ele ao perceber que ele poderia destruir a liberdade de Roma em prol de sua própria ambição. E lutou contra a ascensão de Marco Antônio, valendo-lhe a pena de morte.


Cícero viveu seguindo a moral baseada na ideia de direito natural, na crença de que Deus existe e que o universo é envolto em razão, revelando a mão de Deus. E Deus estabeleceu um conjunto de valores absolutos que foram explicitados por Platão na República: sabedoria, justiça, coragem e moderação – virtudes presentes mesmo que o mundo inteiro as negue. São virtudes cardeais. Virtudes são bondades, é o que é bom e deve ser praticado, assim é com a sabedoria, a justiça, a coragem e a moderação.


Cícero queria que seu filho entendesse que não há dicotomia entre moralidade e conveniência – um ato nefasto nunca pode ser bom para quem o pratica. Ser injusto, mentir, ludibriar alguém nunca beneficia seu autor. Foi aí que César e tantos outros tiranos se equivocaram ao pensarem que poderiam ser injustos diante na necessidade de fazer o que consideravam importante para Roma, pois nunca devemos separar o que se é como indivíduo da nossa figura pública, sendo o dever público um chamado divino.


Sabedoria é conhecer a verdade, entender os valores eternos estabelecidos por Deus e aplicá-los em sua vida. Todo o conhecimento adquirido ao longo dá vida de nada serve se não for aplicado para buscar e fazer o bem – sabedoria é conhecer como fazer o bem.


Justiça é a virtude mais importante, é nunca fazer o mal a uma pessoa ou sua propriedade – trate os outros como você gostaria de ser tratado. A essência da justiça é fundada no respeito à propriedade privada. A injustiça também pode ser passiva, pois tão errado quanto ser injusto é cruzar os braços diante de uma injustiça perpetrada a terceiros. E a justiça deve ser para todos, inclusive àqueles que nos prejudicaram. O homem justo também é generoso, começando com sua família e estendendo aos demais – ajudando dentro das possibilidades (não dar aquilo que não se tem) e seguindo a meritocracia. E o justo sempre mantém sua palavra (os romanos forjaram seu império com base na integridade).


Coragem é essencial para a prática da justiça. Um indivíduo deve ter a coragem de defender o que é certo. A sabedoria é essencial para a coragem. O indivíduo deve ter a sabedoria para saber o que deve defender. A bravura a serviço do mal é a selvageria.


Moderação é a quarta qualidade da bondade. Nada deve ser deixado ir longe demais e cair no erro. A moderação é um guia para a vida, determinando o que é certo para cada um.


Ao selecionar uma carreira, o indivíduo deve saber, exercendo a moderação, suas reais capacidades. Às vezes, as pessoas entram em uma ocupação porque a herdam, por causa de conexões ou por um capricho. Cada pessoa deve dar um passo atrás e perguntar qual carreira lhe é mais adequada antes de tomar uma decisão. O chamado mais alto é o serviço público. Aqueles que desejam seguir uma carreira em serviço público devem ter certeza de que possuem as qualidades para liderar a nação. Um bom líder não é vingativo e não entra no serviço público por interesse próprio, autopromoção ou partidarismo. O serviço público deve ser um empreendimento nobre e puro – o funcionário público deve sempre agir com moderação.


Cícero aponta o senador Marco Atílio Régulo (morte c. 250 a.C.) como modelo de virtude. Prisioneiro dos cartagineses, Régulo foi enviado de volta a Roma com uma proposta de troca de prisioneiros, o que era contrário a política romana. Embora Régulo tenha sido ameaçado de tortura e morte caso não conseguisse organizar a troca, ele pediu ao Senado que votasse contra aquela proposta. Os senadores imploraram para que ele quebrasse sua palavra e ficasse em Roma, mas Régulo recusou, e voltou a Cartago onde foi torturado até a morte.





Notas


  • Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) nasce um Arpino, Itália.

  • Advogado, político e filósofo, foi um dos maiores oradores e escritores em língua latina. Alcançou a posição de cônsul aos 43 anos. Raro exemplo de advogado e político honesto. Acima de tudo foi um patriota, amante da liberdade, que deu a vida por seu país.

  • Como filósofo, traduziu a sabedoria grega em termos que seus conterrâneos pudessem aplicar em suas vidas práticas.

  • Em 46 a.C. Cícero declina a oferta de César para um alto posto no governo e se aposenta. Neste retiro ele escreve De Officiiis, ou Dos Deveres. Tratado constituído de três livros dos quais só restaram fragmentos.

  • Cícero inspirou-se, parcialmente, para escrever Dos Deveres em Tratado dos Deveres do filósofo estoico Panécio (185-109 a.C.).

  • Frederico, o Grande, da Prússia considerava Dos Deveres o melhor livro sobre moral já escrito.

  • Os conselhos de Cícero em Dos Deveres não foram apreendidos por seu filho, um bêbado que vendeu seus serviços a Augusto (63 a.C.-14 d.C.) e emprestou seu nome à nova ordem política em Roma. Embora o filho de Cícero não tenha seguido seus conselhos, Cícero deixou às gerações futuras essa declaração duradoura de justiça e moral.

©2019 by Cultura Animi

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